A organização caiçara em tempos de COVID-19.

Eduardo Ueda
TERRAMARES
Published in
3 min readApr 4, 2020

A pandemia do novo coronavírus vêm alterando a vida de todos. Para as comunidades tradicionais do litoral norte paulista não é diferente, com o diferencial que esta população tem que lidar com visitantes um tanto inconvenientes.

Desde o início de março (2020), quando finalmente a crise sanitária foi apresentada de forma séria para a população, muitos turistas tiveram a brilhante ideia de fazer estoques de alimentos e vir para o litoral passar férias fora de hora em suas casas em condomínios de luxo.

“Coronavírus não é férias. Mais respeito aos caiçaras! Estamos atentos à convenção OIT 169”
Reprodução/ Coletivo Caiçara de São Sebastião.

Esse povo da cidade grande pensou: “já que o shopping fechou, porque não vamos à praia?”.

Eu respondo, caro turista: 1. Porque as medidas de isolamento social visam diminuir a circulação de pessoas, se deslocar de sua cidade até o litoral com certeza não é a melhor forma de fazer isso; 2. As cidades do litoral não tem estrutura para suportar o aumento na demanda de serviços públicos. Você sabia que na temporada de veraneio é comum faltar água e luz por causa do aumento do consumo? Isso sem falar na baixa capacidade de atendimento do sistema de saúde da nossa região. A maior cidade do litoral norte, Caraguatatuba-SP, têm apenas 29 leitos com respiradores.

Como se não bastasse esse povo frequentando as praias em total desrespeito às medidas de isolamento e, principalmente, aos moradores locais, muitos desses senhores, crias de condomínio, ainda exigem que os caseiros(as) e trabalhadores(as) domésticos(as) frequentem suas casas para limpar sua sujeira.

Diante dessa situação, e da letargia do poder público, as comunidades tradicionais do litoral norte de São Paulo e da Serra da Bocaína, respaldados pela Constituição Federal Brasileira, pelo decreto federal 6040/2007, e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que trata dos direitos de comunidades tradicionais sobre seu território, organizaram-se para adotar medidas avançadas de autodefesa, fazendo valer de fato o isolamento social.

Reprodução/ Associação Boneteira de Resistência Caiçara.

As comunidades tradicionais da baía de Castelhanos e Bonete na Ilhabela-SP, organizados em comissões emergenciais para lidar com a COVID-19, foram as primeiras a decretar o isolamento das comunidades, seguidas pelos moradores da Praia da Fome. Ninguém entra, ninguém sai. Somente em casos de urgência, e nesse caso a pessoa que sair deve ficar em quarentena sem sair da sua casa.

Em Ubatuba, moradores da trilha das Sete Praias (da Lagoinha até Forteleza) e das praias da Fortaleza, Camburi e Ubatumirim, além do Quilombo da Caçandoca, também aderiram ao movimento de isolamento realizando bloqueios nas vias de acesso às comunidades.

Reprodução/ Mario do Quilombo Caçandoca.

Em Angra dos Reis-RJ os moradores de Ilha Grande realizaram um bloqueio no mar com barreiras flutuantes para impedir que barcos de turistas atracassem na ilha. E em Parati-RJ os moradores da Praia do Sono recentemente bloquearam a trilha de acesso à comunidade.

Reprodução/ Associação de Moradores Originários da Praia do Sono.

Esse movimento orgânico das comunidades tradicionais do litoral busca preservar a vida de sua população, principalmente de seus idosos, guardiões da memória e sabedoria. Mas também podem ser lidos como mais um passo em direção da autonomia e autodeterminação dessas comunidades sobre seus territórios. As medidas adotadas são um novo marco na organização caiçara e demonstram um elevado nível de consciência social.

Bem diferente do povo de condomínio…

Quer colaborar com os caiçaras?

  • Não vá para a praia, fique em casa;
  • Respeite e valorize os saberes tradicionais;
  • Acompanhe e colabore com a luta desses povos. (Você pode encontrar links das páginas das organizações caiçaras nas legendas das imagens acima);
  • Se puder, faça uma doação ao Fundo Emergencial Ubatuba/COVID-19.

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