O caminho do recurso

Renata Galf
Terceirizadas?
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7 min readNov 22, 2016

Como já vimos, três das empresas que tiveram suas propostas rejeitadas na etapa de análise interpuseram recurso.

Higilimp

A Higilimp teve seu preço rejeitado por ter considerado em sua planilha, no item de vale refeição, apenas 199 trabalhadores, apesar de a equipe mínima do dado contrato ser de 270 funcionários.

De acordo com a empresa, o fornecimento das 71 refeições que não foram consideradas na planilha seria gratuito, ou seja, por conta da empresa. Entretanto, conforme afirmado pela equipe responsável pelo pregão, seguindo orientação do edital daquele pregão, “na hipótese da licitante fornecer gratuitamente o auxílio refeição, quer totalmente ou parcialmente, conforme previsto na Cláusula Décima-Segunda da Convenção Coletiva da Categoria, deverão ser considerados os custos pertinentes a referido fornecimento, não sendo aceita proposta com custo zerado para referido benefício.”

Em seu recurso, entretanto, a empresa alegou que os custos das referidas refeições estavam inclusos em suas despesas indiretas, ou seja, no item B.D.I (Benefícios e Despesas Indiretas).

Segundo o recurso, a decisão do pregoeiro teria sido “totalmente arbitrária, isso porque o cálculo do Vale Refeição em questão” seria o seguinte:

“R$ 8,00 x 26 dias x 71 funcionários = R$ 14.768,00 — valor incluído na linha 34 da planilha como despesas indiretas.
Ao final da linha 46, consta o saldo = R$ 15.883,31, descontado o valor acima, a empresa tem saldo de R$ 1.115,31 permanecendo exequível”

A seguir afirma a licitante “Ora, a motivação da inabilitação está totalmente justificada e revertida pelo cálculo acima”.

Ainda é levantado pela Higilimp o fato de que, antes de considerar a proposta inaceitável, o pregoeiro não teria questionado a empresa quanto às “justificativas dos valores para o benefício em questão”. E por isso conclui: “Assim sendo, a presente licitação que deveria ter com critério selecionar a proposta mais vantajosa para o erário público perdeu sua eficácia”.

Com base na Instrução Normativa SLTI (Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação) nº 02/2008, a empresa aponta que “Erros no preenchimento da planilha não são motivo suficiente para a desclassificação da proposta, quando a Planilha puder ser ajustada sem a necessidade de majoração do preço ofertado, e desde que se comprove que este é suficiente para arcar com todos os custos da contratação”. O que, de acordo com a Higilimp, seria o caso dela, já que seu custo global cobriria o valor dos auxílios refeições que seriam oferecidos gratuitamente.

Importante frisarmos que, no saldo acima mencionado pela Higilimp de pouco mais de mil reais, está incluso o lucro da empresa. Ou seja, do valor de quase nove milhões de reais considerados na proposta da Higilimp, após pagos todos os salários, benefícios, encargos e retenções sobraria, ao final dos 12 meses de serviço, pouco mais de 13 mil reais de lucro. Considerando que se trata de uma empresa, e não de uma instituição de caridade, é no mínimo questionável o interesse da própria empresa em aceitar ou oferecer um contrato nessas condições.

Se você quiser analisar a planilha de custos completa apresentada pela Higilimp, clique aqui.

Em sua planilha, a Higilimp considerou também menor quantitativo de funcionários para o pagamento de vale transporte. Ao invés de 270 funcionários, apenas 198 foram contabilizados para recebimento do benefício. Esse ponto, porém, não motivou sua inabilitação, já que tal prática é permitida desde que não seja considerado que a totalidade dos funcionários não receberão, conforme nota explicativa do edital:

“ (…) para o benefício Vale Transporte não será aceita proposta que identifique que a totalidade dos funcionários a serem alocados não são optantes de mencionado benefício, por residirem nas imediações dos locais de prestação de serviços, sendo que o percentual de funcionários não optantes deverá equivaler ao vulto do certame, observado o dimensionado da equipe a ser disponibilizada e o princípio da razoabilidade”.

Lume

Thiago Castro aponta em sua dissertação a importância da análise da planilha de custos pelo pregoeiro para escolha de uma proposta que seja, de fato exequível. No entanto, saber o que é ou não permitido e adequado requer um conhecimento bastante minucioso e especializado. No caso dos recursos da Lume e da Multiservice, veremos quanta discussão se dará em relação às tributações e aos possíveis descontos que a empresa pode fazer em relação a cada benefício.

Antes de tudo, vamos relembrar o porquê da desclassificação da Lume:

No que concerne as alíquotas, ao invés de usar o percentual indicado na planilha pela USP, de 7,60% para o imposto Cofins e de 1,65% para o PIS, a Lume utilizou os índices de 3,00% e 0,65% respectivamente.

Em sua argumentação, a empresa afirma que seu regime tributário está enquadrado na categoria “(…) Presumido, daí porque mais uma vez relatamos o pleno atendimento aos termos do edital, (alteração da alíquota de Cofins e PIS) ao qual também objetivam verificar a exequibilidade da proposta de acordo com seu regime tributário. Sendo que não foi facultado e nem questionado pelo pregoeiro qual era nosso regime tributário”.

Ou seja, a licitante frisa o fato de que, durante a sessão pública, pregoeiro e equipe não buscaram esclarecer o porquê de a empresa ter utilizado outras alíquotas, tendo automaticamente desclassificado a proposta.

Quanto à quantidade de vale transportes e auxílios alimentação em número menor ao dos turnos de trabalho, justifica a empresa que “as quantidades de vales transportes e vales refeição poderá ser sanada e suportada pelo lucro”.

Para argumentar a quantidade menor, ela traz ainda trecho do artigo 20 da Instrução Normativa MP nº 2, “é vedado à Administração fixar nos instrumentos convocatórios (…) quantitativos ou valores mínimos para custos variáveis…”. Com base nele, afirma que “por analogia extrai-se que para alguns postos computa-se o sábado como dia de trabalho, outros não, e assim sucessivamente (variáveis).

Resumindo, a empresa afirma que, ainda que tenha considerado valor menor de benefícios, seu lucro será capaz de arcar com este gasto. Além disso, ela considera o vale refeição e transporte como custos variáveis, não podendo a USP então exigir valores mínimos para tanto. Se colocado em prática, este ato dificulta ainda mais a análise da aceitabilidade da proposta. E, apesar de afirmar, a empresa não apresenta cálculo que demonstre que seu lucro seria suficiente para cobrir o gasto não computado e destaque também para o fato de mais uma empresa retirar custos do que seria seu lucro, de forma a apresentar um valor menor que de suas concorrentes.

Multiservice

A Multiservice foi desclassificada por ter compensado créditos de tributos nos valores do vale transporte e da Assistência Social Familiar, como retomamos a seguir:

A empresa alega, entretanto, que a decisão da USP vai de encontro à legislação, afirmando que, “em recente julgamento o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ampliou a possibilidade de creditamento de PIS e Cofins, expandindo o conceito de insumo para fins de geração de créditos a serem descontados da base de cálculo das contribuições, de modo a abranger todas as despesas realizadas e necessárias à obtenção da receita de uma empresa. Sendo reconhecido o direito da empresa de compensar esses créditos relativos a uma ampla gama de insumos dos serviços de limpeza e conservação”.

E, continuando, ela afirma que “nesse sentido, a inclusão de alíquotas aparentemente diferentes das previstas em lei para o PIS e para a Cofins para o caso de empresas tributadas pelo Lucro Real, pode não significar a inobservância de lei, e sim, pelo contrário, o exato cumprimento dos seus ditames, na medida em que a empresa, em cumprimento às disposições legais que preveem descontos a incidir sobre o valor do imposto apurado, resolve inserir na sua planilha de custo as alíquotas efetivas a serem por elas pagas”.

Com isso, vemos apenas parte dos pontos que devem ser levados em consideração pelo pregoeiro ao analisar as propostas e planilhas de custos. Em relação a esta última colocação da Multiservice, é importante acentuar, que a empresa aqui não “resolve inserir” alíquotas menores, de forma a fazer uma proposta mais justa ou vantajosa à administração pública, como parece estar sugerido na passagem. Ela assim o faz, porque concorre com outras licitantes e o menor preço que definirá a ganhadora.

Outro ponto levantado pela empresa é o de que, conforme o disposto no Cadterc, seria permitida a utilização dos créditos PIS e Cofins para itens do custo Vale Transporte e a Assistência Social Familiar. Além disso, ela questiona que, no pregão de nº 03/2015, conduzido pela mesma equipe e pregoeiro na USP São Carlos, foi aceita planilha de custos da empresa Gramaplan com compensação desses mesmos créditos para os mesmos benefícios.

Importante ressaltar porém que, sendo aceito, o valor final da planilha da Multiservice era de R$ 30,70. Ou seja, apesar de exequível, já que não é abaixo de zero, é de se admirar que alguma empresa tenha interesse em assumir um contrato, no qual, caso todas as obrigações sejam pagas, o lucro mensal é um pouco maior que 30 reais.

Além de procurarem justificar a exequibilidade e correção de suas propostas, as empresas recursantes alegam também que a classificação da RCA teria sido equivocada. É o que veremos a seguir.

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Renata Galf
Terceirizadas?

jornalista, escrevo sobre o que acho que precisa ser enxergado, mais do que visto.