Minha autenticidade está fadada a ser vista como “incoerência”?

Thayna Meirelles
Thayna Meirelles
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4 min readOct 1, 2017

“Entrei no seu Facebook e estava tentando entender sobre o seu trabalho… É estranho de compreender, você tão DOIDA no samba, e um trabalho tão complexo, as coisas que você fala, uns negócios tão intelectuais”…

Sim, ontem escutei esta frase, obviamente num samba e vindo de um “moçoilo” que claramente não via nenhum problema na sua fala tão espontânea. Eu cansada de ouvir coisas do tipo, desde a minha mais remota juventude, compartilhei com ele que já havia escutado coisas assim muitas vezes. Que meu comportamento e maneira de ser causava uma certa estranheza, porque não me enquadrava nas expectativas, nas CAIXAS em que insistimos em colocar as pessoas, rotulando-as. O clima ficou meio tenso, como esperado, e a conversa se diluiu caminhando rapidamente para outro tema.

Mas… Vamos lá. Hoje acordei, e o incômodo segue vivo. Então, acho mesmo que é uma boa oportunidade para escrever sobre uma questão tão antiga, que de tempos em tempos volta a “saltar” na minha vida:

Até quando vamos insistir em assumir, e esperar que os outros assumam papéis sociais pré-determinados?

Existem aqueles mais caricatos: a loira burra, a mulher pra casar (aquela que é comportada, claro), o baiano preguiçoso, a mulher que está se oferecendo de acordo com a roupa que usa, o negro que gosta de samba, o gay que gosta de música pop, etc. E um montão de outros um pouco mais sutis que reproduzimos o tempo todo, muitas vezes sem nos dar conta, mas que não por isso são menos violentos. Alguns exemplos são: a associação do nosso gosto musical ao nosso “grau” de evolução espiritual e também intelectual, e a associação da maneira como nos expressamos corporal ou artisticamente também ao intelecto ou ao gênero com o qual nos identificamos.

Voltando aos episódios

Qual é o problema de gostar de se vestir de maneira hippie-casual e não fumar maconha? O que tem de estranho em adorar festas (ser baladeira) e ao mesmo tempo ser a CDF da classe? Ah, e ser a tal CDF sem se matar de estudar? O que tem de tão anormal em escrever uma tese (isso mesmo, a de doutorado), enquanto sai várias vezes na semana pra encontrar os amigos, como em qualquer outro momento da sua vida? Tá, e ser doutora “intelectual” e gostar de samba? Gostar de dançar? Gostar de cantar? Ah, e qual a incoerência entre amar o samba de raiz, Adoniran Barbosa, Cartola, Dorival Caymmi… e se divertir horrores em um show da Anitta, se maquiar ao som de Pabllo Vittar e adorar cozinhar ao som de “Despacito”? E por que é tão “surpreendente” que embora o seu pintor favorito seja Van Gogh, você também gosta e tem uma tela do Romero Brito na parede da sala? Ah, e que mal tem em (outra vez) adorar festas e frequentá-las muitas vezes sem beber nenhuma gota de álcool (porque você não associa diretamente uma coisa à outra, oi?)?

Bom, estas são só algumas das “incoerências” entre meus gostos, comportamentos e atitudes aos olhos de umas quantas pessoas. Escutei questionamentos sobre cada um dos exemplos que escrevi, e a estranheza que eu causava a estas pessoas por SER e me comportar diferente do que elas esperavam, refletindo na verdade aquilo que haviam aprendido sobre como devemos nos comportar.

No meu último ano de universidade, decidi integrar a comissão de formatura. Foi só então que tive a oportunidade de me aproximar da Pri, uma líder inata da turma, bastante popular, adorava festas e era excelente aluna. Um belo dia, pra minha grande surpresa, ela me contou que antes de nos aproximarmos, também havia construído uma imagem completamente equivocada sobre mim: assim como a maioria da turma, ela achava que eu só estudava (já que também era excelente aluna) e portanto, era uma chata que não gostava de festas.

Acredito que este exemplo só reforça o quanto reproduzimos estas construções tendenciosas (e limitantes) das pessoas, apenas baseadas nos papéis e comportamentos esperados, sem ao menos nos questionar ou olhar para nós mesmos antes. Não refletimos sobre quem somos, do que realmente gostamos, como estamos nos expressando, quais das coisas que estamos fazendo realmente gostaríamos de estar fazendo, ou quem estamos fingindo ser para nos enquadrarmos em um destes papéis. E claro, que sentindo teria para nós nos livrarmos destas expectativas e limitações que não nos ajudam em absolutamente nada.

Mais uma vez, para mim tudo isso tem a ver com AUTENTICIDADE, e a luta diária por exercê-la. Desde muito tempo percebi, acolhi e decidi expressar plenamente a minha diversidade. Gosto muito de estudar e ler (sobre os temas mais diversos), escrever (sobre o que reverbera em mim), fazer facilitação (de temas que fazem sentido pra mim), conversar (com profundidade), escutar (o que você tiver a dizer), dançar (samba, forró, zouk, e muito mais), cantar (o que eu lembrar a letra), de cozinhar (para compartilhar), de beber (uma cerveja de vez em quando, um vinho branco sempre que dá), de sexo e carinho (precisa de detalhes? rs), de homens (embora já tenha me atraído por algumas mulheres), de vestir aquilo que é coerente com meu estado de espírito no dia (o que seria categorizado provavelmente como “falta de estilo”), de estar com meus amigos (e só com eles muitas vezes), de fortalecer laços antigos e de conhecer pessoas novas.

Isso tudo, é claro, dentre tantas outras coisas!

Então eu pergunto:

Sou eu assim tão diferente dos outros? Das outras? Ou só tô exercendo minhas múltiplas habilidades, ao mesmo tempo em que faço o que gosto e me expresso da maneira que faz mais sentido pra mim? E tudo isso sem me importar em me “enquadrar” em um perfil socialmente esperado, nas expectativas e classificações desde sempre impostas?

Estou certa de que seríamos todos mais interessantes se nos libertássemos destes papéis.

Vamos juntxs?

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Thayna Meirelles
Thayna Meirelles

Empatia, Autenticidade e Comunicação Não-Violenta. Para mim o melhor da vida são as conexões. www.cnvkonekti.com