Crescer e amadurecer: encarando as pressões e o desconhecido

Parte 2

Gui Dutra
Textando
8 min readJul 16, 2018

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[ <<< Leia a Parte 1]

Quando eu conheci a Daphne, o que mais me encantava e me animava a continuar a conhecê-la eram nossas conversas. Como era gostoso (e ainda é!) conversar com ela! Nós falávamos sobre tudo! Principalmente depois que nos declaramos um ao outro, passamos um mês (antes de começar a namorar) conversando sobre namoro, sexualidade, casamento, criação de filhos, Deus, igreja, vocação, sonhos, medos, e muitos outros assuntos. A conversa é uma das principais bases de qualquer relacionamento, quanto mais de um namoro, de um noivado e de um casamento.

Depois que a Daphne aceitou meu pedido de casamento, nós entramos na desconhecida fase do noivado. Essa fase talvez tenha sido a época em que mais conversamos. Tanto pela necessidade das milhares de decisões a serem tomadas em relação à festa do casamento, lua de mel, onde morar etc, quanto por continuarmos fazendo aquilo que mais gostávamos: conversar sobre a vida, e agora mais profundamente sobre o nosso casamento (não a festa, mas a relação em si).

Nessas conversas mais sérias e profundas, diversas vezes me encontrei diante de novos “desconhecidos”, sendo necessário passar por aquele processo de reconhecer minhas incapacidades e confiar que Deus me capacitaria (algo tão falado na Parte 1 deste texto). Uma dessas conversas foi sobre filhos, quantos gostaríamos de ter e, principalmente, quando aconteceria. Não foi uma decisão difícil de tomar, afinal nós queríamos muito viajar para alguns lugares e sabíamos que quando os filhos viessem ficaria mais complicado. Então decidimos que seria após três anos de casados.

Ser pai sempre foi um sonho meu, mas pensar nesse sonho se concretizando gerava em mim aquele sentimento já conhecido de medo e incapacidade diante da grande responsabilidade de me tornar pai (e eu nem tinha me casado ainda!). Pra piorar, ainda no noivado eu fiz alguns exames pré-nupciais. No resultado, a maioria dos índices estava dentro do normal, porém um índice estava fora do esperado. “Será que eu tenho algum problema?”, pensei. Com a correria da vida intensificada pelo noivado, e pensando na decisão de ter filhos somente após três anos casados, deixei isso de lado. Esse era um problema pro Guilherme e a Daphne do futuro resolverem (by HIMYM! Sério, assistam!).

O noivado passou, nós nos casamos e vivemos três anos maravilhosos! Viajamos e realizamos alguns sonhos, conhecendo lugares incríveis! Aqueles três anos que pareciam tão distantes na época do noivado se passaram voando, e o medo do desconhecido casamento se dissipou, dando espaço para outros medos e “desconhecidos”. O medo de me tornar pai existia, mas eu estava mais tranquilo quanto a isso. Primeiro porque minha esposa sempre trazia o assunto à tona, e passávamos boas horas pensando no futuro e em como seriam nossas vidas após a chegada do bebê. Segundo porque eu me aproximei bastante de um grupo de amigos casados, e muitas vezes conversávamos sobre isso também.

Me lembro de um dia em que passei a tarde inteira junto com esses meus amigos conversando e cozinhando, pois ofereceríamos um jantar surpresa para nossas esposas no dia dos namorados, e um dos assuntos foi o “tornar-se pai”, se era o que queríamos e se já era o momento. Aquela foi uma tarde muito importante pra mim, pois eu pude “reviver” a conversa que tive com outro amigo sobre casamento (falada na Parte 1), mas agora sobre o “ser pai”.

Naquela tarde expus meu medo de me tornar pai por me achar muito imaturo para cuidar de um bebê, criar um filho, etc. E a fala de todos foi quase unânime: “Ah, mas é normal se sentir assim!”. Naquele mesmo instante me lembrei do que meu amigo me aconselhou sobre casamento, e pude colocar em prática o que eu já havia aprendido alguns anos antes. Eu não estava preparado para ser pai, mas eu estava pronto para encarar este desafio, confiando que Deus me capacitaria.

Alguns meses depois daquela conversa com meus amigos, eu e a Daphne começamos a tentar engravidar, tudo dentro do que tínhamos planejado. Mas com o passar do tempo percebi que não seria tudo tão conforme os nossos planos. Cada enjoo ou mal-estar da Daphne era motivo de suspense e expectativa de que ela estivesse grávida. Não foram poucos os momentos que vivenciamos de fazer o teste de gravidez de farmácia e lidar com a frustração do resultado negativo. Nesses momentos era impossível não me lembrar daquele exame pré-nupcial, e do índice fora do normal. “Será que eu realmente tenho um problema?”, voltei a pensar três anos depois.

Eu estava preparado para encarar o desconhecido desafio de me tornar pai, mas eu não estava preparado para encarar o ainda mais desconhecido desafio de não poder me tornar pai. Por mais que ainda fosse cedo, pois estávamos há pouco tempo tentando engravidar, e mesmo havendo a possibilidade de adoção, diversas vezes essa crise passava por minha cabeça, principalmente diante dos resultados negativos dos testes de gravidez.

Se nós sofremos pouquíssima pressão externa em relação ao casamento, infelizmente não aconteceu o mesmo em relação a ter filhos. É impressionante como as pessoas falam e brincam sobre isso desde os primeiros meses de casados. Nos primeiros anos era tranquilo lidar com isso, afinal estávamos realmente decididos a esperar os três anos passarem. Então quando alguém brincava sobre o assunto era simples responder “Não, ainda não está na hora!”, e ponto final.

Só que isso muda completamente quando se decide começar a tentar engravidar e o resultado não vem de imediato ou conforme nossas expectativas. A resposta antes na ponta da língua já não é mais válida, e não há nenhuma outra resposta confortável para se dar, principalmente aos que não são próximos a nós. “Hehehe [aquela risadinha sem graça]. Pois é, quem sabe, né?!”, era o que eu mais falava. Mas a vontade mesmo era falar: “Estamos tentando, mas ainda não deu certo. Não sei o motivo, talvez seja algo natural e logo a gente consiga, talvez seja um problema mais sério…”. Mas quem faz esse tipo de brincadeira ou pergunta constrangedora geralmente não está em busca de uma conversa profunda e sincera.

Então além das frustrações dos testes de gravidez negativos, tivemos que lidar com essas pressões externas, que acabavam gerando pressões internas também, nós mesmos nos pressionando para engravidarmos. Um desses momentos difíceis, por incrível que pareça, foi com nossos amigos (aqueles do jantar surpresa) numa das noites mais felizes de nossas vidas. Nos reunimos alguns meses depois (seis casais), e naquela mesma noite três casais anunciaram que estavam grávidos! TRÊS, AO MESMO TEMPO!!! Foi uma alegria indescritível! Realmente foi uma das noites mais felizes de nossas vidas!

Mas em meio a tanta alegria pelas novas vidas que estavam chegando, o foco da noite, principalmente entre os homens, se voltou para os três casais “não-grávidos” que “deveriam” engravidar até o final do ano. A brincadeira era: “na nossa Ceia de Natal em dezembro queremos mais três anúncios de gravidez”! Não deixou de ser um momento alegre de muitas piadas e risadas. Mas, lá no fundo, eu só pensava: “Gente, o que eu mais quero é anunciar na nossa Ceia de Natal que nós estamos grávidos. Mas infelizmente não sei se será possível… Nós estamos tentando e nada aconteceu ainda…”.

Eu sabia que era tudo brincadeira. Inclusive nossos amigos nem sabiam que estávamos tentando engravidar, muito menos dos meus exames pré-nupciais. Mas mesmo na brincadeira seria muito doído chegar na Ceia de Natal e não ter nenhuma notícia para dar nesse sentido. Sem mencionar os momentos em que contávamos para outras pessoas sobre esse grande acontecimento de três casais amigos grávidos ao mesmo tempo, e muitas vezes as respostas eram: “Que legal! Vocês poderiam aproveitar e engravidar também, hein?!”. Até poderia acontecer, e nesse tempo todo nós continuamos tentando, mas a Ceia de Natal chegou e realmente não havia nenhuma boa notícia de gravidez da nossa parte. Alguns meses depois ouvi uma frase que resumiu bem o que senti naqueles dias:

“A ansiedade é deixar de viver a certeza e a dádiva do presente,
para viver a angústia e a incerteza do futuro.” (Lucas Fernandes)

Mas Deus transformou isso em bem. Pude conversar com meus amigos e explicar toda a situação. Isso nos aproximou ainda mais e me ensinou algumas lições importantes sobre como lidar nesse tipo de situação. Não que seja proibido brincar sobre o assunto, mas que devemos buscar conhecer melhor a situação de cada um e considerar isso na hora da “zueira”.

Além disso, foi nessa época em que percebi que não eram as brincadeiras que me deixavam mal, mas sim o fato de eu colocar em mim mesmo e em minha esposa todas as esperanças para que nós engravidássemos, e logicamente me frustrar com isso. Eu compreendi que engravidar não dependia somente de mim e da Daphne. Ao perceber que, mesmo escolhendo engravidar, talvez não fosse possível dar a tão esperada notícia na Ceia de Natal para nossos amigos, eu entendi que isso só aconteceria através do agir daquele que é o Criador de todas as coisas e que nos dá a vida.

Olhando pra trás eu me lembro de muitos momentos em que me senti incapaz, em que senti medo, e Deus me deu forças para continuar. Mas eu nunca tinha me sentido tão limitado, incapaz e pressionado quanto nessa situação em que estávamos tentando engravidar. Eu nunca senti tanto medo quanto em pensar na possibilidade de nunca poder dar um filho à minha esposa, de nunca ser pai.

Creio que muitas pessoas possam se sentir da mesma forma, seja nessa mesma situação, seja em outra, e esse é um dos motivos pelos quais eu decidi escrever este texto (Parte 1 e Parte 2). Meu desejo é que não percamos a esperança diante dos medos e “desconhecidos” que surgem durante a caminhada. Seja ao encarar o casamento, seja ao encarar o solteirismo; seja ao encarar a paternidade/maternidade, seja ao encarar a esterilidade; seja ao encarar qualquer outra situação de nossas vidas em que nossas fraquezas e incapacidades fiquem expostas, que encontremos esperança, força, consolo e satisfação naquele que cuida de nós e nos dá tudo o que necessitamos: Deus, o nosso Senhor!

Desejo também que sejamos mais sensíveis ao nos colocarmos diante da dor e da fragilidade daqueles que estão à nossa volta. Como diz o mestre Ziel Machado:

“A dor e a fragilidade do nosso próximo não podem ser um espaço para tripudiação da nossa parte, mas deve ser um espaço sagrado ao qual somos chamados para ser apoio e suporte.”

Mas o principal motivo pelo qual eu escrevi este texto é porque hoje eu tenho mais uma [nova] fonte de inspiração para escrever. O Criador agiu em nosso favor e deu a vida ao nosso filho! E eu quis deixar essas histórias aqui registradas, esperançoso de que elas possam abençoar a quem quer que as leiam, em especial ao(s) nosso(s) filho(s).

Benjamin, o papai e a mamãe te amam muito! “Coincidentemente” eu li este versículo na Bíblia essa semana, e encerrarei este texto deixando-o aqui para você:

“A respeito [da tribo] de Benjamim [Moisés] disse: ‘Que o amado do SENHOR descanse nele em segurança, pois ele o protege o tempo inteiro, e aquele a quem o SENHOR ama descansa nos seus braços.’” (Deuteronômio 33.12)

Benjamin Coelho Dutra

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