O impacto das interfaces na eficiência operacional de uma grande empresa

Fabricio Gimenes
The Fablab
Published in
7 min readDec 4, 2017

Nos últimos meses eu tenho participado de uma série de discussões acerca da importância da experiência do cliente nas empresas. Esse, possivelmente, tem sido um dos temas estratégicos mais debatidos aqui no Brasil. Apesar dos excelentes artigos e palestras, talvez ainda exista espaço para uma abordagem um pouco mais pragmática do ponto de vista de negócio. E esse texto é sobre isso.

Ultimamente qualquer gerente e/ou diretor brasileiro esbarrou com o tema Experiência do Cliente. A discussão, apesar de não ser nova, vem embalada em uma nova caixinha e tem colocado o assunto na pauta estratégica das empresas. No entanto, vale provocar, porquê isso importa realmente?

Ninguém conseguirá discordar se você disser que o cliente é o nosso ativo mais precioso ou que o mercado tem novos competidores e é preciso se adequar. Mas será que é possível entender esse investimento de uma forma mais pragmática do ponto de vista financeiro e menos como uma resposta subjetiva ao movimento de transformação do mercado?

Eu acredito que sim.

Quando trazemos a discussão para o dia a dia das empresas comuns brasileiras — empresas tradicionais que oferecem serviços básicos do nosso dia a dia como supermercados, farmácias, seguradoras, hospitais, oficinas, etc; — qual é a tônica das salas de reuniões quando o assunto é experiência do cliente?

Num levantamento nada objetivo e bastante informal, eu ouso dizer que grande parte da discussão sobre experiência do cliente por aqui tem caído numa vala comum restrita à Digitalização dos canais de venda. Isto é: Um site com design mais cuidadoso e uma visão de UX mais apurada no primeiro nível da experiência com a marca (onboarding). E geralmente a coisa para por aí.

Nesse caso as métricas comuns em análise giram em torno do custo por lead ou custo por venda e outras métricas de atração. Esses dados por si somente já provocam um “choque de gestão” e empolgam as projeções — afinal, quem não quer vender mais?

Num exemplo totalmente fictício imagine o seguinte:

Para efetuar uma venda de R$1.000,00 você gastava R$150,00 (marketing, comissão e infra). Vamos imaginar que você tenha contratado um projeto que digitalizou seu esforço de marketing e simplificou o processo de vendas reduzindo seu custo para R$75,00 por venda e ainda promoveu um incremento de cerca de 10% no volume geral de vendas (uma estimativa baixa já que projetos de marketing digital costumam promover taxas bem mais agressivas).

Agora, pensemos juntos. A experiência do cliente lá na ponta melhorou, ganhamos uma boa eficiência na captação de novos clientes aplicando conceitos básicos de UX nesse processo. O resultado natural (além da eficiência conquistada no primeiro nível) é um aumento da demanda para as áreas internas, a grande pergunta é:

Como a coisa vai acontecer daqui pra frente?

De maneira objetiva, é razoável dizer que existe uma quebra gigantesca na experiência do cliente quando ele “já está dentro de casa”. Todo mundo tem um caso problemático para contar. Não é algo que acontece a esta ou àquela empresa, mas à grande maioria das empresas brasileiras. A área comercial é, geralmente, a área mais exposta e por isso, normalmente, possui ritmo, recursos e visões diferentes do restante da organização.

No médio e longo prazo a tendência é que a coisa não se sustente. A eficiência que você ganhou no primeiro nível foi ótima, mas será corroída pela ineficiência da operação que se segue.

O impacto das interfaces na eficiência

A maior parte das atividades internas que uma organização executa para entregar um determinado serviço acontece através de interfaces virtuais. Eu e você nem percebemos isso mais. É natural, então, pensar que maior ou menor eficiência dessas interfaces pode impactar (e muito) na assertividade da operação. Mesmo sendo este um raciocínio um tanto quanto óbvio, na prática a preocupação é muito mais sistêmica. Em conversas sobre novos sistemas que podem ajudar uma organização o que eu ouço com frequência é:

  • O sistema faz isso e aquilo e vai te ajudar nisso e nisso.
    -Hum, legal. Então eu vou poder ter isso e aquilo, correto?
    -Sim, isso mesmo. Muito bom né?
    -Bastante.

No geral, existe zero preocupação quanto à facilidade e adaptabilidade das interfaces para os usuários que fazem o serviço acontecer (os funcionários). E é justamente aí que muito dinheiro vai embora.

Nos Estados Unidos, uma pesquisa revelou que para cada dólar investido em UX, outros 99 dólares retornam para o caixa da empresa. Um verdadeiro bom negócio.

Dito isso, como podemos aplicar UX para melhorar a minha eficiência operacional?

“Existem mil e uma maneiras de se fazer Neston”. É possível traçar uma visão de processos mais lógicos e menos redundantes, conectar departamentos de maneira mais assertiva, otimizar recursos tecnológicos e etc. No entanto, dentro desse balaio da experiência do cliente, o design de interação é, talvez, uma das disciplinas que podem causar maior impacto no negócio da porta pra dentro. Uma explicação rápida sobre design de interação não iniciados: Entenda Design de interação como o esforço realizado de maneira consciente para criar interfaces digitais mais simples, intuitivas e eficientes para os usuários.

Exemplos práticos e (provavelmente) próximos do seu cotidiano:

  • A barra de funcionalidades do Gmail ou do Outlook;
  • O painel de controle que contém as funções de calculadora, lanterna e wifi do seu iPhone ou do seu Android;
  • O menu do Instagram;
  • Os botões de curtir, comentar e compartilhar do Facebook;
  • As funções de flash, HDR etc da câmera do seu telefone;
  • E assim por diante.

Todos os exemplos acima ilustram interfaces que contém funcionalidades de sistema colocadas da maneira mais intuitiva possível para o seu uso. Os recursos que você usa com maior frequência sempre estão mais acessíveis, os rótulos das funcionalidades são claros, as ações acontecem em poucos cliques ou toques. Em resumo, é tudo tão simples, que você nem percebe o esforço para executar o que precisa. Tudo isso que parece bastante natural em nosso uso pessoal é basicamente o oposto do que acontece nas interfaces empresariais que utilizamos todos os dias.

Para comprovar o impacto disso você não precisa de nenhuma consultoria cara ou de nenhuma técnica avançada de pesquisa. Basta passar um dia na vida dos seus funcionários utilizando os sistemas que eles utilizam.

Todos os dias uma quantidade absurda de tempo e de recursos são jogados no lixo por erros e ineficiências diversas causadas por…. interfaces ruins.

Exemplos práticos e (provavelmente) próximos a alguma experiência sua:

  • A quantidade de vezes que um estoquista retornou ao depósito por que se enganou no número da ordem de compra diminuiu a capacidade de escoamento da produção de uma fábrica;
  • O tempo gasto por uma funcionária do caixa de um supermercado esperando o cancelamento de uma compra no sistema aumentou a fila de espera por atendimento e reduziu a intenção de compra (ou mesmo o retorno e recompra) dos clientes;
  • A quantidade de vezes que um funcionário tentou, sem sucesso, acessar o histórico de um cliente para resolver seu problema de fatura tornou-se o fator multiplicador da indenização judicial deste mesmo cliente;
  • A quantidade de recursos (infraestrutura, papel, algodão, luvas, seringas, etc.) desperdiçada por que um enfermeiro recebeu a informação errada sobre o paciente causou lentidão no atendimento e reduziu a eficiência operacional geral do hospital;
  • O tempo extra que um funcionário levou para emitir uma nota fiscal em um sistema redundante atrasou a liberação de pedidos, impactando os recebimentos e, claro, aumentou o custo do capital da empresa que precisou arcar com juros de capital de giro;
  • E assim por diante;

Não faltam exemplos para mostrar como o uso de interfaces ruins pode ser prejudicial e parece até meio bobo falando assim. É difícil de acreditar que tanto dinheiro seja jogado fora porque um funcionário não consegue ler muito bem uma etiqueta impressa pelo sistema. É, realmente, uma verdade inconveniente.

O que acontece é que, obviamente, uma grande parte da experiência de uso está na mão de sistemas estruturantes (ERPs e CRMs, por exemplo) de gigantes internacionais como Sales Force, Oracle, SAP, Dynamics, etc. Nesses casos, não há muito o que fazer a não ser “demandar” destes fornecedores uma mudança nesse sentido. Contudo existe muitas outras atividades que podem ser executadas através de integrações programadas e também por sistemas menores. Muitos profissionais de TI chegam a revirar o olho para a palavra “integração”, mas a verdade é que elas podem representar um caminho para eficiência possibilitando a aplicação de interfaces simples de uso e substituindo as famosas planilhas (muitas vezes responsáveis por uma enorme duplicidade de informações). No longo prazo, vale à pena investir em um roadmap consistente de soluções próprias integradas aos grandes sistemas que fazem a empresa girar.

Para se ter uma noção do impacto de negócio, já realizamos experimentos onde foi possível estimar que o design de interação pode ser responsável por uma redução de até 50% no tempo de execução de uma tarefa e de até 80% a assertividade na mesma.

O design de interação é uma das disciplinas emergentes para a esfera de negócios e as empresas mais atentas já perceberam isso. O Magazine Luiza é um bom exemplo disso. A gigante varejista conta hoje com o Luiza Labs uma iniciativa que opera com cerca de 250 profissionais de design e tecnologia focados em garantir pequenos saltos de eficiência operacional para os processos da empresa. Faça o teste, vá a uma loja e comece a perguntar sobre os produtos. Veja como os vendedores utilizam o aplicativo proprietário da empresa para auxiliar na cotação, argumentação de vendas e inserção do pedido. Movimento semelhante no Santander. Atualmente, mais de 600 pessoas estão trabalhando para reformular a experiência de atendimento e uso dos serviços do banco.

Se essa transformação acontecer de maneira coordenada a roda toda pode ficar mais eficiente. Meu conselho para você que já está promovendo a digitalização dos canais de venda (primeiro nível), utilize essa eficiência para “financiar” as melhorias internas. Todo diretor quer saber porque certas coisas são tão ineficientes. O design de interação certamente pode ser uma hipótese para você.

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Fabricio Gimenes
The Fablab

Autodidata, nexialista, cozinheiro de final de semana. Sócio da WHF e observador nas horas vagas.