Texto “A IARA” por Ricardo Azevedo

Amanda Sakai
TFG_sophia_amanda_2017
3 min readMar 9, 2017

Ricardo Azevedo é escritor, ilustrador e pesquisador brasileiro, nascido em São Paulo em 1949, autor de diversos livros para crianças e jovens leitores. Ele também deu palestras e publicou pesquisas e artigos sobre cultura popular brasileira, literatura, poesia, música e ilustração de livros.

A Iara representa o desejo proibido, a tentação. Está ligada àquelas coisas que a gente tem vontade de fazer mas sabe que é melhor não.

Dizem que é uma mulher belíssima, um ser encantado, habitante do fundo das águas. Em certas regiões, é conhecida como Mãe-d’Água, a dona das águas, dos rios, dos lagos, lagoas e igarapés. Graças a seu canto mavioso e a sua beleza inigualável, a Iara consegue atrair suas vítimas para, depois, levá-las para seu reino perdido no fundo das águas.

Uma lenda antiga conta que, certa vez, um índio chamado Jaguarari estava pescando tucunaré quando enxergou uma moça boiando no rio. Era a coisa mais linda que o rapaz já tinha visto na vida. Os cabelos da moça tinham a cor das flores e das plantas. Sua boca tinha o brilho do sol. Sua pele era cheirosa e macia. E seus olhos de jabuticaba? E sua voz? A lenda diz que os pássaros ficavam em silêncio quando a moça cantava. Até as cachoeiras paravam de correr para não atrapalhar seu canto.

A tal moça bonita era a Iara.

Segundo a lenda, a Iara abriu os braços para Jaguarari, sorriu e desapareceu no escuro profundo. Desde aquele dia, Jaguarari nunca mais foi o mesmo. Não queria mais saber de conversa. Não tinha fome. Passava as noites andando sem rumo. Não conseguia arrancar aquela moça encantada do pensamento. Um dia, desesperado, pegou a canoa e partiu para o meio do rio. Dizem que a Iara apareceu, Jaguarari mergulhou com ela e nunca mais voltou.

Histórias muito antigas, vindas da África, contam que no fundo do mar habita uma deusa, Iemanjá, muito poderosa, capaz de influenciar as coisas e os rumos de nossa vida.

Na Grécia Antiga, contava-se a história do astuto Ulisses, o herói dos mil ardis. Durante sua viagem de volta a Ítaca, onde morava, viu-se obrigado a cruzar a perigosa Terra das Sereias. Acontece que Ulisses era atrevido. Resolveu que ia conhecer o canto daquelas verdadeiras feiticeiras aquáticas e, para isso, seguiu os conselhos de sua amiga Circe: primeiro, tapou com cera os ouvidos de seus companheiros de viagem. Depois, pediu a eles que o amarrassem, bem amarrado, no mastro do navio. Assim, graças a esse estratagema, o guerreiro dos mil disfarces pôde admirar suas maravilhas e ouvir seu canto indescritível, sem correr o risco de ser levado, antes do tempo, para o abismo inevitável da morte.

Iaras, sereias, mães-d’água.

Talvez representem algo presente na alma de todo ser humano: a vontade secreta de experimentar o novo, mesmo correndo riscos. O sonho de encontrar, no desconhecido, o paraíso e a felicidade perdida.

O mito de Ulisses nos ensina que existe um meio-termo: é possível, sim, experimentar e sobreviver ao canto extraordinário da sereia. Basta ter coragem e, claro, saber usar a cabeça.

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