A mulher, o peixe e a bicicleta

Gui Dutra
Textando
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5 min readMar 8, 2017

“Uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta”

Essa frase viralizou nas redes sociais alguns meses atrás, geralmente acompanhada de uma imagem [bizarra] como essa, de um peixe pedalando numa bicicleta. Mas não foi nas redes sociais onde eu a ouvi pela primeira vez. Uma noite eu estava em casa com minha esposa e ela, mexendo no celular, começou a rir muito. Eu, [sempre] curioso, dei aquela olhadinha em seu celular para tentar entender a graça, e ela no mesmo instante começou a ler para mim: “Uma mulher sem um homem é como um peixe sem uma bicicleta!!!”. E completou: “Hahahahaha! MUITO BOA!”.

Nesse momento alguns de vocês podem querer me perguntar: “Nossa, Gui! Como você se sentiu ao ouvir isso de sua própria esposa? Afinal é como se ela estivesse dizendo que você não faz diferença nenhuma na vida dela.”. Confesso que minha primeira reação foi essa mesma. “COMO ASSIM?!”, pensei. Mas bastou apenas alguns segundos para eu entender o que ela estava querendo dizer e, assim, me juntei a ela nas risadas.

E o que ela estava querendo dizer? Com a ajuda de uma história bíblica, tentarei explicar.

Lia engravidou, deu à luz um filho, e deu-lhe o nome de Rúben, pois dizia: “O Senhor viu a minha infelicidade. Agora, certamente o meu marido me amará”. Lia engravidou de novo e, quando deu à luz outro filho, disse: “Porque o Senhor ouviu que sou desprezada, deu-me também este”. Pelo que o chamou Simeão. De novo engravidou e, quando deu à luz mais um filho, disse: “Agora, finalmente, meu marido se apegará a mim, porque já lhe dei três filhos”. Por isso deu-lhe o nome de Levi. Engravidou ainda outra vez e, quando deu à luz mais outro filho, disse: “Desta vez louvarei ao SENHOR”. Assim deu-lhe o nome de Judá. Então parou de ter filhos.

Gênesis 29.32–35

Jacó era casado com Raquel e com Lia (apesar de nunca aprovada por Deus, era comum naquela época a poligamia), porém a primeira ele amava, e a segunda ele desprezava. No contexto histórico em que eles viviam, onde a descendência era algo supervalorizado, a escolha de Jacó fugia deste padrão, pois [a desprezada] Lia podia lhe dar filhos, e [a amada] Raquel era estéril.

Já Lia seguia exatamente este padrão, e tentava conquistar o amor de seu marido dando-lhe filhos. Ela teve o primeiro filho, Rúben, e pensou: “Agora, certamente o meu marido me amará”. Ao continuar sendo desprezada pelo marido, ela clamou ao Senhor por outro filho, ele a ouviu e deu-lhe o segundo filho, Simeão. Ainda sem o amor de Jacó, Lia deu à luz o terceiro filho, Levi, e pensou: “Agora, finalmente, meu marido se apegará a mim, porque já lhe dei três filhos”. Neste momento da história conseguimos perceber o que está acontecendo. Lia era infeliz, e sua felicidade dependia do amor e aprovação de seu marido Jacó. Ela fez de tudo para lhe agradar, deu-lhe três filhos em busca do seu amor, mas nada disso adiantou, Jacó amava Raquel e desprezava Lia.

Mas há uma reviravolta nessa história. Lia engravida mais uma vez, e sua atitude diante do nascimento de seu quarto filho foi completamente diferente das outras vezes: “Desta vez louvarei ao SENHOR”, disse ela. Lia entendeu a bênção que é ter um filho. Ela entendeu que nunca conquistaria o amor de seu marido dando-lhe filhos, e por mais que conquistasse, isso não a faria feliz. Ela entendeu que somente ao descansar em Deus poderia ser plenamente feliz e satisfeita. “Então parou de ter filhos”, pois finalmente ela encontrou paz.

E qual foi esse filho? Judá. Aquele que de sua descendência veio o rei Davi, e que de sua descendência veio Jesus Cristo, o salvador do mundo. Quando descansamos em Deus, não temos noção do que ele pode fazer através de nossas vidas.

Foi isso que entendi quando minha esposa falou sobre a mulher, o peixe e a bicicleta. Não se tratava de o homem não fazer diferença nenhuma na vida da mulher, muito menos de eu não fazer diferença nenhuma na vida dela, mas era uma questão de identidade. A identidade de uma mulher está no homem assim como a identidade de um peixe está numa bicicleta. Não faz sentido nenhum, né?! Mas é isso mesmo! A identidade de uma mulher não está no homem, ela não precisa nem depende do homem para ser. E não só a mulher, mas também o homem¹. Nenhuma pessoa é definida por outra pessoa², nem por sua graduação e profissão, nem por suas riquezas e bens, nem por suas conquistas e prazeres.

Sobre Jesus, aquele que é o Filho de Davi e que é da descendência de Judá, João nos disse que ele…

Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus.

João 1.11–13

Quando recebemos e cremos em Jesus, ganhamos [de graça] o direito de nos tornarmos, de fato, filhos de Deus. E é somente assim que encontraremos aquela paz que Lia encontrou. Quando descansamos em Deus, nossa identidade está em Cristo, não em pessoas, nem em coisas. Somos filhos de Deus, essa é nossa identidade, é isso que nos define!

E é isso o que eu mais admiro em minha esposa. Não me casei com ela para ser feliz e [pasmem!] nem para fazê-la feliz³. Esse seria um peso enorme que eu jamais conseguiria carregar, muito menos satisfazer em sua vida. Mas eu me casei com ela (na verdade, antes disso… eu comecei a namorar com ela) por que eu sei que a identidade dela está em Cristo. Eu sei que ela não buscará em mim aprovação e amor para ser alguém, mas buscará, dia após dia, descansar em Deus e ser plenamente satisfeita nele. Eu da mesma forma, sigo nesse caminho. E é exatamente por isso que nós podemos, juntos, rir do peixe e da bicicleta pro resto da vida.

“Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti” (Agostinho de Hipona)

Gui Dutra

¹ Não quero entrar aqui na discussão sobre os papéis do homem e da mulher no casamento. Quanto a isso, acredito no conceito da complementaridade dos sexos. Ou seja, no casamento, o homem e a mulher se complementam. Mas o ponto aqui é falar sobre a nossa identidade que é definida não pelo homem ou pela mulher, mas pelo nosso Criador.

² Na Trindade (Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo) conhecemos a essência relacional do caráter de Deus. E nós, seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus, também somos relacionais em nossa essência. De certa forma, a relação com outras pessoas e com Deus nos define sim. Mas, nesse caso, não são as pessoas com que nos relacionamos que nos definem, e sim a relação em si.

³ Neste momento não falo sobre agradar minha esposa e deixá-la alegre. Claro que quero e farei esse tipo de coisa. Falo sobre a felicidade que dá sentido à vida, aquela que quando a encontramos, ficamos em paz.

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