Entre palavra e silêncio, a liberdade

Barbra Tenório
Textos.Hibridos
Published in
3 min readNov 4, 2020
Barbra Tenório

Já havia passado algumas horas. Ela lera tudo o que podia a respeito. Sabia o que tinha que fazer e o que tinha que dizer. Estava chegando o momento. Ela estava nervosa e impaciente, mas acreditava no seu potencial e existia alguma chance daquela vaga ser sua.

Haviam marcado às três e vinte da tarde. Ela chegou com quinze minutos de antecedência. Teria tempo de se organizar e rever suas anotações. Era incansável seu jeito de ir até o último minuto com a preparação. Já havia feito várias entrevistas, conhecia o processo. Iria dar tudo certo. Mas mesmo assim insistia em reforçar mais esta ou aquela argumentação. Gostava de prever as perguntas. Sua única desvantagem era o idioma. Por isso havia treinado muito com seu professor particular. Não havia como dar errado.

Aquela sala de espera a deixava ansiosa. Já eram três e meia e um outro candidato continuava na sala de entrevistas. Tudo em madeira, os revestimentos, os móveis e tudo que se encontrava na sala. Ela se sentia como parte daquilo, estagnada como um pedaço inerte e madeira, esperando seu destino ser traçado na madeireira que ficava detrás daquela porta de mogno. Aquela sala tinha um aspecto sombrio e ela continuava encarando a porta de acesso à sala de entrevistas. Era como se da escuridão ela desse acesso à luz, a uma luz que prende, que te força a ficar, a falar, a argumentar…. Era como uma prisão das palavras. Ali o silêncio sufocante e denso e escuro; sombrio.

Do outro lado o som, o teatro de quem conduz melhor o discurso e ganha a vaga. Nenhuma opção era libertadora para ela. Eram duas prisões e ela não sabia em qual gostaria de estar. Não tinha para onde fugir. A fuga a levaria para uma prisão ainda pior, da sua própria alma, sem confiança e nenhuma coragem. Estaria coibida a querer ter e não poder, desempregada. Estaria presa às vontades, mas sem poder reagir a satisfazê-las. Encararia a prisão das palavras. Ou se libertaria da sua condição atual pelas palavras?

Ouvia muitas pessoas falarem que a palavra liberta. Ela estava prestes a testar tal certeza. Suas palavras tinham esse poder? De libertá-la? Libertá-la daquela situação de fraqueza e impotência em se encontrava nos últimos oito meses? Estaria liberta ou se encaminharia para a prisão do compromisso de cumprir quarenta horas semanais e ainda dar conta da casa? Sim, sua condição de mulher exigia ainda mais, dupla ou tripla jornada. O que seria liberdade então? Começou a se questionar…

Bebeu um gole d’água. Respirou fundo. Havia mais de quarenta minutos que outro candidato estava lá dentro. Precisa controlar sua ansiedade. O tempo parecia parado. Vozes vindo da sala iluminada, lá o tempo corria, a pessoas falavam, risos, cumprimentos… Arrastes de cadeiras, provavelmente havia terminado aquela sessão. Logo chamariam seu nome.

Chegou sua vez. Senhora Clarice M. Levantou-se rapidamente da cadeira em que esperava sua vez e entrou na sala sentencial. Mas ainda não sabia se conseguir aquele trabalho seria sua sentença de liberdade ou a homologação da sua prisão perpétua. Tinha medo. Ela precisava mesmo daquilo? Começou a questionar internamente seus valores e seus quereres. Eram muitos. Mas só a sobrecarregavam. Alcançar tudo que achava que deveria alcançar não necessariamente vinha de uma vontade íntima e genuína, mas talvez fosse fruto de imposições e padrões que ensinavam que este, apenas este seria o caminho possível para ser feliz. O que deveria ser mesmo a felicidade? Àquele ponto ela já não o sabia.

Se acomodou na cadeira a ela destinada e nada conseguiu dizer.

Se viu presa no seu próprio silêncio.

--

--

Barbra Tenório
Textos.Hibridos

tentando organizar liricamente ou livremente as palavras que escapam do meu pensar.