o amor do outro é o que eu quero
Em algum momento da vida, Freud disse ou escreveu (ou ambos) que tudo o que o sujeito precisa é ser amado. É tudo o que a gente quer. E ainda que nunca estejamos satisfeitos, é tudo o que a gente precisa. Outro dia, estava relembrando algumas coisas que estudei sobre desenvolvimento infantil, e de como tem sido mais comum vários especialistas falarem, objetivamente, da demonstração de amor incondicional na primeira infância (olha o ato falho: enquanto eu escrevia esta última sentença, escrevi “na minha primeira…”, tive que voltar para apagar a “minha”, caralho), o quanto o “colinho” é bom e saudável para as crianças pequenas, é necessário. Isso ajuda na formação de uma psiquê saudável, o que vai ser muito importante para todo o restante da vida dessa criança, que um dia será adulta e que até lá terá muitas e muitas experiências de frustração, rejeição e etc. e tal. Ter esse amor incondicional demonstrado por meio de palavras e gestos desde o começo é como criar um porto-seguro psicológico e material para os sujeitinhos, para quando tudo dar errado (porque em algum momento inevitavelmente vai dar) ele não se sentir um indesejado. Eu, hoje, me sinto amada. Precisei racionalizar o amor que tenho, o que me diz que talvez minha família tenha falhado em alguns momentos — como toda família.
Essas questões me levaram a pensar nessa parada do quanto o amor é importante, que realmente faz bem para a saúde física e mental (que estão ligadas) e aí cheguei à fatídica conclusão que todas as minhas negativas já comprovam há muito tempo: sinto falta de um companheiro pra mim. E me sinto, de verdade, uma idiota por ter essa falta. Fútil. Mas sigo sentindo necessidade de ter ao meu lado alguém que, durante uma madrugada, no meio de uma crise de choro, dor, ansiedade, sentimento de desespero e morte, eu possa confiar, me dê segurança, esteja ali para me ajudar e me ver bem, e, em certa medida, uma pessoa que tem uma “obrigação moral”, por causa do nosso contrato social, de estar ali comigo nesse momento horrível, mas que não fará apenas por “uma obrigação”, e sim porque me ama, porque quer me ver bem e feliz.
Outro dia tive uma crise dessas. Liguei para vários amigos. Todos homens, depois fiquei pensando sobre isso: não queria falar com minhas amigas porque eu já tinha falado com elas durante o dia todo e durante o dia inteiro eu estava um poço de amargura. Eu queria um abraço, um abraço de um amigo, de um homem, queria me sentir amada, protegida. Minimamente sintomático, simbólico, não é? Então me dei conta, como me dou todos os dias, do quanto sinto falta disso. Do quanto sinto falta do companheirismo de alguém. E, embora eu ache isso “comum”, “normal”, não acho saudável (ainda que às vezes a dita normalidade seja erroneamente compreendida como sinônimo de saudável).
Lembrei agora de um amigo que não teve a presença paterna (como muitos de nós), e que ao ler um livro (que anos depois eu também li, porque ele mesmo me deu de presente) começou a ver, literalmente, Deus como essa figura paternal que ele não teve e isso mudou a vida dele. Não estamos falando de milagres — ele continua pobre, o pai dele não apareceu, mora sozinho em outra cidade, a vida dele continua “normal” — , estamos falando do sentimento de ser amado incondicionalmente. Ele encontrou isso na ideia que criou de Deus: um pai amoroso, que ama incondicionalmente, que cuida de você e te provê aquilo que você precisa. Ele precisou ter esse insight, saca? Porque ele precisava ser amado. Eu tenho tentando ter essa mesma ideia de Deus faz tempo; racionalmente eu consigo, sentimentalmente nem tanto.
E racionalizar um fato é uma coisa, sentir é outra. Racionalizar a rejeição, perceber que a pessoa não tem mais interesse em você, que um amigo ou amiga preferiu sair com outra pessoa, isso tudo pode ser racionalizado e você pode levar sua vida adiante… Mas isso é totalmente diferente de sentir ser rejeitada e preterida, um sentimento que é constante pra mim. Daí é só ladeira abaixo, é cíclico, eu já sei: vem uma rejeição, pressentimento de rejeição ou só a lembrança (já basta), então vem o medo de ficar só, isso gera uma crise de ansiedade, que vem com o choro, a dor forte no peito, o desespero e a necessidade de me oferecer prazer para que a dor suma, essa necessidade gera a compulsão por estímulos prazerosos (comer, ler, beber, sair, transar, brigar e escrever — tudo demais), até que vem o cansaço de tanto “prazer” sem pausa, que me obriga a parar e finalmente começar a entrar num estado de calma, e racionalização do acontecido, a escrita e o estudo “vamos lá, vamos lidar com a solidão, você tem que aceitá-la, tem que amá-la, é um fato!”… E eu fico bem por um tempo… É sempre assim
Isso tudo porque, em algum momento, talvez eu não tenha tido tanto amor. E, agora, depois de grande, adulta, toda fudida, cheia de trauma, contas e quilogramas para perder, como tentar suprir essa falta de amor com o bendito amor-próprio? Como continuar vivendo com a possibilidade da ausência do amor? Como continuar estudando, lendo, me esforçando pra compreender a vida solitária como uma autêntica e possível forma de viver bem se… tudo o que a gente quer, como diria Freud, é ser amado pelo Outro? Como?