Os Estudos Culturais junto as realidades e estilos musicais distintas de Escola de Rock

Loys Lorenn
teorias-comunicacao
6 min readDec 11, 2019

Em meio aos sons clássicos de Black Sabbath, AC/DC, The Doors e Stevie Nicks, o filme Escola de Rock — dirigido pelo norte-americano Richard Linklater — é uma comédia leve e muito bem ritmada e uma ótima pedida para se assistir em um domingo à tarde. Porém, não é por ser um filme infantojuvenil que a obra cinematográfica não deixa de ser vista como uma crítica e uma produção que corrobora os argumentos dos Estudos Culturais, pois, apresenta um contraste de realidades sociais, econômicas e um choque cultural que se faz presente por meio da música e da cultura.

Sabemos que nos Estudos Culturais o consumidor é fundamentalmente o objeto de estudo mais importante para análise e estudo da sociedade. Estes receptores são vistos como sujeitos ativos e diferentes uns dos outros, não sendo generalizados, mas sim observados e descritos como experiências em realidades distintas. Aliás, não somente suas realidades, como também suas identidades que feitas através de uma construção social. Os consumidores são diferentes, não apenas um só. Isso significa que a generalização não pode ser imposta à estas pessoas, visto que cada ser humano é diferente, bem como suas ideologias, interpretações e crenças.

A teoria dos Estudos Culturais leva em conta as práticas cotidianas, crenças, identidades, realidades, raça, posição política, etc. que são peças essenciais para a ressignificação e consumo do que lhes fora transmitido. Além disso, é importante ressaltar que a teoria também conta com o real cotidiano, o real midiático e a liberdade individual que o receptor detém de todo o contexto à qual ele está inserido, juntamente à possibilidade de negociação que o receptor pode ter com relação ao consumo final do produto.

Dito isto, podemos observar que em Escola de Rock, a atenuante divergência entre o falso professor Ned Scheenebly — Dewey Finn — em relação aos seus alunos, oriundos de famílias extremamente rigorosas e ricas, é um choque de realidades excessivamente distintas. O professor Ned é na verdade Dewey Fin, um guitarrista pobre, largado, sedentário e ex-integrante de uma banda de rock que fora expulso por seu jeito exagerado de ser. Dewey não tem onde cair morto e leva sua vida com base da ideia de que o Rock n’ Roll é um estilo de vida, salva vidas perdidas e que é libertador.

Dewey Finn divide um apartamento com seu melhor amigo, o real Ned Scheenebly, e a namorada dele, a irritante Patty. Dewey constantemente tem discussões com ela, que acredita que o estilo de vida recheado de rock n’ roll que Dewey leva está longe de ser libertador e sério, que não é o melhor caminho, apenas uma brincadeira de “vagabundos fracassados” e que ser parte de uma banda de rock não acrescenta e não contribui em nada na sociedade, diferente dela, que é assistente do prefeito e de seu namorado, que é professor substituto. A relação de Patty com Dewey é tida um cenário com constantes discussões de hierarquias culturais, tendo em vista que para Patty, as práticas e hábitos culturais de Dewey é baixa, sem sentido e sem nenhum prestígio para a sociedade — enquanto que para Dewey, a vida de Patty é chata e que não significa nada de interessante.

Em meio às crises constantes relacionadas ao aluguel dos três moradores do apartamento, Dewey tenta arranjar dinheiro vendendo a sua amada guitarra, porém não obtém sucesso. Ele então acaba por se passar por seu amigo, Ned, assim que recebe uma ligação à respeito de uma vaga para professor substituto muito bem remunerada em uma instituição caríssima de ensino bem quista na sociedade estadunidense. No início, Dewey não dá a devida importância para o trabalho exercido, enxerga os alunos apenas como um meio para conseguir dinheiro fácil, dando intervalos enormes e comendo em sala de aula ao invés de dar aulas. No entanto, tudo muda quando ele ouve os alunos tocando instrumentos elitistas na aula de música clássica.

Os alunos, integralmente, têm as aulas de música semanalmente com instrumentos que podem ser vistos como da alta classe: violoncelo, violino, flauta doce, piano etc. Dewey — agora Ned, percebe que pode usá-los para formar uma banda de rock temporária a fim de conquistar o primeiro lugar na Batalha das Bandas, cujo prêmio é um alto valor em dinheiro. O falso professor começa então a dar aulas de rock para estes alunos, mentindo sobre o real propósito e apenas diz que é uma atividade extracurricular que envolve todas as outras instituições do Estado. No entanto, antes das aulas, ele observa que a realidade e contexto cultural dos alunos é muito divergente da qual ele está acostumado em sua vida pessoal. Os alunos não conhecem Metallica, Motörhead, Led Zeppelin e nem nada do gênero, apenas Liza Minnelli, Christina Aguilera e músicas clássicas à qual são submetidos através de seus pais e seu circulo cultural.

O contexto da realidade social e cultural se sobrassem por meio da música. Enquanto os alunos detêm um estilo musical mais “refinado” e que são impostos tocarem instrumentos de classe alta semanalmente — sendo seu cotidiano, Dewey vive uma realidade totalmente oposta, não apenas como no estilo musical, como também na sua identidade, que curiosamente pode ser notada pelo seu furgão velho com caveira, muito diferente dos veículos que circulam pela instituição de ensino. O falso professor Ned desafia os conceitos e mostra um novo olhar para seus alunos, por meio da música, ele acaba quebrando o estereótipo de que tocar em uma banda significa usar drogas, como um determinado aluno fala a respeito da imagem que ele tinha do assunto.

Dentre os alunos, destacam-se Zack e Lawrence. Zack toca violão nas aulas de música clássica, porém, na banda de rock escolar, passa a tocar guitarra. Zack tem uma relação um tanto quanto passiva e problemática com seu pai, que o deixa tocar violão em casa somente em horários específicos, além de achar rock n’ roll coisa para pessoas ociosas e desocupadas sem quaisquer futuro. Por sua vez, Lawrence é um menino tímido, retraído e sem amigos. O mesmo toca belissimamente piano, no entanto, acaba tocando teclado na banda. Lawrence confessa para Dewey que se sente maneiro tocando rock, algo que antes ele não considerava e que ficava triste por isso.

Em ambos os casos, os alunos passam a se desvincular de instrumentos clássicos e passam a conhecer e gostar de instrumentos tidos como de cultura baixa (como todos os alunos da banda). Na realidade de Zack, o pai não o deixava conhecer e tocar outros estilos, apenas a música clássica — mesmo com limites — para ele, o rock e suas vertentes era desprestigiado, pois ele detinha uma interpretação pessoal do estilo musical, além de persuadir o filho a ter o mesmo pensamento, desvalorizando a liberdade individual do adolescente. No caso de Lawrence, ele acaba se conhecendo mais e se descobrindo algo que antes ele acreditava não ser. Lawrence obtém sua própria e verdadeira identidade por meio do rock n’ roll. Ele tem o sentimento de pertencimento com o estilo, se reelabora e se enxerga por meio da música.

Escola de Rock nos traz o questionamento de hierarquias culturais, do que pode ser visto como cultura alta ou baixa. Que a realidade e a identidade é uma construção social que está diretamente ligada à todo o contexto que um indivíduo está inserido. O real midiático que os alunos e pais detinham do estilo de música à qual Dewey convive, era muito diferente do real cotidiano em que o próprio vivia, bem como ao cotidiano dos alunos com suas aulas de música clássica.

A classe de Ned, inicialmente, se encontra em uma posição de oposição e de negociação. No começo, a classe aceita entrar na banda apenas por ser uma atividade extracurricular, interpretando que aquilo é apenas uma nota ou algo trivial. No entanto, acaba por ser negociada também, quando se torna a realidade de alguns alunos com suas particularidades. Modificando-os e ressignificando a imagem que o estilo tinha para os mesmos. No caso de Lawrence, por exemplo, tornando sua identidade.

Os estudos culturais se faz presente na recepção, alterações, nas práticas e ressignificações que indivíduos da sociedade podem ter perante um produto transmitido a ele. A compreensão, interpretação, pertencimento e valorização depende sempre de como uma pessoa irá consumir aquilo e fazer uso disso em seu cotidiano.

Autora: Loys Lorenn Lima.

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