O fim do TESTR

Temos muito orgulho de nossa história, mas bons produtos não precisam durar para sempre.

Elisa Volpato
TESTR
6 min readApr 27, 2020

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O time no escritório da ACE, em 2018 — featuring Alice, a bebê acelerada que nasceu no meio da aceleração. Aquele momento feliz que vamos guardar para sempre. :] (Falta na foto o Trentas e o Lett, que sempre estiveram presentes, mesmo que à distância).

Tudo começou com uma ideia em 2014. Em 2015 viramos empresa, em 2016 ganhamos o primeiro prêmio. Em 2017 largamos os empregos e contratamos o primeiro funcionário. E mudamos de escritório três vezes em 3 meses. No fim daquele ano, entramos na ACE. No ano seguinte o time cresceu, conseguimos clientes incríveis. Em 2018 já éramos conhecidos no mundo de UX e as pessoas sabiam que eu era a dona do TESTR. Parecia que ia tudo de vento em popa. Parecia.

O TESTR como produto estava cada vez melhor. Passamos por um longo período corrigindo problemas de usabilidade (sim, até a gente sofria com isso), melhorando a experiência do participantes e refinando a tecnologia para diminuir os bugs e melhorar a eficiência dos recrutamentos. Depois de arrumar a casa para fazer o básico, começamos a entregar funcionalidades pedidas pelos clientes: mais filtros de participante, testes com mais de um perfil, times com contas e subcontas. E o próximo passo era pensar em em um futuro incrível: com reconhecimento de expressões faciais, transcrição automática de áudio e métricas de usabilidade.

Mas nem só de boas funcionalidades e uma boa UX vive um produto. Sabe quando a gente diz que os profissionais de UX precisam se aproximar mais de negócios? Pois é, isso valeu pra gente também. E conforme fomos nos aproximando nos deparamos com alguns problemas.

1. O mercado (ou a falta dele)

“Mas qual o tamanho do mercado de UX?”

Desde o começo essa foi a frase que a gente mais ouviu de investidores em potencial. E, sinceramente, era muito difícil de responder. Quando você trabalha com um mercado consolidado, que existe há décadas (se você for fazer uma startup de venda de suco de laranja, por exemplo), você tem estudos oficiais sobre o assunto, métricas, projeções. Mas Experiência do Usuário é uma coisa nova no mundo, novíssima no Brasil. Já temos alguns estudos bem legais voltados para os profissionais e empresas, como o Panorama UX, feito pela Carol Leslie da Saiba Mais. Mas não temos um número mágico do potencial de mercado por aqui. Nos Estados Unidos há mapeamentos bem interessantes, mas nem sempre o que vale para os gringos vale pra gente. Tentamos várias projeções e lógicas, mas não tínhamos um número muito claro, que parasse de pé.

Como o ritmo de vendas não estava tão bom assim, nos últimos meses começamos a olhar com mais cuidado para os nossos clientes e nossas métricas. E notamos um padrão: nós vendemos mais e vendemos contratos maiores para empresas com 10 pessoas de UX ou mais. Então adotamos o número de pessoas de UX como um critério de potencial de venda. Daí fizemos um levantamento de empresas com equipe de 5, 10 ou mais pessoas e pasme: são apenas algumas dezenas. Mesmo que todas elas contratassem o TESTR, não conseguiríamos fechar as contas.

2. Resolvemos muito bem um problema (bem) específico

Como startup, sempre buscamos focar em resolver um problema muito bem: entregar resultados de teste de usabilidade de forma ágil e descomplicada para quem tem um público geral, sem muitos filtros.

Mas conforme fomos conversando com clientes em potencial, fomos percebendo os casos que não conseguiríamos atender (pelo menos no curto prazo):

  • Testes em iOS
  • Recrutamento muito específico
  • Recrutamento de pessoas ricas
  • Recrutamento em uma base específica
  • Projetos B2B
  • Protótipos confidenciais que não podem ser compartilhados online

De restrição em restrição o nosso mercado que já não era tão grande assim, acabou se tornando um nicho bem pequeno — e que também não pagaria as contas.

3. Um testezinho aqui, outro acolá: a falta de recorrência

User Experience é um termo relativamente novo. A demanda é crescente, assim como o número de profissionais, de cursos e conteúdos. E sempre apostamos nesse crescimento e em nosso papel de evangelização. Eu dei workshop, palestra, criei post, template. Fizemos webinar, UX Speed Dating e patrocinamos alguns dos mais importantes eventos de UX no Brasil.

Mas por mais que as pessoas e as empresas tivessem um desejo muito grande de se aproximar do mercado e fazer mais pesquisa, mais teste de usabilidade, mais validação, teste de usabilidade não é visto como essencial para um projeto. No fim das contas, você pode lançar sem fazer teste com usuários. Tem um risco envolvido, mas é possível, né?

E isso fez com que muita gente que queria, não conseguisse contratar o TESTR. Teve gente que demorou meses para contratar apenas alguns créditos. Teve gente que contratou uma vez para depois não conseguir mais renovar. E teve até empresa que comprou um pacote de assinatura, mas não conseguiu usar tudo. O motivo mais frequente? “Estamos passando por mudanças internas” ou “Falta de prioridade”.

Como startup, um produto pode ser aspirina ou vitamina. O TESTR era uma vitamina: algo que ajuda e é legal ter, mas que não resolve uma grande dor de cabeça.

4. Vendas B2B: custa caro ganhar dinheiro

Uma coisa que descobrimos logo no começo era que não bastava ter um bom site e um botão “Assine o TESTR” ou “Compre créditos”. Para vendas B2B é importante o relacionamento. Os clientes pediam uma reunião presencial, um papo com o chefe, proposta, negociação com compras, preenchimento de cadastro, participar de RFP. E a gente apostando no remoto, em corte de processos não essenciais para conseguir entregar de forma mais ágil e acessível (leia-se: a gente queria ser muito mais rápido e barato que uma consultoria tradicional).

Mas com tanta conversa e burocracia, o nosso custo de aquisição de cliente acabava ficando caro. E a venda, muito demorada. Teve cliente nosso que namoramos por 2 anos antes de fechar um contrato. Quando você pensa em grandes vendas para grandes empresas, isso é bem normal; os contratos demoram para fechar, mas são gigantes e valem o esforço. Mas nós éramos apenas um startup, com um ticket médio baixo. Junte a isso a falta de recorrência e, de novo, a conta não fechava pra gente.

Mas vocês não tentaram isso e isso e aquilo?

Tentamos um monte de coisa, pivotamos, fizemos parcerias, invalidamos várias hipóteses. Ainda acreditamos no potencial de teste de usabilidade remoto e achamos que há muito terreno a explorar no longo prazo. Mas como empreendedores (empreendedor também é gente!), decidimos parar.

Terminamos com o orgulho de ter construído um produto muito legal e ter ajudado muitas empresas incríveis a fazer teste de usabilidade. Ajudamos a simplificar processos, formar novos profissionais e divulgar a importância de UX. Aprendemos muito sobre negócios, eficiência, vendas e resiliência. E agradecemos a todos que fizeram parte de nossa jornada: funcionários, clientes, amigos e ACE.

Nosso muito, muito obrigado por fazer parte desta história. :]

TESTR bot fica sempre em nosso coração.

Em tempo: o TESTR deixou de funcionar na virada para 2020. Também falei sobre isso no UXConfBB e no Product Camp de 2019 — e a palestra ficou entre as mais bem avaliadas do público! Colei o vídeo abaixo.

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Elisa Volpato
TESTR

Pesquisadora de experiência do usuário, trabalhando com UX desde 2005.