O silêncio intencional como técnica em teste de usabilidade

Elisa Volpato
TESTR
Published in
5 min readMay 27, 2019

Sabe quando você está conversando com alguém e de repente o papo acaba, deixando um silêncio no ar? A maioria das pessoas fica desconfortável e acaba “preenchendo o espaço” com algum comentário:

O tempo deu uma esquentada, não é mesmo?

Apesar de gerar desconforto por uma questão social, quando bem utilizado o silêncio pode ser uma técnica útil em pesquisa com usuários. Ficar em silêncio e não “preencher o vazio” pode servir como forma de estimular a reflexão. Você dá tempo para o participante refletir e organizar os pensamentos e pode conseguir respostas mais profundas em uma sessão de entrevista ou teste de usabilidade.

Em um artigo no blog da Nielsen Norman, a especialista em pesquisa com usuários faz uma reflexão sobre o silêncio como técnica de pesquisa, traçando paralelos com outras áreas: o silêncio é muito útil em discursos políticos e como técnica de vendas, por exemplo. Vale a pena ler o artigo original, com exemplos em texto e áudio (em inglês).

Kate sugere um silêncio contado de 7 segundos. Em um estudo feito nos Estados Unidos, os pesquisadores perceberam que bastavam 4 segundos de silêncio para criar aquela sensação de estranhamento entre os participantes da conversa. Então aguarde os quatro segundos e se mantenha firme. Com mais alguns segundos de silêncio, provavelmente o participante vai conseguir organizar os pensamentos e falar.

Inspirados no texto da Kate, a seguir colocamos alguns exemplos de situações em que o silêncio pode ser a melhor estratégia.

Exemplo ruim: participante dá uma resposta rasa, moderador segue adiante

Moderador: Me conte um pouco sobre o seu processo para alugar um novo apartamento.
Participante: Ah, foi bem tranquilo. Eu busquei em alguns sites e me mudei em uma semana.
Moderador: Legal, então vamos para a primeira tarefa.

Neste exemplo, o participante respondeu apenas o mínimo necessário para cumprir o que o moderador pediu. Mas foi muito raso e provavelmente não trouxe muitos insights interessantes para o projeto.

Exemplo bom: silêncio intencional convida o participante a detalhar o processo

Moderador: Me conte um pouco sobre o seu processo para alugar um novo apartamento.
Participante: Ah, foi bem tranquilo. Eu busquei em alguns sites e me mudei em uma semana.
Moderador: … [Silêncio intencional]
Participante: Ah, mas isso foi só quando eu decidi ir para a internet. Eu já tinha procurado por quase um mês só olhando as plaquinhas de “aluga-se” lá perto de casa. Eu queria muito que fosse no meu bairro, a Vila Mariana. Os sites geralmente não têm foto da fachada do prédio, então achei mais fácil procurar andando pela rua, mesmo.

No exemplo acima, o silêncio do moderador deu tempo para o participante completar o pensamento. E funciona como uma discreta dica de que era esperado uma resposta um pouco maior.

Exemplo ruim: completar a frase do participante

Moderador: Mostre-me como faria para alugar um novo apartamento para você.
Participante: OK, eu primeiro procuro por algo aqui na Vila Mariana. Então eu vou pelo mapa. Mas eu queria algo pequeno, talvez, não sei…
Moderador: Um estúdio?
Participante: Eeer, sim, isso, pode ser. Vou procurar estúdios.

Ao completar a frase do participante, você pode interromper a trilha de pensamento que estava em andamento. Antes que ele descubra o que queria dizer, você completou — e pode ter influenciado a resposta. Se, ao invés disso, você utilizar um silêncio intencional, pode conseguir uma resposta mais interessante e mais próxima da realidade do participante. Veja o exemplo a seguir.

Exemplo bom: silêncio para que o participante consiga finalizar o pensamento e navegação

Moderador: Mostre-me como faria para alugar um novo apartamento para você.
Participante: OK, eu primeiro procuro por algo aqui na Vila Mariana. Então eu vou pelo mapa. Mas eu queria algo pequeno, talvez, não sei…
Moderador: [Silêncio intencional]
Participante: não sei como chama. Mas são esses apartamentos pequeninos sem divisão entre sala e quarto. Acho que é quitinete, que chama. Seria bom se eu pudesse buscar pela metragem, mas não tô encontrando aqui. Não tem quitinete, né? Só esse “estúdio”, mas acho que isso é para imóveis comerciais.

Ao ficar em silêncio, você permite que o participante reflita sobre o que está fazendo e deixa ele pensar em voz alta tranquilamente, como você pediu ao começo do teste. No exemplo acima, o participante nem sabia o que era um estúdio (apartamento pequeno com apenas um cômodo). E ao completar a frase, você pode entregar a resposta e perder a chance de descobrir um problema na nomenclatura dos tipos de imóveis no site.

E o que fazer em vez de falar?

Em primeiro lugar, controle a ansiedade. Use a linguagem corporal para demonstrar interesse. Mantenha contato visual, com o corpo virado para o participante e atento ao que ele está falando e fazendo. Se você não resiste a falar alguma coisa, use algumas palavras para encorajar o participante a explorar mais e ir mais a fundo, como “fale mais sobre isso”. E se você precisar disfarçar ou preencher o silêncio de alguma forma, um truque é beber um copo da água (ou comer uma coxinha).

Também é importante não exagerar: se a pessoa faz uma pergunta direcionada a você, é melhor responder. Mesmo que seja com outra pergunta:

Participante: OK, eu primeiro procuro por algo aqui na Vila Mariana. Então eu vou pelo mapa. Mas eu queria algo pequeno, talvez, não sei…
Moderador: [Silêncio intencional]
Participante: ...não sei como chama. Você sabe como se chamam esses apartamentos de 1 quarto só?
Moderador: Olha, este é um daqueles momentos em que eu disse que não poderia responder a sua pergunta, lembra? Como você faria para descobrir essa informação sozinho?

Em um teste de usabilidade o foco do moderador deve ser mais na observação do que o participante diz. É bom sempre se policiar para não perguntar demais para não interromper o que a pessoa está fazendo ou interromper um fluxo de pensamento. Um teste de usabilidade não é uma conversa. E como geralmente pedimos para o participante pensar em voz alta, nem tudo que ele diz é esperando uma resposta sua. E se você não consegue parar de pensar em perguntas para fazer, anote para perguntar no final.

ps. Se você não resiste a um bom silêncio, um teste não moderado pode ser uma boa ideia! Dê um olhada em como o TESTR funciona — e marque um papo com a gente. ;)

Originally published at TESTR Blog.

--

--

Elisa Volpato
TESTR
Editor for

Pesquisadora de experiência do usuário, trabalhando com UX desde 2005.