Quarando na sala de estar

Barbra Tenório
Textos.Hibridos
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3 min readAug 6, 2020

Atrasada para o trabalho. São oito e meia e preciso estar pronta para receber as crianças às nove. Decido ir pedalando. Consigo chegar às oito e cinquenta. O café da manhã na mochila. Prefiro passar mais tempo na cama que à mesa. A manhã corre bem, cansativa, mas bem. Largo às treze, mas sempre tem aquele dia em que preciso ficar para organizar uma coisa ou outra. Hoje não foi um dia assim. Chego em casa às treze e quinze e me deparo com os varais de roupa estendidos pela sala, ao lado, o cesto de roupa limpa com as toalhas da noite anterior esperando pelo seu destino. Como pude me esquecer?

Havia lavado roupa ontem, tirei da máquina de lavar, mas as esqueci no cesto, que já estava cheio havia dias.

– Como ela pode ser tão relapsa? Olha só, saiu em cima da hora e continuamos aqui, até quando?

– Por que você fala assim? Ela tenta, infelizmente é daquele tipo de pessoa que não sabe se organizar bem.

– Pois é! Ela não sabe administrar o próprio tempo e ainda nos faz perder o nosso! Pois me diga, há quantos dias que estamos em pé e criando raízes em cima desse tapete ordinário, nesta sala de gosto duvidoso?

– Ah não fale assim, aqui não tem tanto espaço e é aceitável que fiquemos aqui, no lugar mais amplo da casa. Olha a vista dessa janela! Que privilégio temos!

– Como você se conforma com tão pouco! Estou acostumado a quintais amplos, com muito verde, muito vento. A cantoria dos passarinhos é linda! Aqui me sinto enclausurado.

– Mudando rapidinho de assunto, você não acha que ela precisa do espaço dela?! Que confusão esta casa! Livros para todos os lados. Pelo menos as plantas tiveram um destino digno e agora ocupam um bom lugar à janela. Você vê? Não somos apenas nós que estamos requerendo espaço. Percebo que ela também precisa do dela. Do canto dela, daquele casulo próprio dos viventes, em que eles podem extravasar, se expressar, podem ser. Você não acha?

– Acho apenas que ela é uma pessoa desorganizada e desatenta… Como pode se esquecer de apanhar as roupas que estende? Às vezes carrego esse peso por dias, sem descanso. Você viu que na última noite as toalhas dormiram dentro do cesto? É… pelo menos puderam aquecer os pezinhos umas das outras. Mas eu estou cansado de dormir aqui por dias de braços abertos e passando frio de madrugada. Ah se eu pudesse usar meus braços para fechar a janela e roubar um cobertor da primeira gaveta da cômoda!!

– Ah, eu gosto dela sabe? Me parece aquele tipo de gente de espírito livre! Gosto disso. Desprendida. Queria ser mais próximo dela!

– Aff… Não! Desprendida até demais né? A cabeça chega nem funciona! Começa as coisas e não termina. Não tem foco pra nada! Não sei onde vai parar desse jeito!

– Pois gosto dela assim! Aposto como deve ser leve, animada…

– Mas quando bota pra chorar… para mais não! Não, não aguento! Muita volatilidade pro meu gosto! Indico mesmo uma terapia!

– Shhhhh!!!! Ela chegou! Silêncio, silêncio!

– Até parece que ela nos dará ouvidos! Posso tagarelar aqui por dias e reclamar um lugar confortável! Ela passará por mim como se eu fosse uma porta!

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Barbra Tenório
Textos.Hibridos

tentando organizar liricamente ou livremente as palavras que escapam do meu pensar.