Fanfics como objeto de estudo da literacia transmídia

Camilla Santos
Teorias da Comunicação
3 min readMar 12, 2021

O fenômeno das fanfics não é recente e muito menos desconhecido por aqueles que estão acostumados ao ambiente virtual, antes vistas como formas inferiores de literatura, já não é incomum encontrar livros publicados por grandes editoras que originalmente foram fanfics.

O nome vem da junção de duas palavras inglesas: fan e fiction, sendo assim uma ficção criada por fãs. Essa característica de serem obras feitas por indivíduos que originalmente eram apenas consumidores, tornam as fanfics um objeto interessante para observar a literacia transmídia dos agora prosumers (consumidores que produzem suas próprias mensagens). As produções explicitam o domínio das dimensões da competência midiática.

Dimensões da Literacia Transmedia

Usando as dimensões traçadas por Scolari, é possível observar não apenas as obras de fanfics em si, mas também o comportamento das comunidades inteiras de fãs em torno de algum produto midiático, suas leituras, interações e criações a partir de deu objeto de adoração são importantes tópicos para observar capacidades transmídias na prática.

Para a análise de fanfics podemos nos atentar às competências mais evidentes nesse tipo de mídia: produção; gestão social; gestão de conteúdos; ideologia e ética; e narrativa e estética.

Produção

Como já explicado no início, os autores de fanfics, os ficwriters, são fãs que produzem obras escritas baseados em suas produções midiáticas favoritas. Hoje existem diversos sites globais que hospedam fanfics dos mais diversos gêneros, sendo os mais conhecidos:

Archive of Our Own

Spirit Fanfics

Nyah! Fanfiction

Wattpad

Já somam milhares de obras produzidas por diversos fãs do mundo inteiro, sobre universos fictícios dos mais variados, os ficwriters são capazes de escrever textos coesos, expandindo os mundos de suas mídias favoritas

Gestão Social e de Conteúdo

No twitter, grupos de fãs formam comunidades para postar e compartilhar obras que acham relevantes. Existem contas, administradas por pessoas ou por robôs que também são programados pelos fãs, criadas para divulgar novos capítulos de fanfics, fazer recomendações de um determinado gênero, convidar para participações em competições de escrita, enfim os prosumers fazem toda essa estrutura para apreciar e divulgar as obras.

Não apenas fanfics são divulgadas, como também as chamadas fanarts (arte feita por fãs), são criadas zines para a compilação de histórias escritas, artes visuais e até quadrinhos, todos baseados em determinada mídia que foi absorvida e gerou uma comoção nessas pessoas para que elas produzissem seu próprio conteúdo para homenagear ou acrescentar suas próprias visões à obra original.

Supercorp Fanfictions (conta gerenciada por fãs que recomenda novas histórias e anuncia quando fanfics são atualizadas)

Supercorp Content Creators’ Guild (conta gerenciada por fãs que reúne e divulga obras de diversos artistas que produzem em variadas mídias)

ao3 bot (conta gerenciada por um bot que retorna resultado de pesquisas quando mencionado)

Ideologia e Ética

Muitas fanfics apresentam reescritas da obra original, os prosumers são capazes não apenas de enxergar problemáticas do roteiro original, como: ausência de diversidade étnica, falta de representatividade LGBT e até mesmo a forma como algumas personagens são construídas são alteradas para que não apenas reproduzam um estereótipo.

Narrativa e Estética

As fanfics já começam a delimitar suas próprias formas estéticas e narrativas. O uso de recursos como o itálico e negrito para expressar um pensamento ou falas mais energéticas é comumente observado nessas obras. Os ficwriters são capazes não apenas de tentar encaixar os universos que amam em padrões de histórias, como também criar suas próprias, utilizando personagens de alguma mídia que admiram.

Conclusão

Fanfics se monstram como um bom objeto de análise para entender as dimensões de litercia transmidíatica, mas também em todas essas competências trabalhadas anteriormente há o fator do aprendizado a partir da prática, comunidades não apenas criam, mas também ensinam por meios não tradicionais. O universo de comunidades de fãs se monstra cada vez mais ativo como consumidor e produtor, tornando a experiência midiática enriquecedora para quem faz parte desses grupos.

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