Metas em organizações: perigos e alternativas

Cali (Renato Caliari)
Tentaculus
Published in
8 min readJul 3, 2020

[O conteúdo completo está em https://calirenato82.substack.com/p/o-perigo-de-metas-em-organizacoes]

Antes de iniciar, quero lembrar que metas podem ter mais de uma definição dependendo do contexto. Para evoluir esse ensaio, precisei assumir uma definição, que foi essa: desempenho, conquista ou impacto a ser alcançado, normalmente fora de nosso controle, sem grande conhecimento do que fazer para alcançar e comumente dentro de um prazo determinado.

Em 26/05/2022, publiquei um texto abordando possíveis diferenciações de conceitos e um processo que não utiliza metas:

Aqui nesse texto em específico, pode acontecer de eu utilizar a palavra objetivo com o mesmo significado de meta. Isso não quer dizer que em qualquer contexto essas palavras sejam sinônimas.

Duas pessoas envergando uma grande seta para cima, como se tentando forçar um resultado a subir. People illustrations by Storyset.

Sumário

  • Resumo — TL;DR
  • Metas: funções, perigos e alternativas
  • Funções das metas
  • …Impulso para ações alinhadas
  • …Foco
  • …Recompensa e punição
  • …Criar um futuro idealizado
  • …Manifestação do que é importante
  • …Maximização de resultado
  • …Visibilidade dos efeitos e discussão contínua
  • Perigos
  • …Ações míopes
  • …Maximização das métricas erradas
  • …Produtividade máxima
  • …Crescimento desenfreado! (ou, Growth) — Salve-se quem puder
  • Dar o melhor e utilizar práticas recorrentes
  • Conclusão

Resumo — TL;DR

Motivos comuns para organizações utilizarem metas

  • Impulso para ações alinhadas — porém as pessoas não sofrem déficit de ação alinhada, elas sofrem de déficit de significado, de falta de compreensão do propósito e de quais valores precisa honrar pra decidir algo.
  • Foco — a visão em túnel tem benefícios em determinados momentos e contextos, porém pode ser prejudicial se não for combinada com folga para reflexão e adaptação.
  • Recompensa e punição — porém ligar recompensa e punição a metas pode trazer mais prejuízos do que benefícios.
  • Criar um futuro idealizado — porém é necessário atenção para sentir e responder, conforme informações atuais, e não ficar amarrado a planos pré-fabricados.
  • Manifestação do que é importante — porém usar metas cascateadas, apesar de ser uma manifestação da organização e gerentes, é uma forma de coerção se não for algo voluntário.
  • Maximização de resultado — porém observar métricas erradas podem levar ações míopes, trapaças e prejuízos a outras partes do sistema.
  • Visibilidade dos efeitos e discussão contínua — o perigo com metas é que ao ter uma meta que não faça mais sentido para o momento ou métricas que não sejam as melhores representações do resultado, ainda será possível acreditar que esteja progredindo, mesmo que não seja a melhor direção e nem tenha os efeitos necessários.

Conjunto de alternativas às metas

  • Utilize propósitos alinhados e regras simples para tomadas de decisões e como estratégia;
  • Defina práticas recorrentes que informem o que realizar além de tornar visível o que foi realizado ou não. Foque no processo em vez de um destino fora de controle.
  • Mantenha um ritmo que garanta folga e permita espaço para reflexão e adaptação, além de experimentação;
  • Sinta e responda, conforme informações atuais, e não fique amarrado a planos pré-fabricados;
  • Em vez de cascatear metas ou instruções para ações, o importante é cascatear significado. É preciso garantir que as pessoas entendam o que é mais importante. Significado compartilhado cria alinhamento, e esse alinhamento é emergente, não coagido;
  • Manifeste o que é importante através de valores expressos, rituais e história transmitida;
  • Defina a estratégia em colaboração com as pessoas responsáveis por implementá-la minimizando o efeito de substituição da estratégia pelas métricas de acompanhamento;
  • Utilize múltiplas métricas para capturar melhor uma estratégia;
  • Utilize métricas de categorias diferentes (ex: quantidade e qualidade) e de partes diferentes do sistema organizacional;
  • Se questione se estão medindo o que é importante em vez do que é fácil;
  • Dê visibilidade dos efeitos do trabalho das pessoas;
  • Promova transparência, disponibilidade e compreensão de todas informações possíveis da organização para quem possa se beneficiar.
  • Incentive discussão sobre os efeitos e aprendizados continuamente.
  • Acompanhe e compare os resultados atuais com resultados próprios do passado recente, com muito cuidado.

Metas: funções, perigos e alternativas

É muito comum darmos por certo que precisamos de metas nas organizações para desenvolvimento e avanço em alguma direção.

Será que essa é uma verdade inquestionável? Vamos avaliar isso neste ensaio.

De acordo com Jennifer garvey Berger e Keith Johnston, autores do livro Simple habits for complex times — Powerful Practices for Leaders, uma meta é geralmente o resultado de uma única perspectiva (ou conjunto de perspectivas unificadas) decidindo sobre o único comportamento que mudará o sistema para algum estado desejado. Mas em um sistema complexo, ninguém pode saber qual única coisa pode mudar o sistema da maneira desejada.

As metas tendem a ser definidas porque são facilmente medidas e parecem estar conectadas para o problema em questão, mas muitas vezes não há uma ligação causal real entre a esperança de que a organização ou líderes têm e a meta que definem para tornar essa esperança uma realidade.

Também podemos entender metas como abstrações que no final só conseguem responder se conseguimos ou não alcançá-las, mas pouco dizem se foi o melhor que poderíamos ter feito.

Logo após alcançar uma meta, teremos outra e em seguida outra. E é isso.

Jason Fried, CEO da Basecamp, empresa com mais de 20 anos de mercado, em um determinado momento disse que “o motivo de eu não definir metas é porque elas são principalmente artificiais e você atinge a meta e fica feliz ou não a atinge e fica chateado. E se você atinge, você apenas cria outra. E tipo, qual é o ponto disto?”.

Já o psicólogo Adam Alter comenta em um artigo da Business Insider que mesmo que no fim você atinja a meta, você desde o início gastará a maior parte do seu tempo não atingindo-a. E esse estado de falha pode rapidamente impedir as pessoas de perseguir a meta que estabeleceram.

Para acrescentar, ele continua dizendo algo semelhante ao que o Jason disse: “uma vez atingida uma meta, o sentimento de alegria geralmente é passageiro. As pessoas sentem uma onda de felicidade, mas ela desaparece rapidamente à medida que um novo objetivo entra em foco.

E quando você atinge uma meta mas não os resultados desejados com elas, geralmente atribuímos esse efeito às definições de metas erradas e gastamos mais tempo em fazer outras metas em vez de questionar a necessidade das metas.

O efeito contrário também pode acontecer: ao observar times e organizações que alcançaram um resultado que desejavam, algumas pessoas podem atribuir isso à utilização de metas. Porém, esquecem-se que muitos times e organizações que falharam em alcançar resultados desejados, possuíam metas parecidas.

Imagine um grupo de corredoras que irão participar de uma maratona. Boa parte delas possuem a mesma meta: vencer. Porém a maioria falhará. O viés de sobrevivência poderá fazer você acreditar que o que fez a primeira colocada vencer foi a utilização de meta.

Funções das metas

Vamos lá então, qual o motivo de usarmos metas?

Podemos resumir em alguns pontos:

  • Impulso para ações alinhadas
  • Foco
  • Recompensa e punição
  • Criar um futuro idealizado
  • Manifestação do que é importante
  • Maximização de resultado
  • Visibilidade dos efeitos e progresso

Essa lista não é exaustiva e nem definitiva. É uma amostra que permite termos uma visão geral do assunto.

Impulso para ações alinhadas

Acredito que tudo começa com a crença de que as pessoas precisam de uma meta para agir de forma alinhada. Mas, como Marcus Buckingman fala em seu livro Nines Lies About Work (em português, Nove Mentiras Sobre Trabalho), as pessoas não sofrem de déficit de ação alinhada, elas sofrem de déficit de significado, de falta de compreensão do propósito e de quais valores precisa honrar pra decidir algo.

Propósito

Ele diz que as pessoas não precisam saber o que fazer, elas querem saber o porquê.

— As pessoas compreendem o propósito? Elas sabem os valores que precisam honrar para as tomadas de decisões?

E, de acordo com a autora do livro Thinking in Systems — A Primer, Donella H. Meadows, sistemas complexos como organizações podem ter propósitos dentro de propósitos. Manter sub-propósitos e propósitos gerais em harmonia é uma função de sistemas com sucesso.

O sistema maior coordena e melhora o funcionamento dos subsistemas, que por sua vez regulam a si mesmos além de servirem o propósito do sistema maior. Eles podem tomar conta, regular e manter a si mesmos (auto-organização) além de servir às necessidades do sistema maior, enquanto o sistema maior coordena e melhora o funcionamento dos subsistemas.

Regras simples como estratégia

Além de propósitos aninhados e alinhados, outro padrão importante, especialmente em contextos VICA (Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo) é a utilização de regras simples, apenas um punhado, como estratégia que orienta tomadas de decisões e permite reação rápida e eficiente às mudanças do mercado.

Regras simples permitem decisões serem tomadas rapidamente, sem um computador; são frugais, na medida em que requerem apenas informações limitadas para chegar a uma decisão; e claras, na medida em que expõem os fundamentos sobre os quais as decisões são tomadas.

Por serem facilmente memorizáveis têm a probabilidade de serem adotadas e usadas de forma consistente. E, a clareza delas, gera confiança, revelando como as decisões são tomadas e indicando onde podem ser melhoradas.

Elas permitem que tomadores de decisões usem sua experiência, julgamento ou bom senso para ações rápidas em contextos complexos.

Veja mais abaixo no texto sobre o cuidado de se criar essa estratégia em colaboração com as pessoas responsáveis por implementá-la.

(Se tiver curiosidade, veja também sobre estratégias even over)

Foco

Metas podem auxiliar uma pessoa ou grupo a se concentrar e focar em algo. Elas podem favorecer a visão em túnel: o hábito ou tendência de apenas vermos ou focarmos em uma única prioridade, enquanto negligenciamos ou ignoramos outras prioridades importantes.

A visão em túnel tem benefícios em determinados momentos e contextos.

Porém, ela pode se tornar prejudicial se não for combinada com folga (slack, em inglês).

Na pesquisa In Praise of Slack: Time Is of the Essence é dito que “a folga organizacional, em termos de tempo e [recursos humanos] que não estão constantemente sujeitos a medidas de eficiência a curto prazo, é importante para as organizações que lidam com os desafios do século XXI”.

E continua dizendo que “[…] as demandas futuras por flexibilidade estratégica e por integrar aprendizado e conhecimento em todas as organizações destacam a necessidade de reexaminar a importância do tempo no trabalho organizacional — e reconhecer que todos os recursos organizacionais não podem ser comprometidos com os esforços imediatos de produção, se quisermos ter tempo para prestar atenção, pense e se beneficie do conhecimento adquirido”.

Apesar de meus questionamentos no trecho acima com a expressão “recursos humanos” em vez de pessoas, o trecho ainda traz informações relevantes.

Então, além de propósito e regras simples comentados anteriormente, garanta folga que permita espaço para reflexão e adaptação.

Recompensa e punição

Apesar de colocar “recompensa e punição” como função de uma meta, acredito que está mais para uma ferramenta utilizada para aumentar a probabilidade de pessoas atingirem metas do que propriamente uma função.

Continue lendo em https://calirenato82.substack.com/p/o-perigo-de-metas-em-organizacoes.

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