Entre usuários e clientes- questões da pesquisa em UX

Afinal, as pessoas são usuários ou clientes?

Thamires Lima
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5 min readJun 12, 2019

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Uma das dúvidas surgidas na área de pesquisa aplicada é sobre como chamar as pessoas que estão em contato com seu produto ou serviço. Antes, era comum nas pesquisas de mercado (para descrever as pesquisas realizadas em empresas) separar o público-alvo da pesquisa entre clientes e não-clientes. Hoje, com a consolidação da área de UX, vemos com relativa normalidade o uso do termo usuários.

Para entender essas diferentes denominações é importante ter em mente os contextos de saberes em que os termos são mobilizados:

na pesquisa de mercado as investigações para a área de marketing e publicidade, por exemplo, se davam sobretudo em torno dos produtos. O público-alvo das pesquisas eram as pessoas que consumiam/comprassem o produto ou serviço.

na pesquisa em design entende-se que os usuários de um serviço ou produto não necessariamente são aqueles que estão pagando pela sua aquisição. O foco nesse caso é quem efetivamente utiliza e interage, porque é este que constrói o valor percebido sobre o produto.

Alguns exemplos ilustram a diferença:

a pessoa que acessa uma plataforma de cursos online e assiste com frequência os módulos introdutórios, porém não adquire (compra) o curso online.

a pessoa que frequentemente se direciona a uma organização que presta serviços pagos para pequenos negócios (como consultorias e oficinas), vai presencialmente a organização para tirar dúvidas sobre o seu negócio.

a pessoa que acessa um portal de notícias, mas não assina o portal

A experiência do usuário diz respeito a um conceito que trata da forma como a pessoa interage com determinado produto ou serviço. Cunhado pelo psicólogo cognitivista e estudioso de design Donald Norman, é um termo já adotado no cotidiano de empresas que oferecem serviços digitais.

A “pessoa”, apresentada nos exemplos acima, é um usuário. Um dos focos da pesquisa em UX é exatamente esse: através da pesquisa compreender como os diversos tipos de usuários podem se converter em clientes.

Ao entender que diversos setores de um negócio estão trabalhando para o contato do usuário com cada experiência relacionada a marca ou serviço, a atividade de pesquisa ou de modo mais simples, a investigação de um determinado comportamento do usuário, é ao meu ver, algo inerente a toda atividade de desenvolvimento de um produto ou melhoria de um serviço.

Com a consolidação e diversificação das empresas de tecnologias e serviços, a área de pesquisa vem tomando seu espaço como um setor estratégico para as empresas, trazendo melhor entendimento sobre as necessidades do usuário e como as marcas podem fortalecer o relacionamento com os clientes em diversos pontos de contato entre usuário e produto.

A pesquisa de experiência do usuário, pesquisa em ux ou ux research visa trazer dados e informações que se transformam (dentro das organizações) em conhecimento sobre o usuário de seus produtos e serviços, gerando insights em diversas áreas do negócio, indicando melhorias em desenvolvimento do produto, prestação de serviço, atendimento, comunicação estratégica, etc. Em diversas organizações, vemos a formação de times dedicados a pesquisa.

Onde encontrar dados sobre os usuários?

Entendendo as pessoas como usuários, é fundamental para as empresas compreenderem esses diferentes perfis de usuários. Com a transformação digital ocorrida nas empresas, através do uso de tecnologias para aprimorar o serviço, é possível obter dados sobre os usuários por meio de diferentes fontes internas do próprio negócios. Algumas delas são:

  • Data Science
  • Big Data Analytics
  • Dados da área de Atendimento
  • Business Inteligente

Há também fontes externas que colaboram para o entendimento dos usuários de um produto ou serviço. Para isso há diversas fontes, tais como:

  • Relatórios de tendências de setores
  • Estudos de consumo
  • Dados sócio-econômicos

Desafios da UX Research sob o ponto de vista de quem faz

A pesquisa de experiência do usuário apresenta grandes avanços, porém é importante ressaltar alguns desafios de ordem prática para quem a operacionaliza (como é o meu caso) que vão além da própria coleta de dados em fontes diversas. São eles:

Desenho da pesquisa — identificar oportunidades de estudos. Acredito que grande parte do sucesso dessa etapa consiste num bom briefing entre o demandante ou área demandante da pesquisa e aqueles que a realizarão. Quem faz a pesquisa tem que estar atento as informações captadas nesse momento.

Mixed-methods — o desenho e a adoção de diferentes metodologias obtendo dados de diversas fontes. O desafio aqui consiste na maturidade do profissional e no seu conhecimento das diferentes metodologias. Você pode não dominar 100% todas as metodologias existentes, mas é fundamental estudar constantemente as aplicações ou não de determinadas metodologias.

Tempo da pesquisa — Uma boa experiência na área de pesquisa indica que ter consciência do tempo no qual a pesquisa será desenvolvida é fundamental para a construção do seu escopo. Esse tempo nem sempre é adequado ao que o pesquisador deseja, mas pode ser influenciado por uma questão de liberação de recursos, ciclo da empresa, influência de gestores e de outros projetos em andamento.

Entregáveis da pesquisa — desenvolver diferentes entregáveis de pesquisa, sob a forma de workshops, protótipos, relatórios. Entender quem é a área que recebe a pesquisa e qual a melhor forma de comunicar as análises é fundamental.

Pensando o tempo e os entregáveis da pesquisa podemos estabelecer a seguinte comparação:

Um pesquisador de doutorado tem entre 4 e 5 anos para desenvolver uma pesquisa. Ao final, entregará uma pesquisa em forma de apresentação textual de em torno de 400 páginas.

Um pesquisador de ux atendendo a uma empresa tem entre semanas e meses para desenvolver uma investigação com usuários. Ao final, a pesquisa poderá ser entregue de diversas formas.

Espaços e ambientes (laboratórios, salas, etc) — ter ambientes adequados para a realização de pesquisa qualitativa em ux research (testes de usabilidade, entrevistas, equipamentos adequados, etc)também coloca-se como uma questão. Embora hajam diversas iniciativas focadas na solução desses problemas, é inegável que o desenvolvimento da pesquisa em ambiente adequado garante confiança, credibilidade e segurança para os pesquisados.

Ao valorizar a perspectiva do usuário no processo de pesquisa, observo que o mercado já vem adotando uma série de boas práticas, estratégias e soluções para superar os desafios acima.

Num aspecto mais geral, um grande desafio é despertar o interesse para descobertas, mostrar os resultados da pesquisa e propor soluções que realmente sejam implementáveis e, sobretudo, engajar o time de outras áreas para o processo de pesquisa.

Sendo assim, o uso do termo usuário vem ampliar o argumento de que sem as pessoas (e seus comportamentos, necessidades e expectativas), as soluções não existiriam e que a pesquisa é estratégica para o incremento de tais soluções.

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Thamires Lima
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Anthropologist Researcher — Leitora curiosa sobre vida, redes sociais, pesquisa, gênero e tudo que é urbano