Fichamentos dos contos

De horror, mistério e loucura

Sophia Kraenkel
TFG_sophia_amanda_2017
12 min readMar 2, 2017

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H. P Lovecracft

O Chamado de Chutlhu

O Chamado de Chutlhu é um conto em que um jovem, Francis Wayland Thurston, fala sobre os documentos que seu tio, George Gammell Angel, professor da Universidade de Brown, coletou sobre estranhos delírios sobre um monstro chamado Chulthu. Ele havia encontrado diversos relatos sobre delírios em um mesmo período, no qual ocorreram também fatos estranhos. Cultos profanos com sacrifícios de pessoas para uma imagem de um monstro com cara de polvo, artistas e loucos narram delírios sobre uma cidade terrível e todas repetem uma frase sobre o retorno de Chulthu. Seu tio morreu misteriosamente perto de um porto e o narrador suspeita que não foi um acidente. O mesmo ocorreu com um marinheiro que narrou estranhos acontecimentos no mesmo período. Depois de sua morte um documento narra que ele encontrou a porta para a cidade antiga de Chulthu e que o monstro havia emergido do mar e o perseguido o navio do capitão, porém o homem conseguiu fugir. Francis agora teme pela sua vida por saber demais.

“… todo esse conhecimento dissociado revelará terríveis panoramas da realidade e do pavoroso lugar que nela ocupamos, de modo que ou enlouquecemos com a revelação ou então fugiremos dessa luz fatal em direção à paz e ao sossego de uma nova idade das trevas”

"Se o céu algum dia quiser conceder-me uma benção, esta será o esquecimento absoluto do acaso que dirigiu meu olhar a um pedaço de papel usado para forrar uma estante."

Diversas vezes o narrador fala sobre o conhecimento enlouquecedor e que a ignorância é uma benção. Ele cético, acadêmico, racional, preferiria viver nas sombras da ignorância do que ter descoberto um segredo tão perigoso e tão incrivelmente horrível que questiona tudo que ele conhece. Essa sabedoria o enlouquece e o faz perseguir a verdade mesmo quando sabe que ele irá morrer, assim como morreu seu tio.

Dagon

Dagon é um conto pequeno sobre um relato de um homem que se perdeu no mar, após ter fugido de um navio que havia capturado a ele e a sua tripulação. Ele acabou em uma ilha pantanosa, na qual andou muitos quilômetros, subiu uma enorme montanha e do outro lado encontrou um monolito com uma escrita estranha em hieróglifos de um povo desconhecimento. Havia imagens de estranhos seres marinhos. Enquanto ele observa o monumento um enorme ser peixe, com estrutura de homem aparece igual ao representado no monolito.

"figura era muito humano, apesar de mãos e pés com membranas nadatórias, dos impressionantes lábios carnudos e molengos, dos olhos vidrados, arregalados, e de outros traços de lembrança desagradável."

O narrador é muito questionável, viciado em morfina, delirando da abstinência e da confusão do mar, da solidão e da caminhada, não se sabe se o que aconteceu foi real ou não. Nem mesmo o narrador pode dizer com certeza que não foi um sonho, porém a sua vida nunca mais foi a mesma e nem a morfina consegue apagar os horrores de seus pesadelos.

A Sombra de Innsmouth

O conto A Sombra de Innsmouth dá uma nova luz aos outros dois contos interligando Dagon como uma entidade louvada por uma “igreja” e com Chutlhu, Ancião supremo que espera o dia para conquistar novamente a Terra.

Esse conto fala sobre um povo horripilante e asqueroso (Deep ones), “sapos-peixes” com mas com uma estrutura antroposofica. Esses seres das águas acasalaram com os seres humanos da cidade de Innsmouth criando um povo estranho, aparentemente humano porém de olhos arregalados que nunca piscam, nariz achatado, rosto fino, mãos grandes e pouco amigável com forasteiros.

Humana com ancestrais "deep ones"

A história é estruturada de uma maneira interessante. Um jovem viajando a turismo para a cidade de origem da sua família materna procura uma alternativa barata para chegar na cidade. Pessoas indicam ele ir de trem, mas existe um ônibus, pouco utilizado que passa pelo vilarejo de Innsmouth, um local que as cidades da redondeza evitam e não gostam de falar sobre porque seus moradores são estranhos e vários forasteiros sumiram ao visitar o local. Ele se intriga sobre o lugar e decide passar o dia lá. Em sua viagem ele ouve de um bêbado uma história estranha sobre esses seres marinhos, sobre sacrifícios de humanos para Chulthu em troca de pesca abundante e jóias.

O bêbado é uma pessoa muito pouco confiável e o narrador não se convence, porém seus relatos são reais. Depois de quase morrer na cidade o narrador foge e chega ao seu destino. Lá ele descobre conexões nefastas e pertubadoras sobre essas criaturas e sua própria genealogia. Ele lembra de um primo que se matou depois de pesquisar suas origens e de outros de aparência estranha que enlouqueceram. No final ele mesmo se torna um homem-sapo que louva Chulthu, pois sua própria avó não era humana.

Jorge Luis Borges

La Muralla Roja, apartamentos labirínticos construídos por Ricardo Bofill na Espanha inspirados na arquitetura árabe

Os Imortais

Esse conto é bem interessante porque segue um caminho narrativo semelhante aos outros contos que estamos estudando. Inicialmente um general romano sai em uma jornada em busca da imortalidade. Porém ele perde todos os homens em seu comando e vaga no deserto e a sozinho até sem querer beber a água da imortalidade encontrar a cidade labiríntica dos Imortais. Os delírios provocados pelo calor do deserto e pela solidão colocam em dúvida se a aventura do homem é real. No final o narrador explica que ele escreveu a história misturando as falas de diversos personagens, um deles é Homero, mas a explicação não esclarece e sim confunde o leitor ainda mais sobre o que é real e o não real e coloca em cheque a credibilidade do narrador em primeira pessoa.

Villa Pisani, labirinto na Itália

Aben Haram, o Bokari, morto em seu labirinto

Essa é uma história de dois jovens conversando sobre uma lenda local de Aben Haram e sobre sua veracidade. O que eu achei interessante nesse conto é alguns aspectos específicos do labirinto.

Primeiro que ele fala que no labirinto deve sempre virar a esquerda até achar o centro, mesma coisa que Borges fala em "Os Caminhos que se bifurcam".

Outro aspecto é que ele fala que a cidade é um labirinto, especialmente Londres, e que é muito mais fácil se esconder em uma cidade como Londres do que em um labirinto (estilo do minotauro).

Os dois reis e os dois labirintos

O rei de uma ilha da Babilônia construiu um labirinto mágico impressionante. Quando um rei árabe vai visita-lo o rei da Babilônia zomba da simplicidade de seu visitante e o coloca no labirinto. O rei árabe pede a Deus Alá para sair dali e Alá lhe dá uma porta. Ele não fez nenhuma queixa, mas fala que na Árabia ele mesmo tem um labirinto e que um dia o rei da Babilônia irá conhece-lo. Ao voltar a Árabia ele une vários reinos e dizima a Babilônia e aprisionando rei. Ele o leva até o meio do deserto, seu labirinto sem paredes e sem escadas, no qual o rei da Babilônia morre de fome e sede.

Esse conto é interessante porque também fala dos labirintos naturais, os labirintos que estão espalhados pelo mundo, sem paredes, sem aviso e sem pompa.

Projeto da portuguesa Inês Ribeiro

O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam

Esse conto é mais um que fala sobre o labirinto. Nesse conto um chinês, a serviço do governo alemão foge de um capitão irlandês durante a Segunda Guerra Mundial.

Para fugir ele vai até a casa de um homem chamado Albert, um inglês, que morava em uma casa no meio de um jardim. Para encontrar a casa ele tinha que virar sempre a esquerda nas bifurcações, técnica comum para achar o centro de um labirinto.

Porém o labirinto central do conto, não é o jardim e sim um livro escrito pelo antepassado do chinês. Cada história presente no livro possui bifurcações nos destinos dos personagens e cada destino gera uma nova versão da história. Assim o livro é um labirinto infinito de bifurcações. Albert explica que o livro é uma metáfora do tempo, porque para o autor existem múltiplos tempos simultâneos, tanto paralelos como convergentes e que todos se bifurcam em outros futuros.

Robert W. Chambers

Robert W. Chambers

O Rei Amarelo

Durante minha convalescência, comprei e li pela primeira vez O Rei de Amarelo. Lembro, depois de terminar o primeiro ato, que me ocorreu que era melhor parar por ali. Arremessei o volume na lareira, mas o livro bateu na grade protetora e caiu aberto no chão, iluminado pelas chamas. Se não tivesse visto de passagem as primeiras linhas do segundo ato, eu nunca teria terminado a leitura, mas, quando me levantei para pegá-lo, meus olhos grudaram na página aberta, e com um grito de horror, ou talvez tenha sido de alegria, tão pungente que o senti em cada nervo, afastei o objeto das brasas e voltei em silêncio e tremendo para meu quarto, onde o li e o reli, e chorei, e ri e estremeci com um terror que às vezes ainda me assola.
Robert W. Chambers,
O Rei de Amarelo, pág. 22

4 contos do livro O Rei Amarelo falam diretamente do livro do mesmo nome eles são O reparador de reputações, A máscara, No Pátio do Dragão e O Emblema Amarelo. Neles todos as personagens que leem a peça do Rei Amarelo ficam loucos e obsessivos e acabam tendo um terrível destino.

O livro não fala sobre o verdadeiro conteúdo do livro enlouquecedor, apenas mostra trechos enigmáticos sobre Carcosa, lugar criado pelo escritor Ambrose Bierce. O Rei Amarelo é descrito como uma entidade misteriosa vestida com um manto amarelo que aparece para aqueles que estão em estado de loucura.

A coletânea lançada pela editora Instrinseca possui outros contos que tem uma relação enigmática com o Rei Amarelo, identificada apenas através da análise de Carlos Orsi sobre cada conto, mas sem nenhuma menção direta feita pelo autor.

A cor amarela tem um significado muito importante nessa obra, pois, no século XIX, essa cor “era o matiz do pecado, da podridão, da decadência e da loucura”, a ponto de a principal revista literária de Londres, em 1890, chamar-se O Livro Amarelo. (Carlos Orsi)

De acordo com Carlos Orsi, especialista na obra de Chambers, a peça Salomé (1893), de Oscar Wilde, que foi censurada durante 40 anos na Inglaterra, é muitas vezes apontada como a “versão real” da peça fictícia O Rei de Amarelo, existente no universo do livro homônimo, O Rei de Amarelo, de Robert Chambers. Oscar Wilde também é homenageado em O reparador de reputações cujo personagem principal se chama Sr. Wilde.

Referências na literatura:

H.P. Lovecraft — O Rei de Amarelo, Carcosa, Hastur e Hali aparecem como referência no famoso romance O chamado de Cthulhu

Neil Gaiman — o autor de Sandman admite que foi profundamente influenciado por Chambers. Carcosa aparece em alguns de seus contos e Hastur é um anjo caído em Belas maldições

Stephen King — em A maldição do cigano, Hastur é um bar destruído em um incêndio. Em seu lugar, é construída uma loja chamada O Rei de Amarelo.

Edgar Allan Poe

O Gato Preto

O conto "O Gato Preto" conta a história de um homem que antigamente era amável, adorava os animais e sua gentil esposa, ele fala isso no começo, como se afirmasse que ele é um homem normal e são. Porém com o consumo desenfreado de álcool ele se transforma. Vai de um homem são e gentil para um homem violento que age por impulsividade. Ele tinha um gato preto que ele adorava, mas que aos poucos começou odiar. Ele odiava o amor que o gato sentia por ele e uma noite, após a bebedeira ele cortou fora o olho do gato. Depois de um tempo ele enforca o gatinho e na mesma noite do crime sua casa pega fogo. A silhueta de um gato é encontrada marcada nos restos da cabeceira do quarto que havia pegado fogo. Depois de um tempo ele adota um gato frajola que viu no bar, impulsivamente. Ele não vê logo de cara, mas o gato também só tinha um olho. O gato começa assombrar o protagonista com amor, lembrando-o de seu crime. Ele decide matar o gato com um machado, mas sua esposa o impede. Ele mata a esposa e o gato some. Suas marcas de loucura são que ele não sente remorso de nada e age por perversidade, apenas com vontade de fazer algo errado/ruim. Ele empareda a sua esposa no porão. Quando os policiais vão a sua casa ele finge que está tudo bem, porém, sem saber o porque ele começa a falar da bela construção da casa e dá um tapa forte bem onde está o corpo. Um guincho sai da parede que começa a tombar e é revelado o corpo da esposa e o gato frajola que estava sobre ela.

O manuscrito encontrado em uma garrafa

Essa história é um relato de um aventureiro. O narrador começa o conto falando sobre a sua personalidade, como ele é racional, metódico e pouco interessado em superstições. Após provar sua sanidade ele inicia a história de sua aventura em si, na qual ele sai em uma expedição em um navio porém apenas ele e um sueco sobrevivem uma enorme tempestade. Sem conseguir guiar o barco, eles acabam navegando para terras distantes da praia, um lugar em que o sol não se levanta mais. Em um noite sem fim eles avistam um navio enorme e estranho que bate com a embarcação deles. Apenas o narrador sobrevive, pois ele cai dentro do outro barco. Nele a tripulação consiste apenas de velhos e nenhum deles percebe sua presença, mesmo quando ele caminha em suas frentes. Nesse mar negro de uma noite eterna, ele começa a ver paredes de gelo que também não parecem ter fim. O narrador começa a escrever relatos mais desesperados e termina o seu relato sem dizer o final. Uma nota explica a teoria de Marcator na qual o oceano é feito de 4 bocas que desembocam no Abismo Polar (norte) que engole os mares para dentro da Terra.

O coração denunciador

Esse conto é sobre obsessão e loucura. Mais uma vez o conto começa com o narrador afirmando sua sanidade, porém ele já fala que tem aqueles que o chamam de louco. Ele conta que decidiu matar um velho que tinha um olho embranquecido pela catarata porque esse olho o incomodava. Ele conta como ficou 7 noites seguidas entrando no quarto do homem com tanto cuidado que demorava quase 1 hora para abrir a porta e enfiar sua cabeça. O modo como ele conta mostra a obsessão desse homem e a loucura perversa que ele possui. Ele eventualmente mata o velho que além do olho também tinha um batimento cardíaco alto que esteva o incomodando. Ele corta o cadáver e enterra no assoalho. Parecido com o Gato Preto, os policiais receberam uma denuncia de um grito e vão fazer uma vistoria em sua casa, o narrador por impulso insiste que eles conversem no quarto do morto. Porém um barulho começa o incomodar, um barulho que os policiais ignoram, mas que o enlouquece. Esse barulho era o coração do velho. Ele se entrega a polícia de tão incomodado e maluco que ele fica com o barulho.

Referências:

LOVECRAFT, H.P. Os Melhores Contos de H.P.Lovecraft. São Paulo. Hedra, 2015.

CHAMBERS, Robert W. O Rei Amarelo.Rio de Janeiro. Intrínseca, 2014.

BORGES, Jorge Luis. O Aleph. São Paulo. Companhia das Letras. 2008.

POE, Edgar Allan. Contos de Imaginação e Mistério. São Paulo. Tordesilhas, 2012.

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