veias abertas

julia bastos
Terra sem medo
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2 min readNov 11, 2019

Galeano estava certo ao dizer que a riqueza dos outros foi feita a partir da nossa desgraça. Que palavra engraçada é essa que arranjaram, dizendo que somos países em desenvolvimento, sendo que o desenvolvimento do primeiro mundo é, na verdade, o envenenamento de nosso povo e um contínuo empurrar pras margens.

Desde o descobrimento, início de nossos pesadelos, a riqueza de nosso povo vem sendo espoliada em benefício de colonos e de alguns poucos — povo nosso, mas a serviço deles — enquanto uma multidão de gente é aniquilada das mais diversas formas — simbolicamente e com tiro no peito também. Ou tiro no estômago, quando se morre de fome. São vários tiros o tempo inteiro, sem bala perdida nenhuma, pois o alvo continua sendo nós. Nós, essa multidão terceiromundista, que nasceu pra ser camelo, burro de carga, braço forte de quem só descansa às custas nossas.

Me revolta quando lembro, por exemplo, de um trabalhador que eu conheci — a gente não precisa falar o nome dele, até porque como ele são muitos. Trabalhava carregando imensidão de peso, até não aguentar mais a exaustão física. Depois num outro trabalho, de esforço grande também, sofreu acidente que lhe retalhou os dedos. E, de não aguentar tanta tristeza decorrente desse fato, foi atrás de uma outra oportunidade que lhe surgiu, ser empregado em uma multinacional francesa. O que não sabia era a desgraça que lhe aguardava, pois esta multinacional, produtora de pesticidas, fazia produtos para contaminar nosso solo, nossas águas, nosso sagrado alimento, mas, que lá na ponta da cadeia, se voltavam contra a própria mão que os produzia. Ele, e centenas e centenas e centenas de outros, foram contaminados. Só queriam por comida na mesa com trabalho suado e honesto, e no meio do caminho perderam a saúde. Pra uma porra de uma multinacional que produz veneno que já era proibido em grande parte do mundo, mas que aqui, essa terra de quem quiser explorar, era bom quintal pra se abrigar.

Ser latinoamericano é ser o quarto de despejo do mundo. É ser quem dá de comer mas não come. É ser motor, braço, perna, máquina humana, mas jamais gente.

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julia bastos
Terra sem medo

escrevo pra desafogar das palavras pulando aqui dentro. estudando nutrição mas caminhando pra longe das dietas e pra perto de uma terra livre e soberana.