O público de Jordan Peele: estudos de recepção no filme “Corra/Get Out”
Quando Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos como primeiro presidente negro da história, uma onda popular de minorias sociais acreditou na estabilidade de um momento de tranquilidade quanto a preconceitos, principalmente raciais. O ator de programa de comédia, Jordan Peele, já estava com a ideia de Corra/Get Out pronta, mas achou que aquele não era o momento. A ideia do roteiro parecia não fazer sentido.
Anos se passaram e chegou a era Donald Trump, com os movimentos racistas norte-americanos ganhando força, inclusive com marchas em prol do nazismo. Pronto, chegou o momento perfeito. Peele começou a ir em busca de estúdios que pudessem comprar a ideia absurda do filme dele e conseguiu fechar com a Warner, após levar muito não. Mas por que tanta dificuldade? O filme é tão complexo assim?
Sim, e para quem ainda não viu, segue um resumo. “Corra!” traz a história de Chris, um jovem negro fotógrafo que namora Rose, uma mulher branca de classe média alta. Após muito ela insistir, ele aceita conhecer a família dela que mora em uma região afastada, muito rica. Ao chegar na casa, todos os prestadores de serviços domésticos são negros, sempre muito quietos e com um sorriso forçado. Um grande evento tradicional da comunidade chega: um leilão, repleto de gente branca no qual estão sempre acompanhadas de algum negro, vestido socialmente e com gestos robóticos.
Chris desconfia de tudo, até que em uma noite ele entra no consultório da sogra — uma psiquiatra, e ela o convence a fazer uma terapia para parar de fumar cigarro. Ele aceita e é hipnotizado, levado a lembrar da infância no momento em que perdeu a mãe em um acidente. No ápice da história, Chris descobre que a família e toda a comunidade fazem parte de uma espécie de seita que sequestra pessoas negras para transferir a memória e personalidade de pessoas brancas para elas, por meio de uma troca de cérebros. Uau! Se isto não é o suficiente para ferver um debate racial, então, não sabemos o que é.
E de fato foi. O filme chocou pela mensagem e rapidamente gerou uma identificação por parte do público negro, pois a obra trata do racismo velado, ou seja, aquilo que superficialmente as pessoas brancas não compreendem como racismo, mas o negros estão vivenciando todos os dias.
Por exemplo, em um dos primeiro diálogos ao chegar na casa, o pai de Rose faz questão de dizer para Chris: “Votei no Obama. O melhor presidente que tivemos”, como se houvesse uma necessidade de explicitar isso só por estar diante de um negro. Durante um jantar, o irmão de Rose indaga Chris se ele pratica algum esporte mais bruto, pois ele tem porte para isto. Como citado acima, há vários negros na casa, mas todos muito submissos e sem identidade, comportando-se como pessoas brancas, ignorando toda a cultura negra que eles foram naturalmente criando devido a segregação racial e que se tornou símbolo de resistência.
Na teoria da comunicação há os estudos de recepção que podem de forma pertinente serem aplicados ao que está sendo discorrido durante este texto: como um público recebe uma mensagem?
Os estudos de recepção foram pioneiros por enfatizar que o público não é passivo e desconstruir o processo de emissor>mensagem>receptor e transformar isto em algo circular, no qual a mensagem passa por alterações devido a vivência de quem recebe.
Isto é perceptível em Corra! principalmente no impacto do filme. Na internet, diversos comentários acusando Jordan Peele de estimular ódio aos brancos, racismo reverso, boatos inclusive de que a bancada do Oscar estaria se recusando a assistir ao filme para avaliar. Aliás, na premiação, o filme foi indicado a Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro, ganhando este último.
Onde queremos chegar é que o filme, de fato, é de difícil compreensão para quem é branco, principalmente por acharem que racismo é só a ofensa e agressão, ou resumir a escravismo. O racismo é cultural e está nos mínimos comportamentos, como mostra no filme. Assim, é uma boa comprovação da veracidade do que é levantado nos estudos de recepção das teorias de comunicação. Peele já avisou: “Não colocarei protagonistas brancos no meu filme” e isso ficou claro na obra seguinte, “Nós”, mesmo que dessa vez não haja crítica racial.
O importante é que Peele está criando uma identidade e dando voz a um público que sempre foi representado de forma pobre e deve continuar, mesmo que a branquitude permaneça presa no egocentrismo.