Mamba Forever

Gui Dutra
Textando
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17 min readFeb 25, 2020

Quem me conhece sabe que eu gosto bastante de esporte. Futebol, basquete, vôlei, tênis, F1, atletismo, ginástica olímpica, natação, curling, par ou ímpar, jo-ken-po, etc etc etc. Amo assistir, amo torcer, amo jogar. Faz parte da minha vida desde a infância e é difícil desvencilhar minha história do esporte. As lembranças mais antigas que eu tenho estão relacionadas ao esporte.

Ayrton Senna (1960–1994)

Como esquecer da morte do Senna e do tetra em 94? (eu tinha 5 anos) Como não lembrar do título de Roland Garros do Guga em 97? (8 anos) E da sofrida derrota na final da Copa do Mundo pra França em 98? Como esquecer da volta do Raí ao SPFC e do gol na final do Paulista contra o maior rival também em 98? (9 anos) E do bi e tri campeonato de Roland Garros do Guga em 2000 e 2001? (11 e 12 anos) Como esquecer do penta em 2002? (13 anos) E das dezenas de títulos que a seleção brasileira de vôlei ganhou com o Bernardinho? (minha infância e adolescência inteira) Como não lembrar da sequência de títulos do São Paulo FC nos campeonatos Paulista, Libertadores, Mundial e 3x campeão Brasileiro de 2005 a 2008? (16 a 19 anos)

Gustavo Kuerten, tri-campeão de Roland Garros (2001)

Eu consigo me lembrar do dia, das pessoas que estavam comigo, das comemorações, da festa, dos choros nas derrotas, das conversas, das discussões, de praticamente tudo. Por meio do esporte eu fiz amigos na escola e na faculdade. Eu me aproximei de pessoas da igreja por conta disso, pessoas que permanecem até hoje e a relação transcende qualquer esporte. Em diversas situações na vida eu me senti acolhido, aceito e integrado por meio do esporte (seja jogando, seja torcendo junto ou rivalizando, seja apenas conversando). Enfim, o esporte faz parte de mim.

São Paulo FC, campeão do mundo (2005)

Quem me conhece um pouco mais sabe que eu tenho dois esportes preferidos e que eu acompanho mais de perto. Como um bom brasileiro, o futebol logicamente está entre eles. Sou são-paulino, graças a Deus! O futebol foi essencial e o mais importante nisso tudo que já falei. Não só foi, como ainda é. Nos últimos anos tive o prazer de conhecer e me aproximar de pessoas de quem jamais imaginaria que fosse me aproximar. Tudo graças ao futebol, não por ele ter sido o motivo, mas por ele ter sido o meio em que isso tudo ocorreu. Por isso me esforço, semana após semana, em juntar dez caras pra jogar um futebas todo sábado pela manhã. Mas tudo aconteceu naturalmente. Eu amo esportes, amo futebol, o brasileiro no geral também ama futebol, cria-se afinidade, e pronto, surge uma amizade.

E isso me leva ao segundo esporte entre os meus preferidos: o basquete. Eu amo e acompanho o basquete (mais especificamente a NBA), tanto quanto amo e acompanho o futebol. E a grande pergunta que surge diante disso é: por quê? Não é um esporte popular no Brasil, você nunca vê alguém sentado num bar discutindo sobre basquete entre amigos, pouco se vê pessoas que curtem jogar. Eu nunca tive um grupo de amigos para conversar sobre basquete, muito menos jogar. Creio que 81,824% das vezes em que eu assisto a um jogo de basquete, eu vejo sozinho, quase de madrugada (por causa do fuso horário), e raramente comento algo com alguém depois sobre os lances, o resultado, etc. Eu nunca tive essa experiência de inclusão e bem-estar social por causa do basquete, assim como eu tive com o futebol. Então, por que eu amo tanto o basquete, assim como eu amo o futebol?

Eu já tinha uma ideia sobre essa resposta, mas tive certeza dela num domingo, dia 26/01/2020. A resposta tem nome e sobrenome: Kobe Bean Bryant (1978–2020).

Kobe Bean Bryant (1978–2020)

Se eu fosse detalhar aqui toda a história de como conheci e me apaixonei pelo basquete, o texto ficaria muito grande. Por isso meu foco será em mostrar como esse jogador influenciou meu gosto pelo basquete e, consequentemente, a minha vida.

Shaquille O’Neal e Kobe Bryant

A história de Kobe Bryant se confunde com a história da NBA aqui no Brasil. Por causa do grande sucesso do Chicago Bulls de Michael Jordan na década de 90, ao fim desse período eram cada vez mais comuns, ano após ano, as transmissões das partidas da NBA para o nosso país. E foi nessa época que surgiu Kobe Bryant. Ao lado de Shaquille O’Neal, formou uma das duplas mais dominantes da história da NBA, conquistando três títulos seguidos de 2000 a 2002. Não é à toa que o Lakers tem uma das maiores torcidas aqui no Brasil. E eu, naturalmente, me tornei um Laker.

Porém minha ligação com o Lakers era apenas uma admiração por um super time que tinha ganhado três campeonatos seguidos, e nada mais. Foi um longo processo até eu entender todo o jogo, as regras, as jogadas, as estratégias, as características de cada jogador, e só a partir daí ter uma forte identificação com o time e o esporte. E, nesse processo, alguns pontos foram marcantes e essenciais para que eu me tornasse um verdadeiro Laker e fã de basquete.

1. Lealdade

Isso é raro em nossos dias, em toda e qualquer área da sociedade e da vida. E quando vemos exemplos de pessoas leais, seja onde for, é sempre digno de admiração e destaque. Assim como minha história com o futebol está diretamente ligada a uma figura leal ao time que eu escolhi torcer (Rogério Ceni no São Paulo FC), também encontrei essa figura em Kobe Bryant e sua lealdade ao Los Angeles Lakers.

Kobe Bryant (1978–2020)

Sua carreira de 20 anos na NBA foi construída por inteiro em um único time. Até se cogitaram trocas, possíveis desejos de sair, mas nada aconteceu. Quando tudo parecia perdido e o time se desmanchando com as saídas do técnico super campeão Phil Jackson e da estrela Shaquille O’Neal, Kobe Bryant ficou. Não só ficou, como também liderou o time em sua reconstrução e retomada do caminho de vitórias e títulos.

É impossível ser um torcedor do Lakers e não ter Kobe Bryant como ídolo esportivo, por tudo que ele fez e representa para a instituição, por sua lealdade e entrega ao longo dos seus 20 anos de carreira.

2. Rivalidade

A rivalidade é essencial para o esporte. Digo a boa e saudável rivalidade, não aquela que vê seu opositor como inimigo mortal, mas aquela que vê seu opositor como um digno competidor que merece respeito e por isso você fará tudo o que está ao seu alcance para derrotá-lo. Ela é importante não somente para os competidores, mas também para os torcedores. Ter um torcedor rival o motiva a torcer ainda mais pelo seu time. E eu tive isso logo cedo no basquete.

Tim Duncan, Tony Parker e Manu Ginóbili

Junto com a ascensão do Lakers no início dos anos 2000, surgia outro super time, o San Antonio Spurs, comandado por um trio que fez história na NBA: Tim Duncan, Tony Parker e o argentino Manu Ginóbili. Para se ter ideia do domínio desses dois times na liga, entre 1999 e 2010, apenas em 2006 nem o Lakers nem o Spurs foram para as finais da NBA. Nesse período foram 7 finais para o Lakers (5 títulos) e 4 finais para o Spurs (4 títulos). Foi uma década de grandes jogos entre esses dois times, de históricos confrontos em Playoffs e até final de conferência, e de muita rivalidade.

E meu irmão mais novo, Marcelo, decidiu torcer para o Spurs. Ele mesmo conta que foi um misto de admiração pelo time e o simples desejo de rivalizar com o irmão (no caso, eu). Nunca me esquecerei de um jogo de Playoffs entre Lakers e Spurs em 2004. Lakers 72 x 71 Spurs. 5.4 segundos para acabar o jogo. Bola do Spurs, nas mãos do principal jogador do time, Tim Duncan, cesta. Lakers 72 x 73 Spurs, 0.4 segundos para acabar o jogo. Nesse momento todos os jogadores do Spurs já comemoravam, o ginásio explodia de alegria. E meu irmão não perdia tempo em me zoar. Faltava menos de 1 segundo, não havia tempo para mais nada. Bola do Lakers, seus principais jogadores muito bem marcados e a bola decisiva cai nas mãos do coadjuvante Derek Fisher. Ele só tinha uma coisa a fazer: pegar a bola e soltá-la imediatamente em direção à cesta, e foi o que ele fez. 0.4, 0.3, 0.2, 0.1, 0.0 segundos, cesta do Lakers! 74 x 73, fim de jogo.

Lakers 74 x 73 Spurs (NBA Playoffs 2004)

Como eu zoei meu irmão naquele dia! Eu gritava, pulava em cima dele, dava tapas e tudo mais a que eu tinha direito. E assim foi até o fim da década, algumas vitórias e títulos do Spurs, outras vitórias e títulos do Lakers, a rivalidade só aumentando, mas ao mesmo tempo gerou-se em nós dois um profundo respeito pelo rival. E de tabela isso também contribuiu para que, além de irmãos, nos tornássemos amigos. O basquete não foi o motivo, mas foi um dos meios que nos proporcionou isso. Como sou grato ao basquete!

Celtics x Lakers (Finais NBA 2010)

Como falei, minha relação com meu irmão me fez também respeitar o seu time. Que time tinha o Spurs! Como o Tim Duncan jogava! Como Tony Parker e Manu Ginóbili o completavam! Que rival! Eu não queria o mal deles, pelo contrário, desejava que eles sempre estivessem bem, que jogassem muito e chegassem longe no campeonato, para que o Lakers pudesse enfrentá-los e ganhar! Isso valorizava ainda mais a conquista. E aí eu conheci o Boston Celtics, o maior rival da história do Lakers. Depois de duros anos entre 2005 e 2007, voltamos às finais em 2008. Kobe Bryant e o espanhol Pau Gasol lideravam o Lakers na esperança de novos títulos. Perdemos. Finais novamente em 2009 contra o Orlando Magic, ganhamos! Terceira final seguida em 2010, novamente contra o Celtics, mas agora campeões!

Kobe Bryant, 5 vezes campeão da NBA

E lá estava Kobe Bryant, MVP (melhor jogador) das duas finais em que fomos campeões, 5 títulos pelo Lakers, no auge de sua carreira. Kobe me proporcionou grandes jogos e grandes rivalidades. Quando ele anunciou sua aposentadoria em 2016, pude perceber o quanto ele era respeitado por toda a liga. A cada cidade fora de Los Angeles em que ia jogar, ele recebia homenagens e aplausos de todo o ginásio. Após sua morte, toda a liga ficou arrasada. Torcedores, jogadores e técnicos que foram seus rivais choravam em quadra nos jogos e em seu velório. A fala do técnico Doc Rivers (que dirigia o Celtics nas finais contra o Lakers em 2008 e 2010) foi uma das que mais me marcou nessa ocasião:

“As pessoas pensam que, porque você compete um contra o outro, você não tem um relacionamento e não gosta do outro. Acho que é exatamente o oposto. Às vezes, quanto mais você compete, mais respeito tem pelo oponente. É assim que eu me sentia com o Kobe.”, disse Doc Rivers em meio às lágrimas.

Respeito pelo rival, e não ódio. Entender isso, em conjunto com os princípios da fé cristã que eu professo, alterou a forma como eu encaro os esportes e as relações pessoais. Respeito pelo torcedor e time rival. Respeito por meus “rivais” na escola, faculdade ou trabalho. Respeito por aqueles que pensam diferente de mim na família, na igreja ou na sociedade. Respeito.

3. Excelência

Todos merecem respeito. Não importa o passado e coisas ruins que possam ter feito, não importa o presente e estilos de vida ou escolhas que discordamos, todas as pessoas merecem respeito. Mas, naturalmente, algumas pessoas são mais respeitadas que outras. Talvez possamos adicionar outro termo aqui também: algumas pessoas são mais admiradas que outras. Isso acontece por diversos motivos: gostos e afinidades em comum; habilidades e características que se destacam; ideais defendidos e vividos; talvez até mesmo uma simples posição social ou de poder conquistada.

Kobe Bryant, no Draft da NBA aos 17 anos (1996)

Kobe Bryant era (e é) respeitado e admirado por suas habilidades e características que se destacavam, mas, principalmente, por seus ideais defendidos e vividos. Em uma de suas primeiras entrevistas após se tornar um jogador do Lakers, aos 17 anos, ele disse: “Eu tenho a fome, a motivação e o desejo de ser o melhor jogador de basquete que eu possa ser”. Essa frase tem tanto significado! Ela se aplica a tantas situações! Ser o melhor que eu possa ser… Parece auto-ajuda, e sinceramente é um pouco mesmo. Mas, ele realmente vivia isso.

Quando Kobe tinha mais ou menos 12 anos, em um jogo de basquete do colégio, ele fez um total de zero pontos. E ficou muito mal com isso, chorou. Seu pai, vendo o filho envergonhado e sofrendo após o fracasso daquele jogo, chegou nele, deu um abraço e disse: “quando você marcar zero pontos, quando você marcar 60 pontos, eu vou te amar não importa o que aconteça”.

Kobe, relembrando esse momento, disse que

“essa é a coisa mais importante que você pode falar a um filho, porque a partir daquele momento eu pensei: ‘ok, isso me dá toda a confiança do mundo para falhar, eu tenho minha segurança ali’.”.

Ele conta que foi a partir desse dia que nasceu dentro dele o desejo de não ser um jogador que marca zero pontos, mas sim um que marca 60 pontos numa partida. E tudo começou com três passos: treino, treino e treino. Kobe entendia que, quanto mais ele treinasse, mais preparado ele estaria para jogar e vencer.

Dois anos após a partida dos zero pontos, aos 14 anos ele foi eleito o melhor jogador de basquete dos colégios no seu estado. Três anos depois, pulando a natural fase da universidade, ele foi direto do colégio para a NBA. E chegou dizendo que “queria ser o melhor jogador de basquete que ele poderia ser”. Ele não queria ser melhor jogador de basquete que Michael Jordan ou Magic Johnson. Ele queria ser o melhor Kobe Bryant que ele poderia ser.

São incontáveis as histórias de jogadores que se surpreendiam com essa filosofia de vida dele. Convites para festas e baladas recusados porque ia treinar. Um jogador rival que decide ir à quadra treinar na madrugada antes de um jogo decisivo, e quem já estava lá treinando sozinho? Kobe. O mesmo jogador treina do outro lado da quadra por horas, vai embora, e quem continuava lá treinando? Kobe. Histórias de treinos do Lakers super pegados, Kobe jogando como se fosse uma final, provocando os companheiros de time para motivá-los a ganhar o… treino!

“Quando eu acerto uma bola impossível no jogo, pra mim não é grande coisa, pois eu já repeti esse movimento e jogada centenas de vezes nos treinos”, ele dizia.

Treino, treino e treino. Quanto mais treinasse, melhor seria. Quanto mais treinasse, mais perto ele estaria de se tornar o melhor jogador de basquete que ele poderia ser. Essa era a sua busca pela excelência. Não é olhar para o outro e querer ser igual ou melhor que ele. É olhar para si e buscar ser o melhor que você pode ser. Aos 12 anos, Kobe decidiu não ser um “jogador de zero pontos” e sim um “jogador de 60 pontos”. É curioso pensar que, no último jogo de sua carreira profissional pelo Lakers, ele marcou 60 pontos (não foi a primeira vez, mas que é simbólico, é). Difícil analisar se o Kobe conseguiu ser “o melhor jogador de basquete que ele poderia ser”, mas, parece que ele chegou bem perto.

Kobe Bryant em seu último jogo da carreira, quando fez 60 pontos (2016)

Eu tenho a tendência de me conformar com a mediocridade. São tantas áreas da minha vida em que eu me vejo acomodado, sem fome, motivação, nem desejo de ser melhor. Talvez seja medo de falhar mais uma vez. Talvez seja falta de confiança num amor incondicional, que me dê a segurança de poder falhar e recomeçar. Mas refletir sobre a vida do Kobe me motiva a sonhar novamente. Lembra-me de quem eu sou, daquilo em que eu acredito, e do maior amor incondicional que alguém poderia ter, e me mostra que basta somente recomeçar e perseverar.

4. Recomeço

Falando sobre recomeçar, essa é uma das características do basquete que eu mais admiro. Se erra muito no basquete, o tempo todo.

Lebron James (2019)

LeBron James, considerado o maior jogador de basquete da atualidade, acerta hoje 48,9% de seus arremessos. Giannis Antetokounmpo, o MVP da última temporada, acerta hoje 54,9% de seus arremessos. Kawhi Leonard, melhor jogador do time campeão da temporada passada, acerta hoje 46,3% de seus arremessos. Michael Jordan, considerado o maior jogador de todos os tempos, acertou em sua carreira cerca de 49% de seus arremessos. Podemos dizer que um excelente jogador de basquete erra, em média, metade (50%) de seus arremessos em todos os jogos.

“O que você mais admira são os erros?”, claro que não. Uma das coisas que eu mais admiro no basquete é a maneira como os jogadores lidam com seus erros. É a capacidade que eles têm de, a cada 24 segundos (ou menos), recomeçar. Como lidar com um passe errado? Ou com um arremesso bizarro longe da cesta? Focando na defesa e tentando novamente no próximo lance de ataque. Um jogo de basquete é assim, e isso me encanta.

Kobe Bryant, campeão e MVP das Finais da NBA (2010)

Nunca me esquecerei do último jogo das finais da NBA em 2010, Lakers x Celtics. Kobe Bryant fazia uma série de jogos incríveis, média de pontos super altas, imparável! A série estava empatada em 3x3, quem ganhasse o jogo seria campeão. E o jogo era na casa do Lakers, tinha tudo pra ser mais um grande jogo do Kobe. Mas o que aconteceu? Ele errou praticamente tudo que tentou, acertando apenas 25% dos seus arremessos. Irreconhecível! O jogo foi parelho até o final e quase perdemos. Mas em meio aos muitos erros e poucos acertos, Kobe estava ali, liderando o time nos rebotes defensivos (foco na defesa!), sofrendo faltas e acertando os lances livres. De pouquinho em pouquinho, chegou aos 23 pontos e 15 rebotes, levando o Lakers ao título.

Outro dia marcante foi o do jogo contra o ainda coadjuvante Warriors, em Abril de 2013. O Lakers precisava da vitória para se classificar aos Playoffs, e estava perdendo o jogo por 2 pontos a 3 minutos do fim, até que o pior aconteceu: Kobe sofreu uma falta e se lesionou (rompeu o tendão de Aquiles, 9 meses em média para recuperação). Completamente abatido, pois sabia que essa lesão o tiraria do restante da temporada, Kobe foi mancando até a linha do lance livre, cobrou os dois lances livres a que tinha direito por conta da falta que sofreu e os acertou. Saiu imediatamente, mancando e cabisbaixo, em direção ao vestiário. Mas deixou o jogo empatado, contribuindo para que o time alcançasse a vitória e se classificasse aos Playoffs.

Kobe Bryant cobrando lances livres machucado contra o Warriors (2013)

Creio que esse foi um dos recomeços mais difíceis para o Kobe. Meses de recuperação de uma complicada lesão. Movimentos limitados, idade avançada, mas ele recomeçou mais uma vez. As temporadas seguintes não foram de grande sucesso, até que ele entendeu que seu corpo não aguentava mais e decidiu se aposentar ao fim da temporada em 2016.

Nesse momento, eu só tinha a agradecer ao Kobe. Eu já estava imerso no mundo da NBA e já entendia que o Kobe tinha tudo a ver com isso. Era meu sonho, quem sabe, vê-lo jogar de perto um dia. Porém era um sonho muito distante, ainda mais com o anúncio de sua aposentadoria. Mas Deus foi muito bom comigo. Ele me deu uma esposa maravilhosa que “comprou” esse sonho comigo, e super me incentivou a alcançá-lo.

Eu e minha esposa, Daphne, no Staples Center. Lakers 107 x Nuggets 100 (2016)

Tive o privilégio de vê-lo jogar de perto, na casa do Lakers, por dois jogos, em Março de 2016. Uma vitória e uma derrota, dois belos jogos de Kobe, gritos de todo o ginásio em sua homenagem, momentos que nunca esquecerei. Foi realmente um sonho realizado. Eu vi Kobe Bryant jogar. Dizem que o Kobe Bryant é o Michael Jordan daqueles que não viram Michael Jordan. Não vi Michael Jordan, mas vi Kobe Bryant, e tenho muito orgulho disso.

Staples Center, Los Angeles (2016)

Lealdade, rivalidade, excelência e recomeço. Kobe Bryant viveu essas verdades no contexto do basquete como poucos. E acompanhar isso de perto moldou meu modo de encarar o esporte e, dadas as devidas proporções, a vida.

Como sempre, eu faço diversas relações do basquete com a vida. E, olhando para mim mesmo diante disso tudo, só consigo pensar numa coisa: como eu erro e sou falho! O tempo todo! Ainda bem que não tem ninguém contabilizando nossos erros e acertos, pois certamente a porcentagem de acertos seria bem menor que 50%. E relacionando isso com a fé que professo, também vejo a vida cristã dessa forma. Uma luta diária de recomeços.

A vida cristã não é sobre ser perfeito e nunca errar, mas sobre errar, se arrepender, e recomeçar. É sobre sim buscar a excelência em tudo que fizermos, mas é sobre saber que a busca pela excelência será longa e será em meio a erros e acertos, e que os erros, os fracassos, os choros e sofrimentos são o que nos trarão crescimento, amadurecimento, sabedoria e a força para perseverar. É sobre ter a convicção do amor divino mesmo diante de nossas falhas, e exatamente por isso termos a segurança de sempre poder recomeçar. A vida cristã não é uma vida de excelência, mas é uma vida de recomeços e perseverança que nos levarão um dia à excelência.

Camisas 8 e 24 de Kobe Bryant aposentadas no Lakers

Foi muito gratificante e leve acompanhar mais um recomeço do Kobe: sua aposentadoria. Seu último jogo, com incríveis 60 pontos. As homenagens recebidas, as duas camisas aposentadas pelo Lakers (8 e 24, o único jogador da história a ter duas camisas aposentadas por um mesmo time), o Oscar que ganhou (sim, ele ganhou um Oscar!). A mentoria que fazia com os jogadores mais novos da NBA e jogadoras da WNBA. Suas idas ao Staples Center para ver os jogos do Lakers como torcedor, geralmente acompanhado por sua filha Gigi. O tempo que passava com a família, e suas declarações dizendo que isso era o de mais importante e valioso em que poderia gastar seu tempo. Estava tudo bem. Até que o terrível acidente aconteceu, nove pessoas morreram, entre eles Kobe e Gigi.

Gigi e Kobe no Staples Center (2019)

Era domingo de tarde, eu estava assistindo ao clássico São Paulo x Palmeiras, quando no intervalo entro no Twitter e vejo as primeiras notícias. Após o primeiro susto comecei a buscar confirmações da informação, na esperança de que fosse mentira. Quando veio a confirmação, não conseguia fazer nada mais senão chorar. O clássico já perdera sua importância. Desci as escadas, contei para minha esposa, e caí no choro mais uma vez em seu colo… Assim foi quase a tarde inteira. À noite encontrei meu irmão, meu “rival” torcedor do Spurs, e no abraço que demos não me contive e calhei a chorar mais uma vez.

Creio que minha esposa e meu irmão são os únicos que chegam perto de entender o que eu estava sentindo. Era difícil explicar, mas parecia que eu havia perdido um grande amigo. Escrever este texto me ajudou muito a entender melhor o que eu senti e sinto em relação a isso. Na verdade, eu perdi uma referência. O basquete é parte importante de mim, e Kobe, o Black Mamba (seu apelido), teve relação direta nesse processo.

Sou grato pela vida dele, pela paixão por basquete, NBA e Lakers que ele, como personagem principal, ajudou a construir em mim. Paixão essa que me proporciona tanta reflexão e inspiração para a vida, como expus neste texto. E agora… Bom, é hora de recomeçar.

Kobe e Lebron (2019)

Rest In Peace, Mamba.

#MambaForever

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