Folkcomunicação e resgate da cultura regional: o programa “Catalendas”

Gabriel Dantas
teorias-comunicacao
3 min readDec 14, 2019

“Olá, Dona Preguiça!”

Era sempre assim que começava um dos programas mais interessantes da TV Cultura, lembrado pela infância de muitos que o acompanhavam: Catalendas. Dirigido e criado por Roger Paes, o programa de cunho didático-infantil era exibido inicialmente no Pará e foi expandido para todo o Brasil.

Recentemente, a TV Cultura criou um canal especial para o programa no YouTube, com todos os episódios.

Em formato de teatro de bonecos, produzido pelo In Bust Teatro, a narrativa apresentava Preguinho, um macaco muito curioso que todo dia aparecia na casa da Dona Preguiça, como o nome sugere, uma velha preguiça muito sábia. Preguinho sempre tinha uma dúvida, um acontecimento da vida dele que o deixava abismado. Procurando resposta, e então, como forma de passar uma lição de moral para o macaco, Dona Preguiça narrava uma lenda amazônica que também era simulada por meio do teatro de bonecos.

A lenda do Seu Raposo, sua esposa e os peixes.

As narrativas das lendas, carregadas de um tom místico, deixava o espectador encantado e ao mesmo tempo assustado pois a maioria delas apresentava seres fantásticos que castigavam os homens, como o episódio que exibiu a lenda do Mapinguari, um espécie de primata gigante de um olho só e com uma boca enorme para fora do estômago no qual ele usava para devorar a cabeça de quem ousava se aventurar na mata. Outra história que deixava muitos de cabelo em pé era a da Matinta-Pereira, a lenda de uma velha bruxa que se transforma em ave devido a uma maldição e passa as noites cantarolando um assustador assobio pedindo cachaça e fumo.

Lendas narradas como a do boto cor-de-rosa, boi bumbá, curupira, boitatá, cobra grande, vitória-régia, todos da floresta e rios do Amazonas, assim também algumas lendas urbanas comuns na cidade grande como a da Loira do Táxi, a história de uma taxista que dava carona para uma moça na frente do cemitério e quando chegava ao destino, descobria que ela já estava morta.

O fato é que todas estas histórias nasceram nas comunidades ribeirinhas do interior, localizações até pouco tempo ainda mais isoladas do que hoje em dia, e graças a um veículo de massas como a televisão chegaram ao conhecimento das pessoas que vivem nas cidades.

Este processo é um fenômeno estudado pela chamada folkcomunicação. A folkcomunicação, muito aprofundada por Luiz Beltrão (jornalista, escritor e pesquisador brasileiro), de uma maneira simples, é o estudo dos processos comunicacionais das manifestações folclóricas para fim de democratizar e difundir a chamada cultura marginalizada, ou seja, daquilo que foge do que a Indústria Cultural dissemina para as massas. A pesquisa em folkcomunicação possui o objetivo de decifrar os códigos das manifestações para assim conseguir a difusão mais abrangente (AMPHILO, 2011. p. 203).

Ao criar um programa cujo foco é narrar lendas amazônicas incentiva-se a valorização da cultura regional, indo na contra-mão de histórias mais lucrativas como as de super-heróis que o cinema de Hollywood tanto empurra para os outros países, principalmente os de cultura regional forte, porém desvalorizados.

A folkcomunicação pode resgatar a cultura e manter viva, como forma de transmitir valores para gerações futuras e permanecer no imaginário da populaçao.

Referências

AMPHILO, Maria. Folkcomunicação: por uma teoria da comunicação cultural. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, Ano 15 n.15, p. 193–212 jan/dez. 2011.

WIKIPÉDIA. Catalendas. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Catalendas> Acesso em dezembro de 2019.

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