A perseguição de si mesmo
Antes de começar, um aviso. Esse texto é resultado de um exercício devocional que eu gosto de fazer quando leio o texto bíblico. Em geral, escrevo o que vem a minha mente depois do silêncio e leitura. Talvez seja o mais próximo que eu consiga de imaginar o texto bíblico, mas claramente há elementos do texto bíblico e de mim mesmo no texto abaixo. Entre os textos publicáveis e os não-publicáveis, compartilho com vocês um pouco da caminhada.
Jeremias 8.4–17 (16/02/2017)
“Escuto suas conversas e não ouço uma só palavra verdadeira. Acaso alguém está arrependido de sua maldade? Alguém diz: ‘Que coisa terrível eu fiz’? Não! Todos correm pelo caminho do pecado, velozes como cavalos galopando para a batalha.”
“Oferecem curativos superficiais para a ferida do meu povo. Dão garantias de paz quando não há paz alguma.”
Você está a pé. Correndo de um perigo que te persegue. Você corre em linha reta, retorna para um lado e para outro, contorna e tenta confundir o perseguidor. Você está a pé. Você não tem recursos. Essa perseguição é mera formalidade, não há chances. Uma hora ou outra você será atropelado.
Quem te persegue? Você mesmo. Você mesmo, ávido para realizar a sua maldade. Nesta versão de você, há recursos. Você persegue ferozmente montado em cavalos de corrida. A sua vitória está chegando. Não é possível que a versão desesperada de você irá conseguir escapar dessa cilada. Uma hora ou outra isso tudo acabará. Você será um finalmente.
Nessa auto-perseguição, lidamos com nós mesmos. O que resta a pessoa a pé? Confiar na sua capacidade de vencer cavalos? Ela deve desistir e se deixar apanhar ou simplesmente continuar correndo? Certamente a pessoa deve ouvir do seu alter ego: “Pare de correr! Entregue-se! Não irei te machucar, só necessito que você aceite a mim! Eu vou cuidar de você e das feridas que você ganhou nessa jornada”.
Vamos pensar que a pessoa a pé se entregou.
Ela mesma desceu do cavalo, se abraçou e se tornou um. A pessoa a pé se sentiu estranha. Suas feridas estavam melhores, apenas cicatrizes, mas sentia dentro de si as mesmas feridas expostas e cortantes. A pessoa se entregou à sua própria solução, à sua própria maldade e, apesar de aparentemente estar bem, a dor a dilacerava por dentro. De repente, percebendo em quem se tornou, a pessoa a pé subiu em seu cavalo e continuou a sua jornada com a ilusão da sua escolha.
Vamos pensar que a pessoa a pé não se entregou.
A perseguição continuou por muito tempo. Houve momentos em que conseguiu despistar seu perseguidor, mas inevitavelmente a corrida começava de novo. Era simplesmente difícil se esconder de você mesmo! A perseguição continuava, as pernas falhavam, a cabeça doía, a sede aos poucos matava. Mas a dor da perseguição também doía no perseguidor. O perseguido estava até mais resistente em meio às dores que sentia. O perseguido encontrava pessoas na caminhada que o ajudavam a construir curativos que atingiam o âmago de sua dor, que o ajudavam a discernir que ele não precisaria se entregar à sua maldade para ser um.
Sempre quando colocado em franca e direta perseguição, o perseguido conseguia suportar. Um beco, uma árvore, um disfarce o escondiam de si mesmo. Certa vez, sem essas alternativas, ele tropeçou. Caiu feio. Impotente em continuar a corrida com a mesma intensidade. Assim, o perseguidor desceu do cavalo e realizou o mesmo procedimento que vimos anteriormente: o abraço para se tornar um. Porém, nada aconteceu. Em contato vivo e direto com a sua própria maldade, o perseguido não se deixou entregar, como fizeram muitos ao longo de sua jornada. Houve sofrimento, doeu. No entanto, em certo momento que não se lembra mais, a versão perseguidora de si mesmo se foi.
Porém, a perseguição não terminou. Cada novo caminho se forma uma nova aventura, diferentes maneiras de lidar com as mentiras que a sua própria maldade vem lhe dizer.
Algumas perguntas que podemos fazer diante disso tudo são:
Que versão de mim mesmo estou assumindo? Estou me deixando entregar a minha própria maldade?
Será que os recursos que possuo ao trilhar esse caminho a pé são tão limitados assim? Quem são as pessoas que me ajudam a não se entregar nessa perseguição?
Em quem eu posso confiar diante da minha própria maldade?
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Obs.: Na primeira figura, temos a perseguição dos Nazgûl contra os Hobbits, exemplo claro da diferença de poder aparente de cada uma das partes. Na segunda figura, temos Harry Potter em contato com o próprio mal, Voldemort tocando a sua parte presente no corpo de Harry.