Pa — LAR — dar

Barbra Tenório
Textos.Hibridos
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3 min readOct 17, 2020
Barbra Tenório

Munguzá, canjica, tapioca, bolo de rolo, cucuz, com leite de coco…

Ah quantas lembranças trago dos sabores da minha terra!

Água de coco fresca, extraída na hora, comprada na garrafa de dois litros na esquina da casa de painho, minha nossa que saudade! Estar com sede, abrir a geladeira e tomar água de coco, geladinha! Não há experiência mais saborosa para uma pessoa com sede! Água saborizada que nada… água de coco…

E aquele cominho moído na hora para temperar com amor a comida de mainha?

Coentro, cebola, cominho e alho…mistura mágica que ainda uso para temperar tudo que faço pro lado de cá do velho mundo! Muito alho! Pro desespero dos alemães… Quem já se viu, existir um pacto social que proíbe o consumo de alho nos dias úteis com a justificativa do mau hálito deixado pelo delicioso alimento bulboso?

Mas não venho falar de hábitos alemães, aqueles que deixam de viver bem a vida e seus sabores para seguir protocolos sociais que não fazem o menor sentido! Tem sentido melhor que o paladar?

Falar de paladar pra mim é mergulhar fundo nos mares da minha juventude!

Embora eu tenha memórias gustativas que me lembram a casa de vovó, que me remetem a momentos da infância ou outras épocas lindas da vida, nem de tudo eu como hoje. Desde que adotei uma dieta vegetariana ainda na adolescência, e posteriormente vegana, minhas memórias gustativas me levam a lugares que não consigo mais alcançar! Mesmo assim tento sempre versões veganas de tudo que traz ou um dia trouxe prazer ao meu paladar…

Mainha foi fundamental no meu processo ideológico-ativista de mudança alimentar! Ela nunca deixou que houvesse uma mudança completa de sabor… suas mãos encantadas sempre prepararam as melhores opções e versões vegetarianas ou veganas para que eu nunca perdesse o amor pela comida! Sim… este sempre tive! Amor mesmo… para mim sentar à mesa e ‘paladariar’ é coisa divina, é afeto, é conforto.

Comer pra mim é um dos melhores prazeres, e deve ser assim para muitos, desde muito tempo. Não à toa, a gula é um pecado capital. E deste crime sou mesmo culpada. Os apelidos que tinha na infância, colocados por meu pai, eram quase todos relacionados à comida ou à minha vontade de comer. Culpada! Pecadora! Era mesmo gulosa…. Confesso. Ainda o sou!

Experimentei inúmeras possibilidades de sabores, diversos tipos de culinária, africana, asiática, mediterrânea, mexicana, portuguesa, italiana… mas sabe do que gosto mesmo? Da culinária brasileira. Que delicia aquela Moqueca de banana comprida com farofa que comi um dia desses num restaurante brasileiro em Berlim! Aquela Feijoada vegana que eu mesma faço com tofu, seitan, legumes e tempero defumado…. E o Mungunzá da minha mainha, com leite de coco, cravo e canela, que me recebe toda vez que volto pra casa, ou aquele cuscuz no leite coco fresco que me espera à mesa do café da manhã no dia seguinte à minha chegada nas terras do meu país.

Comer é meu alento! “Paladariar” sabores que me remetem ao meu lar me dá força para seguir e me faz lembrar sempre do meu lugar. Em alemão há uma palavra, Heimat, que é difícil de traduzir para o português , mas que tem a ver com uma relação íntima do indivíduo e seu lugar no mundo, com o seu lar. Pois bem, quando experimento sabores que me remetem ao meu eu mais íntimo, a memórias às vezes distantes, e que me tocam profundamente, reconheço minha Heimat, me conecto com ela. Meu lar, meu lugar nesse mundo, sem dúvida pode ser visitado pelas minhas experiências gustativas.

Concluo este pequeno relato entendendo que posso experimentar toda e qualquer culinária desse mundo grande e diverso. Mas minhas memórias e meus sabores estão e estarão sempre associados ao lugar de onde vim e onde amadureci meu paladar. O paladar é muito mais que sabor, é pra mim memória e pertencimento. É matar a saudade casa. É minha casa. É morada.

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Barbra Tenório
Textos.Hibridos

tentando organizar liricamente ou livremente as palavras que escapam do meu pensar.