Da piada do pavê às brigas políticas. O Natal em 2018.

Natália Custódio
Textando
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5 min readDec 5, 2018

Daqui a poucos dias celebraremos o Natal. Geralmente nessa data nos reunimos com familiares, às vezes com amigos, e comemoramos o espírito natalino, a alegria da união, coisas boas, ainda que vagas, ganhamos alguns presentes e comemos boa comida. Todos os anos algumas igrejas por meio de mensagens, teatros e cantatas nos trazem à memória o significado do Natal, a data escolhida para celebrarmos o nascimento do Deus-Homem, que veio redimir o mundo e salvar aqueles que acreditarem em sua mensagem. Este ano, porém, vimos momentos tensos e tristes acontecerem no país, na igreja e em nossas famílias.

Tomados por certezas irrefutáveis, ódio cego, impaciência e ignorância em relação ao que nos é diferente, temos entrado em pé-de-guerra, cortado relações e apedrejado qualquer um que não está no mesmo lado que nós. Pior, fazemos isso cheios de convicção em nossa ideologia! Considerando a época do ano em que estamos e todos os acontecimentos até aqui, é saudável refletirmos sobre a ética que tem nos guiado.

O dicionário Houaiss da Língua Portuguesa traz a definição de ética como “parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social”. Ética tem a ver com princípios e valores e o princípio que nos move, enquanto cristãos, deve ser o mesmo que move Deus na pessoa de Jesus, o Cristo.

A Bíblia nos apresenta Deus agindo na história e, de Gênesis a Apocalipse, nos mostra um Deus do amor incondicional. Um amor que não tem falhas. Aliás, ele É a definição de amor em 1Coríntios 13. Paciente, bondoso, justo, firme, verdadeiro e esperançoso. Ao recapitular esse ano, tenho dificuldade para me lembrar de momentos em que a sociedade e eu agimos dessa maneira. Mas, como filhos do Amor, criados por amor, comprados pelo preço do amor na cruz, não podemos ignorar o padrão dado por Deus.

Se observarmos as atitudes de Jesus no tempo em que aqui viveu, facilmente encontraremos esse padrão em suas atitudes. Paciente e bondoso com os pequeninos, crianças, mulheres, os marginalizados pelo sistema da época, os que sofriam, os corruptos cobradores de impostos e as prostitutas. Justo e firme contra o sistema religioso que aprisionava e sufocava seu povo, justo e firme na restauração da dignidade humana daqueles de quem isso fora tirado. A Verdade proclamada e a Esperança de encontrarmos com Deus e reinarmos com Cristo. Não encontramos em sua vida, porém, nada que possa acusá-lo de presunção, ciúme, orgulho, grosseria, irritabilidade e rancor. Também não o vemos como alguém que tem prazer quando há injustiças ou que precisa ter suas vontades satisfeitas, como quem tem “o rei na barriga”.

Ver Jesus agindo na Bíblia desperta nossa atenção para a responsabilidade e o respeito que ele tinha no trato com o outro. Todas as vezes que ele tocou a vida de alguém foi com gentileza, respeito e responsabilidade. Ele é Deus, poderoso para fazer o que quiser, mas escolheu respeitar aqueles que o procuravam. Ele não forçou a barra, reprimiu ou ridicularizou ninguém. Ele era responsável.

Deveríamos nos lembrar constantemente da responsabilidade que temos em nossas ações, em qualquer âmbito social. Não podemos nos esquecer que nossas ações refletirão na história de nosso país e na história das pessoas com quem nos relacionamos. Todas as pessoas formam uma sociedade. Podemos ter diferentes pontos de vista em relação ao que é melhor para todos, esse não é o problema. Mas, como cristãos, não devemos nos esquecer de que Deus ama as pessoas, Jesus morreu pelas pessoas e que as pessoas estão acima de qualquer ideologia humana.

C. S. Lewis, o escritor das Crônicas de Nárnia, refletindo sobre o tempo presente, enquanto esperamos a glória que um dia experimentaremos no céu, diz:

Enquanto isso, a cruz precede a coroa, e a manhã de segunda-feira está aí. Abriu-se uma fenda na impiedosa muralha que rodeia o mundo, e somos convidados a seguir, dentro dela, o grande Capitão. Segui-lo é, com efeito, essencial. Nesse caso, pode-se perguntar qual a utilidade de tanta especulação. Posso detectar pelo menos uma utilidade. Cada pessoa pode pensar demais em seu potencial de glória; mas nunca será possível pensar na glória que também revestirá o seu próximo. O volume, o peso, o fardo de glória do meu próximo deve pesar sobre mim diariamente, o fardo tão pesado que só a humildade pode carregar, e os ossos do orgulho quebrar-se-ão. É muito sério viver numa sociedade constituída por possíveis deuses e deusas, lembrar que a mais desinteressante e estúpida das pessoas com quem falamos pode, um dia, vir a ser alguém que, se a víssemos agora, nos sentiríamos fortemente impelidos a adorar; ou (quem sabe?) a personificação do horror e da corrupção só vistos em pesadelos. Passamos o dia inteiro ajudando-nos uns aos outros a, de certo modo, encontrar um desses dois destinos. É à luz dessas possibilidades esmagadoras e com o devido temor e circunspeção que devemos orientar as nossas relações com os outros; toda amizade, todo amor, toda recreação, toda política. Não existe gente comum. Você nunca falou com um simples mortal. As nações, as culturas, as artes, as civilizações — essas são mortais, e a vida delas está para a nossa como a vida de um mosquito. Mas é com criaturas imortais que brincamos, trabalhamos ou casamos, e a elas que desdenhamos, censuramos ou exploramos — horrores imortais ou esplendores perenes. Não significa que devamos ser perpetuamente solenes. Precisamos divertir-nos. Mas nossa alegria deve ser aquela (aliás, a maior de todas) que existe entre pessoas que sempre se levaram a sério — sem leviandade, sem superioridade, sem presunção. E nossa caridade deve ser um amor autêntico e precioso que se ressinta fortemente do pecado, mas ame o pecador — não mera tolerância ou indulgência que parodie o amor, como a leviandade parodia a alegria. Depois da santa ceia, o nosso próximo é o objeto mais santo que se apresenta aos nossos sentidos. E se ele for nosso irmão na fé, a santidade que nele existe é quase idêntica, pois nele também Cristo — o que glorifica e é glorificado, a própria Glória — está latente.

Vamos aproveitar este momento para reavaliarmos a ética que tem motivado nossas ações, palavras, conversas e postagens. Vamos estudar a vida de Jesus e aprender com ele a como interagir com as pessoas e como nos portar diante dos sistemas humanos tão falhos, lutando pela dignidade humana, levando o Príncipe da Paz ao mundo violento, levando o Deus do Amor ao mundo imerso em ódio.

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