Visão periférica

Conto Comigo
Textos.Hibridos
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2 min readAug 12, 2020
Imagem: Pixabay

Essa casa ficou quieta demais depois que começou um tal de lockdown. Não sei o que é isso, mas o fato é que o filho da vizinha não aparece aqui há dias. Ainda bem, porque além dele sempre me puxar pelo rabo ele baba em mim e eu morro de nojo.

A Madalena acorda e dorme umas três vezes por dia, o sofá já está com a marca do seu corpo. Ela insiste em assistir séries, mas fica entediada logo nos primeiros quinze minutos e desliga a TV, quem sofre com isso sou eu, que não fico sabendo como termina a história.

Começou a ler o mesmo livro três vezes, não consegue se concentrar, alterna entre um parágrafo e o celular. Aparentemente está todo mundo com tempo livre porque são várias chamadas de vídeo ao longo da semana, me senti constrangido quando ela começou a me exibir pra galera. Eu não sou um brinquedinho, eu sou famoso, contratado da Disney, melhor do que ela.

A rainha do sedentarismo também decidiu dançar uma vez por dia. Cada coreografia é uma vergonha alheia que eu passo. O professor vai pra esquerda, ela pra frente, ele pula, ela agacha, mãos pro alto, ela gira. Coordenação motora nota dó.

O que compensa ter essa senhora em casa é o perfume que invade a sala toda segunda-feira. Eu sempre tento adivinhar o sabor do bolo da semana, o mais cheiroso foi o de maçã com canela e o ritual é sempre o mesmo: ela come o bolo com sorvete, tomando chá, sentada no sofá assistindo à novela. Metade do bolo cai no estofado, o sorvete derrete rápido e começa a escorrer do prato pingando na almofada, tudo isso acompanhado da Carminha gritando ¨Inferno!¨. Ela insiste nessa novela repetida, é muito tempo livre pra não saber como preencher.

Juro que se não fosse um Tiranossauro Rex eu enforcava essa doida.

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Uma mente inquieta que usa a escrita como forma de limpar o HD.