Fahrenheit 451 e a Teoria da Bala Mágica.

Beatriz Nunes
teorias-comunicacao
4 min readDec 12, 2019

451º F: temperatura a que o papel dos livros atinge o ponto de ignição e é consumido pelo fogo.

“It was a pleasure to burn”.

A obra Fahrenheit 451 descreve um mundo distópico, no qual os bombeiros têm funções inversas às quais estamos acostumados, “a guarda de nossa paz de espírito, a eliminação do nosso compreensível e legítimo sentimento de inferioridade: censores, juízes e carrascos oficiais”. Enquanto as pessoas se submetem à onipresença da televisão, que preenchem cômodos das casas, tomam seus narcotizantes para dormir e se conectam com rádio-concha (um fone de ouvido ligado à parede, que está sempre ligado transmitindo notícias e outras programações), quando não estão conectados, se locomovem na maior velocidade possível, conservando o fluxo pré-estabelecido.

Nessa realidade, que muito aproxima-se do que nos cerca, os livros foram banidos, são incinerados e tê-los é um crime. Além das casas serem à prova de combustão e o papel dos bombeiros seja iniciar incêndios. Mas por que queimar livros? Que perigo eles exercem? Muitos, os bombeiros protegem os cidadãos contra o risco do pensamento, da dúvida, do prazer, do choro, da tristeza, da revolta e das lágrimas que os livros e sua leitura podem proporcionar. E ser feliz e estar satisfeito é o que importa, certo?

O protagonista chama-se Guy Montag, um orgulhoso bombeiro que vive com sua esposa Mildred, com quem quase não fala, em uma cidade norte-americana. Para ele, “queimar era um prazer”, os melhores momentos do seu dia estavam em assistir “as sintonias de chamas e labaredas (…) enquanto os livros se consumiam em redemoinhos de fagulhas e se dissolviam no vento escurecido pela fuligem”. Contudo, algo o instigou a ver essa rotina, seus propósitos e princípios de outra forma.

Na verdade, alguém. Uma garota chamada Clarisse McClellan, que passava seus dias vagando e observando a cidade, sem se importar em frequentar a escola. Ao ser questionada do motivo, em uma simples e rápida conversa, muda drasticamente a percepção de Montag sobre o mundo e sua vida. A propósito, isso o deixa infeliz com tudo ao seu redor, indo em contrapondo ao status quo em que estava inserido. Esse novo caminho o tirava da massa, ele não estava mais incluso na sociedade de massa e sua submissão voluntária à televisão.

Segundo Shorter Oxford English Dictionary, massa significa “um agregado no qual a individualidade é perdida”. Desse modo, uma sociedade de massa pode proporcionar pessoas alienadas e indefesas, por conseguinte, manipuláveis. Diante disso, a teoria da bala mágica, ou ainda hipodérmica, considera que uma mensagem emitida será recebida igual e uniformemente pela massa, de forma passiva e sem resposta do receptor.

Ademais, outro personagem importante é Beatty, o chefe dos bombeiros. Ele colabora para manutenção do status quo, possui vasto conhecimento sobre livros e seu poder, é capaz de recitar grandes obras, dependendo apenas de sua memória. Todavia, por opção e espontânea vontade, decide se incluir na vida corrida, superficial e supérflua que a maioria das pessoas (sobre)vive, pois afirma que os livros são “o caminho da melancolia”.

Após um incidente no trabalho que acelerou o processo de metanóia de Montag, ele “adoece”. O capitão Beatty o visita e ambos tem uma longa conversa, onde podemos descobrir como a sociedade chegou até aquele ponto, o motivo da troca da função os bombeiros e compreendemos melhor o panorama da história. Momento no qual Beatty questiona:“Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”.

Em contraponto, Mildred representa e personifica uma boa parcela da sociedade de massa alienada e conformada com o que lhe é passado pela televisão. Sendo assim, podemos ver a aplicação da teoria da bala mágica em sua vida, visto que ela — e vários outros — apenas recebem passivamente as mensagens transmitidas, elas fazendo sentido ou não. Portanto, Fahrenheit 451 é um livro atemporal, crítico e magistral, que explicita um panorama que, se refletirmos, estamos vivendo. Aliás, somos Montag ou Mildred?

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