A fé que suporta a dor insuportável

Donavon Riley

Josemar Alves Bonho
Teologia Luterana
6 min readJul 3, 2024

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A Ressurreição da Filha de Jairo, por Gisele Bauche

Como pai de um filho recentemente diagnosticado com um tumor cerebral, uma das experiências mais insuportáveis a minha vida é imaginar que talvez eu tenha que pregar um sermão fúnebre e enterrar meu filho de doze anos. A dor e a tristeza que acompanham essa preocupação são indescritíveis. No entanto, para alguns, a luta torna-se ainda mais difícil quando precisam recorrer à oração na esperança da cura para um filho. Nesses momentos, um pai tem a sua fé e confiança em Deus são testadas de maneiras que são difíceis de compreender.

C. S. Lewis, um devotado cristão, escreveu extensivamente sobre o tema do sofrimento e da dor, e suas obras fornecem perspectivas sobre a experiência de um pai que está na difícil situação de orar por seu filho. Em particular, a sua compreensão da natureza de Deus e do papel do sofrimento na vida cristã é relevante para a luta de um pai que está orando pela cura do seu filho.

Da mesma forma, na teologia luterana da Reforma, o conceito de sola fide ou “somente a fé” é central para o entendimento cristão de sofrimento, oração e salvação. “Somente a fé” significa que a salvação é um dom da graça que é recebido através da fé em Jesus Cristo, e não através de quaisquer obras ou méritos próprios. Contudo, isto não significa que a vida cristã esteja livre de sofrimento ou luta. Na verdade, o sofrimento é visto como uma parte inevitável da vida do cristão, porque vivemos num mundo caído e estamos sujeitos às consequências do pecado, como o sofrimento, a doença e a morte.

Quando um pai é confrontado com a probabilidade de perder um filho, sua fé é posta à prova. Ele pode se sentir irritado, confuso e sufocado por suas emoções. Ele pode questionar por que Deus permitiria que tal tragédia acontecesse com sua família. Ele pode ter dificuldade para encontrar as palavras para orar ou pode sentir que suas orações não estão sendo ouvidas. Mas nesses momentos, um pai se volta para Deus com fé, confiando em sua promessa de ser um “socorro bem-presente na angústia” (Salmo 46.1).

Em seu livro, “A Anatomia de uma Dor: Um Luto em Observação”, Lewis descreve seu conflito com a fé após a morte de sua esposa. Ele escreve: “Não que eu esteja (suponho) correndo o risco de deixar de acreditar em Deus. O perigo real é o de vir a acreditar em coisas tão horríveis sobre Ele. A conclusão a que tenho horror de chegar não é ‘então, apesar de tudo, não existe Deus nenhum’, mas ‘então, é assim que Deus é realmente. Não se iluda’.” (Lewis, A Anatomia de uma Dor: Um Luto em Observação, p. 32). Esta passagem fala do medo e da dúvida que podem surgir no coração de um pai que está batalhando por seu filho em oração. Ele pode temer que Deus não esteja ouvindo, ou que Deus esteja punindo ele ou seu filho por algum pecado ou falta.

Contudo, o pai deve lembrar que Deus é um Pai amoroso que cuida intensamente de seus filhos. Ele é encorajado, e até ordenado, a confiar na bondade e na misericórdia de Deus, mesmo quando isso é difícil de entender. Em seu livro, “O Problema do Sofrimento”, Lewis escreve: “Deus sussurra em nossos prazeres, fala em nossa consciência, mas grita em nosso sofrimento: ele é o seu megafone para despertar um mundo surdo”. (Lewis, O Problema do Sofrimento, p. 106). Esta passagem nos lembra que Deus pode usar o nosso sofrimento para nos aproximar dele e nos revelar o seu amor e misericórdia de novas maneiras.

As declarações de Martinho Lutero sobre o que ele chamou de “teologia da cruz” também são relevantes para a experiência de um pai que batalha em oração pela cura do seu filho. Esta teologia enfatiza a natureza paradoxal da fé cristã: que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza, que a vida vem através da morte e que a verdadeira glória é encontrada na cruz. Assim como o apóstolo Paulo escreveu: “Pois a mensagem da cruz é loucura para os que perecem, mas para nós que somos salvos é o poder de Deus.” (1 Coríntios 1.18).

A teologia da cruz nos desafia a ver o poder e o amor de Deus em ação no meio do nosso sofrimento e fraqueza. Isso nos lembra que mesmo quando estamos no fundo do poço, Deus ainda está conosco e operando para o nosso bem. Assim como Lutero escreveu em seu Debate de Heidelberg: “Justo não é quem pratica muitas obras, mas quem, sem obra, muito crê em Cristo”. (Lutero, Debate de Heidelberg, Tese 25). Em outras palavras, não são as nossas próprias obras ou méritos que nos salvam, mas sim a nossa fé em Cristo e na sua obra na cruz.

Para o pai que batalha em oração pela cura do filho, a teologia da cruz oferece esperança e conforto. Isso o faz lembrar de que mesmo que suas orações não sejam respondidas da maneira que ele espera, Deus ainda está operando em sua vida e na vida de seu filho tencionando fazer o bem. Também o faz lembrar que a sua fé no amor e no poder de Deus não depende da sinceridade das suas orações, ou de como julga o resultado das suas orações.

Uma das histórias mais famosas da Bíblia sobre a luta de um pai com a fé é a história de Jairo, cuja filha estava morrendo. Jairo era um líder da sinagoga que foi até Jesus e implorou que ele fosse curar sua filha. Jesus concordou em ir com ele, mas no caminho foram interrompidos por uma mulher que sofria de hemorragia há 12 anos. Quando Jesus parou para curá-la, Jairo recebeu a notícia de que sua filha havia morrido.

Naquele momento, Jairo deve ter se sentido arrasado e sem esperança. Ele colocou sua fé em Jesus, mas ainda assim sua filha morreu. Mas Jesus lhe disse: “Não tenha medo; apenas creia, e ela será curada” (Lucas 8.50). Jesus encoraja, e até ordena, Jairo a confiar em seu amor e poder, mesmo quando parecia que toda a esperança estava perdida. E no final, Jesus ressuscitou sua filha dentre os mortos.

Esta história nos lembra que mesmo quando enfrentamos as maiores provações e desafios, ainda podemos colocar a nossa fé em Jesus e confiar no seu amor e poder, um poder que pode ressuscitar os mortos. E talvez nem sempre entendamos por que as coisas acontecem da maneira que acontecem, mas podemos confiar que Deus ainda está no controle, permanecendo fiel às suas promessas para nós e sempre operando para o nosso bem. Como Paulo escreveu em Romanos 8.28: “E sabemos que Deus faz todas as coisas cooperarem para o bem daqueles que o amam e que são chamados de acordo com seu propósito”.

Para terminar, a batalha de um pai em oração pela cura de seu filho é uma das experiências mais difíceis que ele pode enfrentar. Desafia a sua fé e confiança em Deus e testa a sua compreensão da fé cristã. Mas através das obras de C. S. Lewis e da teologia de Martinho Lutero, podemos ver que Deus ainda está conosco em meio ao nosso sofrimento e fraqueza. Podemos confiar em seu amor e poder, mesmo quando parece que toda a esperança está perdida. E podemos encontrar conforto e esperança na história de Jairo, que depositou a sua fé em Jesus e viu a sua filha ressuscitar dos mortos. Que todos tenhamos força e fé para confiar na bondade e na soberania de Deus, mesmo nos momentos mais sombrios de nossas vidas.

Donavon Riley, pastor luterano, escritor e colaborador de 1517, Christ Hold Fast, e LOGIA.

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