O público de Jordan Peele: estudos de recepção no filme “Corra/Get Out”

Renan Gonçalves
teorias-comunicacao
4 min readDec 14, 2019

Quando Barack Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos como primeiro presidente negro da história, uma onda popular de minorias sociais acreditou na estabilidade de um momento de tranquilidade quanto a preconceitos, principalmente raciais. O ator de programa de comédia, Jordan Peele, já estava com a ideia de Corra/Get Out pronta, mas achou que aquele não era o momento. A ideia do roteiro parecia não fazer sentido.

Anos se passaram e chegou a era Donald Trump, com os movimentos racistas norte-americanos ganhando força, inclusive com marchas em prol do nazismo. Pronto, chegou o momento perfeito. Peele começou a ir em busca de estúdios que pudessem comprar a ideia absurda do filme dele e conseguiu fechar com a Warner, após levar muito não. Mas por que tanta dificuldade? O filme é tão complexo assim?

Daniel Kaluuya foi indicado ao Oscar de Melhor Ator pelo personagem no filme.

Sim, e para quem ainda não viu, segue um resumo. “Corra!” traz a história de Chris, um jovem negro fotógrafo que namora Rose, uma mulher branca de classe média alta. Após muito ela insistir, ele aceita conhecer a família dela que mora em uma região afastada, muito rica. Ao chegar na casa, todos os prestadores de serviços domésticos são negros, sempre muito quietos e com um sorriso forçado. Um grande evento tradicional da comunidade chega: um leilão, repleto de gente branca no qual estão sempre acompanhadas de algum negro, vestido socialmente e com gestos robóticos.

Cena em que a empregada conversa com Chris e chora, ao mesmo tempo em que ri.

Chris desconfia de tudo, até que em uma noite ele entra no consultório da sogra — uma psiquiatra, e ela o convence a fazer uma terapia para parar de fumar cigarro. Ele aceita e é hipnotizado, levado a lembrar da infância no momento em que perdeu a mãe em um acidente. No ápice da história, Chris descobre que a família e toda a comunidade fazem parte de uma espécie de seita que sequestra pessoas negras para transferir a memória e personalidade de pessoas brancas para elas, por meio de uma troca de cérebros. Uau! Se isto não é o suficiente para ferver um debate racial, então, não sabemos o que é.

Chris foi levado para ser leiloado entre os brancos, como uma mercadoria.

E de fato foi. O filme chocou pela mensagem e rapidamente gerou uma identificação por parte do público negro, pois a obra trata do racismo velado, ou seja, aquilo que superficialmente as pessoas brancas não compreendem como racismo, mas o negros estão vivenciando todos os dias.

Por exemplo, em um dos primeiro diálogos ao chegar na casa, o pai de Rose faz questão de dizer para Chris: “Votei no Obama. O melhor presidente que tivemos”, como se houvesse uma necessidade de explicitar isso só por estar diante de um negro. Durante um jantar, o irmão de Rose indaga Chris se ele pratica algum esporte mais bruto, pois ele tem porte para isto. Como citado acima, há vários negros na casa, mas todos muito submissos e sem identidade, comportando-se como pessoas brancas, ignorando toda a cultura negra que eles foram naturalmente criando devido a segregação racial e que se tornou símbolo de resistência.

Os brancos apreciam Chris como se ele fosse um objeto fora do comum.

Na teoria da comunicação há os estudos de recepção que podem de forma pertinente serem aplicados ao que está sendo discorrido durante este texto: como um público recebe uma mensagem?

Os estudos de recepção foram pioneiros por enfatizar que o público não é passivo e desconstruir o processo de emissor>mensagem>receptor e transformar isto em algo circular, no qual a mensagem passa por alterações devido a vivência de quem recebe.

Isto é perceptível em Corra! principalmente no impacto do filme. Na internet, diversos comentários acusando Jordan Peele de estimular ódio aos brancos, racismo reverso, boatos inclusive de que a bancada do Oscar estaria se recusando a assistir ao filme para avaliar. Aliás, na premiação, o filme foi indicado a Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Roteiro, ganhando este último.

Onde queremos chegar é que o filme, de fato, é de difícil compreensão para quem é branco, principalmente por acharem que racismo é só a ofensa e agressão, ou resumir a escravismo. O racismo é cultural e está nos mínimos comportamentos, como mostra no filme. Assim, é uma boa comprovação da veracidade do que é levantado nos estudos de recepção das teorias de comunicação. Peele já avisou: “Não colocarei protagonistas brancos no meu filme” e isso ficou claro na obra seguinte, “Nós”, mesmo que dessa vez não haja crítica racial.

O importante é que Peele está criando uma identidade e dando voz a um público que sempre foi representado de forma pobre e deve continuar, mesmo que a branquitude permaneça presa no egocentrismo.

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Renan Gonçalves
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Publicitário e estudante de Relações Públicas. Apaixonado por cinema e comunicação.