Em memória do tio Hilton

Marcelo Dutra
Textando
Published in
5 min readSep 18, 2020
Tio Hilton (1956–2020).

Na última quinta-feira à noite (10/09/2020), enquanto eu ainda estava no trabalho, através da ligação do meu pai recebi a fatídica notícia do falecimento do meu tio Hilton. A primeira reação foi de choro desesperado e tremedeira. Por causa do ambiente em que eu estava, aos trancos e barrancos, precisei me controlar. Falar com todas as pessoas necessárias para que pudesse sair imediatamente do trabalho e fosse para casa, com minha esposa e família, de forma que passássemos esse momento juntos. Enquanto caminhava para o meu carro, meu irmão me liga, a voz chorosa com que falamos “oi” indicava que ambos já havíamos recebido a mesma notícia. Sem destacar o fato, conversamos sobre o que iríamos fazer naquele momento:

“eu vou para casa encontrar a Rafa”

“beleza, eu vou para o pai e a mãe”

Saindo do trabalho, urge uma sensação de desespero, penso na tristeza que minha mãe devia estar sentindo, penso nos meus primos, na minha tia, nos queridíssimos netos do meu tio… A tristeza e o desespero devia ser algo comum a todos naquele momento.

A minha esposa me liga, preocupada com a viagem de 50 km que eu faria ainda do trabalho até em casa após receber tamanha notícia. Essa conversa me ajudou a focar: “preciso chegar em casa”. Ao mesmo tempo, me veio à mente a conversa que tive com um tio da Rafa há uns meses:

“Marcelo, em qualquer viagem, o que você não pode ter é pressa”.

Peguei essa sabedoria na cabeça (que sabedoria os tios têm!), me agarrei a ela e fui. No caminho ouvi um podcast com uma pregação sobre Jefté, uma mensagem sobre resiliência. O pregador perguntava “qual foi o momento mais difícil pelo qual você já passou?”. Lembrei do passado, mas pensei no presente e, principalmente, no futuro próximo que eu estava por viver. Uma fé em meio ao caos (tema da pregação) é resiliente. Como isso foi necessário no passado, mas como será mais ainda agora!

Graças a Deus cheguei em casa, no tempo de viagem que costumeiramente faço do trabalho até lá. Abri a porta e, finalmente, na presença da minha esposa, pude abraçar alguém e chorar a morte do meu querido tio. “Eu preciso ver meus pais”, me arrumo após um dia de trabalho e vou até a casa deles. Que tensão vivo nesses momentos, ainda mais em tempos de pandemia, do que fazer ao encontrar familiares em uma situação como essa. Abro a porta de casa, minha mãe levanta do sofá e a passos lentos caminha em minha direção, fazia seis meses que eu não dava um abraço nela. Como negar um abraço nesse momento de tanta perda e tanta dor?

Os outros familiares chegaram, nos consolamos, decidimos a viagem que iríamos fazer até a cidade do meu tio. E fomos cada um para a sua casa, dormir para viajar dali algumas horas. Quase ninguém dormiu. Viajamos, encontramos o restante da grande família, inclusive o meu tio, só que não havia mais vida ali em seu corpo. Choramos, nos consolamos, passamos por momentos que com certeza ficarão marcados como uns dos mais tristes da história de cada um. Como família, choramos. Como família, nos entristecemos. Como família, cultuamos. Clamamos a Deus que acalmasse o nosso coração. Cantamos que somos felizes com Jesus. Fomos pastoreados através da Palavra Viva de Deus, a Bíblia, nos lembrando que em Cristo esses momentos de dor seriam ressignificados na esperança eterna e na continuidade da vida.

Como eu aprendo com a minha família nesses momentos de dor e de luto! Desde a morte da minha vó há vinte anos, aprendemos a cantar que éramos felizes com Cristo mesmo em momentos como esse. Continuamos cantando isso desde então. Ouvi meu primo, que acabava de perder seu pai, recitar as palavras de o Senhor deu, o Senhor tirou, bendito seja o nome do Senhor!”, palavra ditas na mais profunda dor, na mais profunda sinceridade. Que testemunho vivo da graça e do consolo de Deus! Eu sou muito grato a Deus por fazer parte dessa história, dessas pessoas que, apesar das tensões e imperfeições, decidiram seguir um caminho de resiliência e fé em meio ao caos.

A Grande Família (versão 2014) — A animação do tio Hilton com toda a família reunida.

E ficamos aqui sem o tio Hilton, mas ficamos com o poderoso testemunho da vida dele. O testemunho do cuidado para com tudo, mas principalmente cuidado para com todos. O testemunho de alguém que se doava no trabalho, construindo empresas, e nas relações familiares, investindo tempo de qualidade. O testemunho de alguém que era generoso, tanto na afetividade como em recursos financeiros. O testemunho de alguém que era curioso, que queria saber tintim por tintim de determinado assunto ou determinado caso. O testemunho de alguém que era sincero e íntegro. O testemunho de alguém que era brincalhão, que ria e que gostava de fazer os outros rirem. O testemunho de um tio, de um filho, de um irmão, de um esposo, de um pai, de um cunhado, de um avô. Todos esses papéis, desempenhando um testemunho poderoso através deles com excelência.

Tio Hilton e sua esposa no meu casamento (2019) — Como excelente avô, estava segurando um dos seus netos.

Ôôô, meu tio, como sentirei saudades do senhor! Saudades de te encontrar, falar “bênça” e ouvir “Deus te abençoe, meu filho”, tudo isso junto com um abraço e um beijo. Saudades de torcermos juntos para o nosso Santos. Saudades de te encontrar na casa dos meus pais inesperadamente no meio da semana por causa de uma reunião em São Paulo. Saudades das suas piadas e brincadeiras, do seu jeito único e do seu carinho.

Eu e o tio Hilton (1993) — Era um ritual familiar do tio segurar (e equilibrar) todo bebê da família dessa maneira.

Descansa, meu tio. Estamos com a sensação de que você tinha ainda tanto para viver. Mas tenho certeza de que você viveu plenamente cada momento que o nosso Senhor te deu. Descansa, meu tio, porque é somente nos braços do nosso Senhor que poderemos plenamente descansar. Vai esquentando aí o nosso lado, que em breve iremos nos encontrar.

--

--