Uma conversa saudável sobre Arte

Rodrigo Bino
Textando
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10 min readSep 28, 2017

Tive uma conversa pública bem legal no dia 11/9 com meus amigos do Facebook. E acho que não deveria estar só lá, então trouxe uns recortes para cá também.

A maioria que comentou é cristão protestante, então você perceberá que há alguns pressupostos nos comentários.

Esclarecimentos dados, vamos a conversa:

EU: Começou a semana.
Aí, ontem comecei a preparar um estudo sobre cultura e arte para o eH, quando me aparece o caso Santander.

Os caras encerraram uma amostra de arte por ter muito apelo contra o que o cristianismo acredita Sobre sexualidade.

E vocês o que acham desse episódio?

Obede Franklin: Acho que, acima da questão da sexualidade, está o escárnio com a religião. A mostra foi direcionada a afrontar o cristianismo.

Ana Dias: Arte é expressão cultural de um povo, além, é claro, a visão do artista.
No entanto, essa mostra cultural desrespeita símbolos cristãos: cruz, hóstia e outros. Além de expor as crianças de uma forma sexual depravada.
Vivemos tentando preservar as nossas crianças dessa violência sexual e a dita exposição vai na contramão do que a sociedade brasileira de bem deseja. Foi uma ideia infeliz.

Jessica Grant: Achei isso aqui importante: http://zh.clicrbs.com.br/quais obras causaram o fechamento da exposição

Jessica Grant: Só um comentário de alguém que não só gosta de estudar arte como também é maluca por museus: a arte é muito importante pra expressar o que a sociedade não expressa. Se um dia a arte expressar só o que eu quero, eu perco uma das formas de conhecer o mundo em que estou. De toda forma, achei que tinha muito mais a ver com “queer” do que com “sexualidade”. Já vi coisa muito mais explícita em museus renomados e ninguém, ninguém, reclamando. Peças clássicas, algumas renascentistas, muito mais “escandalosas”. Algumas em igrejas! Tive uma reflexão interessantíssima também no museu de arte de Bali. Tinha vários setores de arte balinesa de épocas e tipos diferentes. E Bali até pouco tempo atrás as mulheres andavam com pernas cobertas, mas seios expostos. Aí chegou um setor que era justamente só retratos estrangeiros da ilha. CARA! Todas as mulheres que até então eram apenas mulheres normais andando por aí de repente viraram “mulheres sensuais”. Outros olhares, outras poses, e os seios sempre em evidência só por estarem pra fora. Eu acho esse debate bem mais relevante: o olhar objetificador do artista ocidental. Isso é tratado como natural, mas evidencia tanto sobre a sociedade ocidental e como essa vê outras culturas (o “exótico” é pra ser “consumido”, quase prostituído).

Felipe Urbano: estou sem palavras!

Henrique Ruas: Muita burrice ter atacado um evento por apenas intransigência.
O uso de religião no protesto e crítica não é nada novo. O uso da arte com imagens religiosas para crítica contra o preconceito é totalmente racional e compreensível.

Ao usar a imagem de Jesus Cristo (Deus me perdoe, mas Jesus se tornou um mascote da sociedade em vez de um exemplo de vida) eles criticaram a hipocrisia dentro da própria igreja que muito mais serve de clube pra quem pensa igual do que como ONG de caridade e de ideologias pacíficas.

Quem criticou as obras do “Jesus Shiva”, da “Criança Viada” e de vários outros que mostravam pedofilia e zoofilia criticaram as imagens mas não as mensagens. Eles viram o que queriam ver e só fizeram a mensagem de cada uma das pinturas valer mais, fechando a exposição em vez de realmente refletir no propósito dela que é justamente o que queriam nesse museu.

A única reclamação que valeu mesmo era da entrada de menores ser permitida. O que não faz sentido já que a exposição é totalmente sobre contextos complexos e extremamente polêmicos, o que confundiria uma criança em vez de educar. Deveria restringir por idade com censura para maiores de 18 anos mas NUNCA fechar um meio de comunicação, crítica e expressão por mais contraditório que ele seja.

Ana Dias: Talvez se tivessem tomado essa precaução não teria causado tanto escândalo.

Gabriel Brisola Da Cunha: Ia escrever mais coisa, mas acho que “falta amor, mas falta muita interpretação de texto”, resume bastante a questão.

Higor Valin: Mano, então…. Acho que não foi sobre religião e sexualidade… Acho que foi manobra política para aparecer um ano antes da eleição.. estardalhaço e mostrar serviço apenas.

Sobre a sexualidade e esses lances acho que a galera falou bem nos roles ai!

Jessica Grant: Rapaz, só uma coisa que eu tava pensando hoje de manhã quando vi uma pessoa compartilhar mais sobre esse assunto. O que eu não entendo é porque protestantes consideram a imagem visual de Jesus uma imagem sagrada e que fazer algo contra ela é blasfemo. É uma dúvida sincera. Não seria contra nossa declaração de fé o fato aquela imagem existir e o fato de considerar que ela remete a Jesus? Então, ao considerá-la, de toda forma, mesmo que sem “shiva”, já não seria dentro do espectro religioso considerá-la “blasfêmia’? Tô pensando alto aqui, não sei ainda expressar minha dúvida, mas fica o registro hahaha

EU: Também pensei o mesmo… Haha

Meio irônico né

Jessica Grant: É, ironia seria um termo interessante hehehe

EU: Mas pensando mais aqui…

a gente pegou a indireta e ficamos revolts

em termos de conteúdo e mensagem comunicada eles mexem com algo sagrado, mas imageticamente não.

mas aquela pintura representa o que muita gente pensa sobre Jesus, ou seja, ela de certa forma mostra a “verdade”. E isso nos dá uma pista de como falar com estas pessoas. (como vc disse, precisamos dialogar com o mundo )

Jessica Grant: hmm faz sentido. se convertido em texto, o conteúdo não ia dar tanto alarde mas também perturbaria. só acho que o pessoal reclamando poderia desenvolver melhor essa crítica nesse ponto. de toda forma, concordo muito com seu comentário. isso nos dá uma pista de como falar com estas pessoas. dá muita pista! lembro quando eu era mais nova e ouvi o Ziel falando que Marx tava certíssimo: a religião é o ópio do povo. se a religião me desliga da sociedade, se ela serve pra anestesiar minha vida, é ópio sim. tem esse lado de ouvir essas críticas e perspectivas: às vezes elas tão comunicando muita verdade sobre qual tem sido a função da religião no contexto. e essa verdade não é fácil de encarar…

EU: Jessica Grant eu carrego um ditado comigo: “Como podemos dizer que temos a resposta se nem sabemos qual é a pergunta?”

Acho que falta esse tato para nós cristãos (sendo genérico). De dialogar mais e monologar menos. Ter sensibilidade e ser menos genérico quando monologamos.

Como a gente gosta de um monólogo. Porque assim não precisamos nos envolver, não precisamos amar.

Gosto da ideia de dar uma volta na cidade e encontrar um ALTAR AO DEUS DESCONHECIDO e aproveitar isso para trocar uma ideia profunda, como fez nosso amigo Paulão rs

Nossos discursos soam sem sentidos quando rodo a timeline, ou seja, só crente entende outro crente. Pensando como um não crente, é tudo monólogo, é sal dentro do saleiro.

Jessica Grant: E-xa-to

Danilo Cardoso: Eu achei as reações muito exageradas. Como já disseram acima, acho que o mais interessante seria entender qual a mensagem que os criadores dessa arte queriam passar.

Porque da forma como a exposição foi abordada, a impressão que dá é que as pessoas agiram apenas por impulso e de forma reacionária, sem ouvir o outro lado.

Tava comentando com uns amigos, o que faz do incesto, estupro e outros problemas serem algo aceito quando consumimos Game of Thrones, por exemplo? São dois exemplos de arte que não passam os valores que acreditamos, sendo que no caso da série muitos cristãos assistem e não falam nada.

Tem uma série que tá dando o que falar sobre isso também que chama Preacher. No último episódio, se não me engano, usaram a imagem de Jesus de uma forma bem polêmica. Acho que vale a pena dar uma lida pra usar como referência também.

EU: Pois é… e eu me escandalizando com crente assistindo UFC…como faz? hahaha

Sempre tento não relativizar a verdade. Então, eu sim, me escandalizo com as imagens mostradas e acho válido o repúdio afim de “educar” a sociedade lembrando o que cristãos acreditam e repudiam, embora isto possa soar uma hipocrisia.

Aí me pergunto sinceramente: Foi exagerado mesmo? Ou eu estou me conformando com este mundo com medo de ser odiado por eles? No fundo temos medo de perseguição e não queremos que a profecia de Cristo se cumpra, onde diz que seremos odiados por nossa maneira de pensar.

Daí me lembro que eu não posso exigir que uma instituição secular se porte como uma instituição confessional. Mas isto não me impede de expressar em oposição também. É válida a nota de esclarecimento do motivo que nos leva a repudiar.

Mas é claro, a arte neste mundo caído se tornou relativa.

Como eu aprendi a interpretar imagens na academia eu faço o exercício de transformar em texto a arte. E quase sempre o choque acaba sendo menor.

Uma coisa é imaginar e outra coisa é mostrar o que eu imaginei, quase sempre é aí que choca. O que sai do coração do homem é venenoso, mas parece que quando exponho este veneno em imagem e música, o conteúdo fica mais potente. E aí, meu amigo, há o risco da imagem ganhar a interpretação que você estiver predisposto a fazer quando não se sabe interpretar uma imagem.

Estas artes, do banco, por exemplo, não acho que são manifestos gloriosos e belos. Elas só querem mostrar a verdade do coração decaído do homem, mesmo que sem querer. E infelizmente para alguns, eu posso chamar de arte, pois tem uma técnica, mas não sei se posso chamar de belo/glorioso. Talvez bem executado em contraste com a mensagem. (É difícil transformar coisas abstratas em imagem ou som. Há uma inteligência a ser admirada aí.)

Então, como um cristão, não posso me conformar com esta imagem, com esta arte. Mas não me conformar não quer dizer que é arte ou que devo fingir que não existe estes pensamentos depravado. Eles são reais e existem. Em sua oração, Jesus não quis tirar a gente do mundo, mas que fossemos livrados do mal. Ou seja, não é para nos isolarmos do mundão.

Há muita arte caída. Algumas não posso dizer que não é arte. Por mais caída que seja, ela se enquadra na definição. Se temos uma natureza caída, é óbvio que fazer arte caída é o caminho mais fácil. Fazer o contrário para nós, caídos, é muito mais difícil.

Porém, a arte bela e gloriosa está na natureza/criação. Pois quando observamos a natureza nos deleitamos e assim glorificamos a Deus por imensa beleza. Isso para mim é A Arte. Dificilmente alguém acha feia a natureza. Então, sim, é possível que a arte seja objetiva e faça com que todos achem belo.

Em tese, a arte num mundo cristão perfeito, tem como fim glorificar a Deus. E para isso ela tem que ter os atributos divinos, que são belos. Quando vejo um quadro com estes atributos, eu choro, eu deleito e glorifico a Deus. (mesmo se o artista não for cristão é possível que ele transmita algum desses atributos).

Mas um mundo sem este absoluto perde a âncora, perde o parâmetro. Aí, desconstruir a moral (que está baseada em Deus)¹ é só uma questão de tempo. E nossa noção de beleza ancorada no divino se perde, se questiona, se relativiza. É por isso que tem muita arte esquisita por aí ganhando prêmios.

Pois nós, humanos, encontramos um jeito desfragmentado/desconstruído e todo errado de dizer nossas verdades. Já que não há parâmetro, podemos questionar o belo/glorioso e desconstruí-lo. Agora você não pode definir mais qual arte é bela, ou o que é arte e o que não é.

Fica difícil até de definir e se posicionar com tanto relativismo² e subjetivismo. E aí a gente se pergunta. A arte é objetiva?

Embora a arte esteja relativa hoje, elas podem conter verdades, ainda que imperfeita. Elas comunicam algo que precisamos entender, pois a arte dita muitas tendências para sociedade. E nós temos que ficar ligados com esses movimentos.

Não podemos esquecer de que precisamos estabelecer um parâmetro objetivo com intuito de analisar uma obra em qualidade.

No fim, a arte está expressando o que o mundo grita³ e nós não sabemos interpretar os dois, a arte e o mundo.

NOTAS

  1. Explico melhor sobre a moral ser baseada em Deus neste artigo: CERTO E ERRADO
  2. Sobre o relativismo fiz um texto curto sobre como Jesus lidava com os relativistas: COMO JESUS LIDAVA COM RELATIVISTAS
  3. E neste último argumento que é saudável ouvir o mundo:
    OUÇA O MUNDO

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