Guerra Fria

Antônio Carlos Neto
Textos.Hibridos
Published in
Nov 10, 2020

A pancada soou seca no lado esquerdo da bochecha, ela sentiu o gosto de sangue na boca e o líquido quente escorrendo pelos cantos da boca. A vista mirou a pouca luminosidade na sala, um cômodo vazio e que em ecos repetia todo o som que captava. Apertando os punhos e juntando mais força nos braços conseguiu deferir mais um golpe, a pele macia e elástica cobriu também a sua própria pele feito massa mole de pão crua.

A bebida vampiresca havia manchado o seu colo, os seus seios caídos e sujos balançavam na dança/luta que seus membros realizava tentando se libertar, fugir. Os sentidos nunca foram parte suficiente de sua vida líquida, teorizava sonhos e a luta continuaria e nunca acabaria, afinal são as batalhas que cessam.

Sem motivos para continuar. — Os ecos iam e vinham nos corredores da mente. Aquela guerra fria insistia em acontecer, o oco do ser se fazia prisão.

A imagem no espelho refletia aquela inimiga, a automutilação, discórdia, medo e terror.

Enquanto limpada a dor, percebeu o corte na gengiva, o gosto de ferro pela língua, mãos cortadas e pequenos pedaços de vidro, a dor física tinha se despedido, o vazio interno batia forte e cortava sutilmente cada fibra da alma, despedaçava sem dó.

Ergueu-se quase num salto, pegadas vermelhas no piso claro, abriu a porta deixando os ecos e fantasmas para trás.

--

--