Terça à Noite — PILOTO: “Saturação Semântica”

Alexandre Teles
Terça à Noite
Published in
6 min readNov 18, 2018
EPISÓDIO PILOTO: “SATURAÇÃO SEMÂNTICA”

A política é o espaço primordial para a discordância ideológica. Aristóteles, o filósofo, aponta que a Política é a ciência que tem por objetivo a felicidade humana, dividindo a em duas grandes áreas ética e política. A ética em Aristóteles é aquela responsável pela felicidade do indivíduo enquanto participante da comunidade, enquanto a política é a responsável pela felicidade comunidade. A ideologia por sua vez é um conjunto de proposições que tem o objetivo de construir o ideal de felicidade tanto na esfera individual, quanto na esfera comunitária.

No final da última década e início da década, até os dias que correm, temos experimentado no âmbito político um esvaziamento de discordâncias com alguma base de argumentos, com alguma solidez teórica e prática ou pragmática. Em seu lugar, surge um alvoroço de arqui-inimizades titânicas entre ideologias e/ou algo com um devir ideológico, que não tem a menor explicação a medida que não consegue apontar o mínimo de sentido de sua existência, quando afastado da sua face antagônica. O que vê-se nessas disputas, não é algo sobre uma “busca pela felicidade”, mas diferente disso é uma tentativa de mostrar como o outro é a própria personificação do terror e, em boa parte, que a própria existência do outro é algo que não deve ser tolerado.

A marca registrada dessa irracionalidade é o uso de termos com a intenção de taxar no adversário uma alcunha por um momento ou por uma fala que o associa a algo deplorável na história, tanto recente quanto mais tardia. Com certeza, você já deve ter ouvido alguém de viés de esquerda mais acentuado chamando alguém pró direita de Fascista, em sentido contrário alguém chama o outro de comunista. Não obstante o termo-xingamento não vem sozinho, mas em sua companhia vem a promessa que se o outro detiver o poder o caos ira se instaurar e o caos mesmo é quem governará. O que é causa de imenso terror em boa parte da população que pouco ou nada entende sobre os termos e muito se apavora com a ideia da possibilidade da situação se concretizar.

A repetição desses termos todos os dias, por diversas pessoas, para os mais variados contextos, tem o poder de esvaziar o sentido e o significado que a palavra tenta expressar. Transforma-se em jargão, em ofensa barato. A isso chamamos de Saturação semântica.

Então, vale a pena falarmos hoje sobre alguns termos do século passado que já eram cansativos no século passado e que agora são, além de ultrapassados, incipientes ante as novas facetas que as ideologias assumiram. Por hoje, vamos fechar em três termos: Fascismo, Capitalismo e Comunismo. Com isso podemos passear em reflexões que notam que o fascismo não tem uma única moeda ideológica mundial, ele pode ser direita ou esquerda, religioso ou ateu. Podemos tornar mais clara a distinção entre capitalismo, liberalismo e neoliberalismo, ao mesmo passo que distinguimos o comunismo, marxismos, socialismo.

O elemento mais preocupante dessa lista é, sem dúvidas, o fascismo. Fascismo, diferente dos outros dois termos que escolhemos para hoje, não se trata de uma ideologia que concorre para a felicidade tanto na esfera individual quanto na coletiva (institucional), é uma ideologia inteiramente política, no sentido de que visa gerir a máquina pública para fazer do estado, forte. As marcas do fascismo são o ultranacionalismo e o autoritarismo. O ultranacionalismo, carrega consigo um viés desenvolvimentista para formular um espirito de autossuficiência e preservação contra valores e ideologias externas ao imaginário do senso comum nacional, que em grande parte é construído pelo tipo de informação que circula e como essa informação circula. O autoritarismo por sua vez, traz consigo, o uso das forças armadas para legitimar e ilustrar o ideal de cidadão nacional, repressão aberta ou escondida a opositores, controle da disseminação, produção e acesso da informação, e uma engenharia social para construir o imaginário de cidadão nacional e dos inimigos da nação.

O capitalismo e o comunismo são meios de produção. Contando com correntes de entendimentos que propõem um funcionamento para a sociedade a partir das dinâmicas de circulação dos bens que são produzidos numa nação. Essas correntes de entendimento superam-se dos bens e contemplam os serviços e as dinâmicas sociais, formando as ideologias que compõe o meio de produção e que por sua vez o transformam também em algo igualmente ideológico. O capitalismo, pode ser marcado por três correntes: Livre-comércio (Liberalismo- Neoliberalismo); bem-estar social (social democracia); Capitalismo de Estado.

Cada uma dessas expressões do capitalismo apresentam os valores de mercados livres, propriedade pública e propriedade privada, graus diferentes de obstáculos à livre concorrência e políticas sociais sancionadas pelo Estado. No Brasil experimentamos um capitalismo de mercado, com intervenção do Estado na economia e no mercado diretamente e com grandes responsabilidades sociais. Muitas potencias europeias usam a social democracia como espelho de sucesso, países como a Inglaterra alcançaram um desenvolvimento humano que permite adotar uma posição mais liberal.

O comunismo por sua vez faz uma crítica direta ao capitalismo e é, até os dias atuais, uma proposta teórica de organização social e econômica, o que o torna tão somente uma ideologia. As tentativas de pô-lo em prática são o que se chamou de socialismo marxista e as demais tentativas de incorporação do sistema pelo viés democrático chamamos de marxismo cultural. Se no Capitalismo, os meios de produção pertencem ao indivíduo e o indivíduo, por sua vez, contribui para a sociedade empregando e pagando impostos, no comunismo os meios de produção pertencem a sociedade e as pessoas consomem aquilo que produzem e se relacionam com o restante do mundo nos mesmos termos.

O socialismo é uma experiência do século XX com o devir comunista. A sociedade não é uma força senciente, ou uma estrutura metafisica inteligente, ela é um agrupamento de pessoas. A ordem desse agrupamento é quem detém os meios de produção, em outras palavras, tudo pertence ao Estado e as pessoas interagem com esse Estado. Na teoria, essa interação se dá pelos sindicatos e coletivos, uma vez que a ideia de indivíduo é menor que a ideia de grupo, mas na prática o Estado detém o monopólio dessa interação e se julga que algo fere ou ameaça a sua hegemonia, Ele retalia.

Um modo de trazer os ideais comunistas para o ambiente capitalista é através do marxismo cultural, o marxismo é uma corrente ideológica que apresenta um modo de releitura das estruturas sociais a partir do materialismo histórico, que em resumo apresenta, valores, dogmas, regras, e instituições da sociedade como uma construção dos poderes hegemônicos estatais e principalmente paraestatais como a burguesia e a religião. Os representantes mais atuais do marxismo cultural são as bandeiras feministas e LGBTQ+ que justamente questionam a manutenção de certos valores, mas não se apresentam como indivíduo e sim como classe, como coletividade, ao ponto de que, se um indivíduo não concorda com certa militância, mesmo que ele tenha os requisitos básicos para integrar o grupo ele não faz parte da classe.

A ideia ao demonstrar essas definições e como se apresentam esses textos é trazer à luz a ideia de que esses termos do século passado são apenas introdutivos ao que estamos experimentando, já superamos em diversas formas as características que embasam muitos desses termos. Ao longo dessa conversa já desconstruímos e reformamos diversas vezes esses termos e passamos um pelo outro também. Talvez estejamos precisando criar novos termos que contemplem melhor as variadas facetas, talvez devamos criar novas teorias com base no que estamos experimentando também, mas em épocas em que contra argumentos não há fatos, talvez a única coisa que consigamos criar é resiliência para suportar o ringue político brasileiro.

Por Uriel Ramos

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