Além de ser de esquerda, eu sou do samba e sou da Umbanda.

Thayna Meirelles
Thayna Meirelles
Published in
6 min readApr 24, 2018

Há mais ou menos 3 semanas fui pega de surpresa… Chamada na coordenação da Universidade, escutei que haviam queixas sobre mim, vindas dos alunos e dos colegas de trabalho. A surpresa maior veio das narrativas que surgiam, eu estava sendo acusada de fazer “corpo mole” no trabalho. Colegas se queixavam de mim, da minha ausência e participação insuficientes, de acordo com suas opiniões. As queixam vinham de duas, não, espera, vinham de três, das quatro disciplinas que lecionava até hoje de manhã, quando fui demitida. Sim, demitida do meu primeiro emprego com carteira assinada, após oito meses. Sim, para tudo tem sua primeira vez, é o que dizem.

Agora estou triste, abalada, muito emocionada, em choque, com os olhos ardendo e a cabeça doendo, além de muito feliz pelas mensagens que recebi de colegas e alunos (por isso já chorei muito). Que controverso, não? Não, não é… Pessoas são pessoas e são diferentes. Agem, reagem, pensam, julgam e sentem diferente… E na maioria das vezes, não medem o peso que as palavras que pronunciam podem ter sobre a vida de outro ser humano. Os colegas que se queixaram de mim, tenho certeza que não se sentem felizes e realizados agora. Acredito que apenas sentem medo, e por isso agiram como agiram ao queixar-se e sobretudo ao submeter-se.

Se tem uma coisa, dentre as que ouvi hoje, no momento da minha demissão, e que concordo plenamente, é que “não me enquadro ao que a instituição precisa” … Sim, não me enquadro à esta instituição, assim como a nenhuma outra ou a nenhum outro ser humano. O que significa enquadrar-se? Para mim significa algo oposto a respeitar-se, escutar-se e ser autêntico. Portanto, sinto orgulho de mim, mais uma vez, por não me enquadrar e manter coerência às coisas que acredito.

Também me orgulho de ser uma “ser humana de integridade invejável” como me escreveu uma de minhas alunas, ah como me senti feliz ao lê-la! Orgulho-me de não ter dúvidas de ter feito o meu melhor, sobretudo para os meus alunos e de nunca ter agido de uma maneira que considero feia, ao contrário, sempre tentei resolver minhas questões como gente grande, rs. Acredito na comunicação, na conversa, na empatia e que todo mundo tem um motivo para agir como age, em qualquer circunstância. Eu quero escutar e entender que circunstâncias são essas, sempre. Tenho feito muito este exercício.

Sobre as tais queixas, não tive oportunidade de me defender, de compreender, de falar, de ser escutada. Palavras e acontecimentos eram transformados e aumentados, ali, na minha frente e eu simplesmente não pude fazer nada. Algo aconteceu, alguém não gostou, alguém acreditou e mais alguém tomou uma decisão que era melhor para si mesmo, e segundo algumas destas pessoas, para a tal instituição. Mas que importa tudo isso, não é?

Um dia, há mais ou menos um ano atrás, uma grande amiga me telefonou comentando sobre esta vaga de emprego. Eu estava muito receosa porque há uns dez meses havia decidido deixar o pós-doutorado, por estar cansada de não ser escutada e nem valorizada, por muito tempo. A minha descrença no sistema era grande e minha amiga sabia disso. Porém, me comentou que este “emprego” parecia ser diferente. A proposta era participar na construção de um curso de medicina voltado para a formação de um médico mais humanizado, assim ao menos dizia a proposta do curso. “É um curso do programa mais médicos, lembra? Acho que tem tudo a ver com você!”

Eu, uma bióloga muito humana, talvez a “mais humana” que alguns já haviam conhecido em sua trajetória científica, parecia mesmo ter algo a ver com isso. Outras pessoas, assim como a minha amiga sabiam que, já há alguns anos, o que eu mais valorizava eram as relações humanas, a autenticidade, o respeito, a escuta à outra pessoa. Sim, bem mais que a bioquímica, a biologia celular ou qualquer outra ciência, que lecionava e para as quais havia trabalhado por treze anos. Há tempos, me perguntava porque estávamos como humanidade tão interessados em avançar cientificamente, se nem ao menos conseguíamos conversar, escutar, expressar o que sentíamos ou desejávamos, respeitar ou valorizar outro ser humano.

Assim, como minha amiga pensava, também achei que esta poderia ser uma boa oportunidade de usar o meu potencial humano, unindo aquilo que valorizava com habilidades que, sem dúvida, possuía. Além do mais, dar aula era algo que eu sempre gostei muito de fazer e que sentia falta há alguns anos, desde que havia entrado para o doutorado. E assim, fui parar nesta instituição, da qual deixo de fazer parte hoje.

Foram meses de aprendizado, de realização, de construção e dedicação. Mas sobretudo, foram meses que trouxeram mais pessoas para a minha vida. Se tem algo que valeu a pena, foram as pessoas que conheci, as conversas e aprendizados que pude ter com alguns colegas, que se tornaram amigos e com alguns alunos, que agora também fazem parte da minha história.

E por falar em alunos, um pouco antes de começar o turbilhão, recebi um presente. “Escolhida” como supervisora de monitoria em uma das disciplinas, pude ter a experiência de estar durante algumas horas por semana mais próxima de alguns alunos, cinco para ser mais exata. Pude relembrar como me satisfaz “orientar”, ouvir, conversar, inspirar com minha experiência e trajetória, outros seres humanos. Isso claro, de maneira livre! Naquele espaço, podíamos decidir juntos o que e como fazer, e como foi bom experimentar a liberdade, já há algum tempo perdida em sala de aula. Por esta experiência, ainda que breve, serei eternamente grata e considero um presente de despedida. Obrigada meninxs por fazerem parte disso!

Ah, e o que é que a Umbanda tem a ver com tudo isso? Ainda não contei que ao final da semana em que fui chamada na coordenação, fui ao meu terreiro de Umbanda. A novidade, claro não é essa, mas sim o que escutei lá naquela noite. Ouvi falar sobre trabalho, que aquela instituição não era meu lugar, que o meu tempo lá estava chegando ao final. Sim, há umas 3 semanas. Também escutei que haviam pessoas ruins lá, o que me incomodou um pouco, já que insisto em acreditar que não existem pessoas ruins, mas sim que podem existir pessoas que “estão” ruins, em reflexo ao que enfrentam ou enfrentaram em suas próprias vidas. Foi uma mensagem de fé e confiança no outro caminho que já venho construindo, e, claro, de apoio. A verdade é que além de sentir gratidão, dei umas boas gargalhadas naquela noite, já que era uma Gira de Erês. Jamais esquecerei do riso de criança ao dizer “Beijo, tchau! Não vai fazer nenhuma falta” para o emprego que se foi hoje, e que já anunciava sua partida.

Ah, e porque do samba? Porque o samba é o meu lado mais feliz. Ainda ontem uma aluna me disse que só agora percebia que eu gostava de música, porque havia percebido a tatuagem de partitura musical que levo no pescoço. E lhe respondi que gostava muito, ela não sabia o quanto! Sim, porque tem muitas coisas que não sabemos uns sobre os outros e cabe a nós escolher se queremos saber ou se queremos seguir nos relacionando somente com os rótulos e suas obrigações.

Professor, aluno, coordenador, diretor… e suas obrigações. As vezes todos nós deixamos de cumpri-las. Às vezes esquecemos, às vezes não percebemos, às vezes o fazemos propositalmente, porque simplesmente discordamos. Mas somos nossas obrigações, ou apenas estamos nestes papéis? Devemos ser valorizados somente por isso? Por aquilo que esperam de nossos papéis? Devemos seguir punindo os outros porque eles não se adequam ao que esperamos? Devemos nos enquadrar ao que esperam de nós, se discordamos? O que é afinal “ser humano”? O que é ser um médico mais humanizado? O que é humanização?

Tenho orgulho de seguir em frente no caminho que acredito ser mais humano, em acreditar que não existem pessoas ruins, de tentar me livrar dos medos que obscurecem a visão e envergonham as atitudes. Hoje fui demitida de tal instituição e estou feliz por minha sensação mais presente ser a de consciência tranquila. Mais uma página virada, de tantas outras, no livro da minha vida. Que capítulo estará por vir? Ansiosa por toda a luz que se anuncia e por todo amor que sei que emana de muitos neste momento em direção a mim. Sintam o mesmo! Sou grata a cada um de vocês. 😊

--

--

Thayna Meirelles
Thayna Meirelles

Empatia, Autenticidade e Comunicação Não-Violenta. Para mim o melhor da vida são as conexões. www.cnvkonekti.com