“Ela é estrangeira”

Damáris Maia
Textando
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5 min readSep 6, 2018

No final deste mês completo 2 anos e meio que moro em outro país.
Tem muitas coisas interessantes sobre morar fora, ainda não sei se boas ou ruins, apenas direi que são interessantes.

Nesse tempo todo que estou aqui tenho tratado de resolver minha “situação burocrática”. Quando se é estrangeiro você tem que justificar o porquê está em outro país, então assim o governo pode te dizer se você é aceito ou não. Meu visto permanente está em tramite há quase um ano. Não deveria demorar tanto normalmente, mas no ultimo ano chegaram muitos imigrantes aqui no Chile. O Chile é um país pequeno e não estava acostumado a receber tanta gente em tão pouco tempo. O resultado disso tudo? Filas gigantes, processo lento, sistema travado. Milhares de estrangeiros tentando regularizar sua situação pra poder trabalhar, poder receber algum direito, enfim, viver aqui.

Hoje de manhã fui ao registro civil, tive um problema (que é muito longo pra contar e não vem ao caso) e só posso resolver com meu carnê de identidade o qual ainda não está pronto. Queria saber se por acaso já estaria pronto (me disseram que às vezes fica antes do previsto), ou se talvez existiria a possibilidade de acelerar isso, pedir com urgência, algo assim.

Alguns chilenos parecem não gostar nada de estrangeiros. Não quero generalizar, mas sinto que posso dizer isso porque muitos amigos chilenos reconhecem isso. Em uma rápida conversa com qualquer estrangeiro você vai ouvir inúmeras historias do quanto foram maltratados pelo simples fato de não serem daqui. É uma sensação de que estamos errados, que não deveríamos estar aqui, que as coisas têm que ser mais difíceis mesmo porque afinal, somos estrangeiros.

No registro civil conversei com uma mulher, que de maneira educada dizia que não havia muito o que fazer a não ser esperar. Vendo meu desespero por resolver essa situação ela pergunta ao seu companheiro que está ao lado se havia algo que poderiam fazer. Ele sem olhar pra mim, com um jeito seco e cortante apenas disse: Ela é estrangeira, vai ter que esperar como todos os outros estrangeiros.

Mudar de país pode ser muito difícil. Estar longe da sua família, amigos, de tudo o que você conhecia, ter que aprender outro idioma, outra cultura, outra comida, outro clima, outro jeito de fazer todas as coisas. Tem sido um processo longo e doído pra mim, (que posso contar um outro dia) mas justo esse ano, graças a Deus comecei a me sentir mais adaptada sabe? Estou aprendendo a olhar o Chile como meu novo lar, aprendendo a amar os chilenos, entendendo a cultura. Não é fácil, mas essas últimas semanas estava tão feliz em estar onde estou e o simples fato de alguém me recordar que sou estrangeira me doeu tanto!

Tratei de argumentar de todas as formas, não teve jeito, tenho que esperar. Antes mesmo de atravessar a porta de saída daquele lugar já não podia conter as lágrimas. Caminhei rápido até minha bicicleta, parei ao lado dela buscando a chave do cadeado e só consegui chorar, de raiva!

Por que os chilenos tem que me lembrar o tempo todo que eu não sou daqui? Por que eles são tão grosseiros com os estrangeiros? Me fazem sentir o tempo todo que estou errada, que não deveria estar aqui, que não sou benvinda, que não sou daqui!

Enquanto dava as primeiras pedaladas, a raiva foi passando e no meio daquele turbilhão de pensamentos me veio o mais temido: “Queria voltar pra casa!” Foi nesse pensamento em que comecei a buscar na minha memoria qual foi a ultima vez que me senti em casa. Antes de vir pra cá estava na casa dos meus pais, onde meu quarto já não era bem meu quarto, minhas coisas já não estão lá, porque antes estava morando em Viçosa, por um ano, porque estava fazendo um curso numa escola de Missões. E antes de Viçosa morava em São Paulo com meu irmão, mas não éramos de São Paulo, porque éramos de Minas. E em Minas morava com meus pais numa casa que não era nossa e sempre ouvia minha mãe dizer: Temos que cuidar bem dessa casa, porque ela não é nossa. Afinal, para onde é que quero ir? Onde é a minha casa?

Ainda montada na bicicleta, nessa bagunça de emoções e pensamentos, começo a falar com Deus:

De onde vem essa minha vontade de estar em casa sendo que eu nunca, de fato, estive em casa? Por que me afeta tanto lembrar que eu sou estrangeira? Esse não é meu país, aqui não é minha casa, eu não sou daqui.

E junto com o vento que batia no meu rosto enquanto pedalava ouço um sussurro suave dizendo: Essa não é sua casa, você não é daqui.

Diferente das outras vozes que ja tinham dito o mesmo pra mim, essa veio firme como um decreto.

Eu não sou do Chile, eu não sou do Brasil. O Espirito de Deus me lembrou disso, eu precisava ser lembrada disso. Aqui não é minha casa e pra qualquer lugar que eu possa querer voltar, ainda não será.

Ajuda-me Deus a ser como os “Herois da fé” que são citados em Hebreus capítulo 11, que reconheceram ser estrangeiros e peregrinos neste mundo, e tinham a plena consciência de que algum dia chegariam ao seu verdadeiro lar.

Eu não sou daqui, ainda bem!

(…) Se fomos feitos para o céu, o anseio pelo nosso devido lugar já está em nós. Se nosso destino é um bem que transcende ao tempo e a todos os limites, qualquer outro bem em que nosso desejo se fixe é em alguma medida necessariamente falacioso. (…) A beleza, a lembrança do passado, são boas figuras daquilo que realmente desejamos, mas não são o que realmente nosso coração deseja, são tão somente o perfume de uma flor que não encontramos, o eco de uma canção que não ouvimos, notícias de um país distante que não visitamos. Durante alguns minutos tivemos a ilusão de pertencer a este mundo. (…) Mas se encontro em mim um desejo que nenhuma experiência deste mundo pode satisfazer, a explicação mais provável é que fui feito para outro mundo. (C. S. Lewis)

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Damáris Maia
Textando

Brasileira vivendo no Chile. Discípula de Jesus, esposa, mãe e psicóloga.