Produtividade: uma conversa dentro da realidade

Fabricio Gimenes
The Fablab
Published in
9 min readNov 26, 2017

Entre os tantos dilemas da produtividade no mundo conectado que vivemos hoje, uma questão particular me chama maior atenção: qual é a finalidade de ser mais produtivo? A resposta pode ser óbvia para alguns, mas, inevitavelmente, eu sinto que ainda existe muita gente caindo no culto fanático onde o impossível vem travestido de produtividade. Num tempo onde o que não falta é artigo te ensinando a ser produtivo, eu vou me atrever aqui a discutir uma perspectiva alternativa para o assunto (e algumas experiências que podem ajudar a clarear essa perspectiva).

First things first: muita gente não sabe o que é produtividade. Dentre as diversas interpretações, quando trazemos para a nossa vida, muitas vezes produtividade é confundida com fazer mais em menos tempo. Piora a situação quando a gente contextualiza o fato de que vivemos em um país que mensura o seu desempenho pelo número de horas trabalhadas e, em geral, pela quantidade de ações que você executa em um determinado período de tempo. Relatórios a mil, impactos “a zero”.

A partir dessa premissa, o conceito já entra distorcido em nossa vida. Olhe a sua volta: provavelmente você conseguirá identificar muita gente correndo atrás de produtividade em busca de dar conta do mundo em 24 horas. No geral, é triste constatar, a verdade é que estamos trabalhando errado, pelas razões erradas e, por fim, claro — mensurando errado o resultado de tudo isso.

Uma perspectiva mais coerente

Particularmente penso sempre em produtividade como a relação entre a quantidade de esforço empregado e o resultado obtido com isso. Quando falamos em atividades intelectuais, produtividade tem muito mais a ver impacto do que criamos/fazemos/produzimos do que com a quantidade de horas e de tarefas realizadas (indicadores que isolados quase sempre são míopes).

Dito isso, vale perguntar: porque estamos tão obssecados com produtividade?

A questão essencial talvez tenha a ver com o fato de que criamos um cotidiano tão ausente de rotinas estruturais, com tantas interrupções, tão ausente de prioridades, que simplesmente tentamos dar conta de tudo a todo tempo e acabamos raciocinando muito pouco (para não dizer nada) sobre porque fazemos o que estamos fazendo. Criamos uma rotina tão maluca que precisamos de métodos para fazer o óbvio: sentar e trabalhar.

Essa rotina acelerada nos leva a acreditar que podemos dar conta de tudo ao mesmo tempo. Mas não, não funcionamos assim. Produtividade é, de fato, algo essencial para o desenvolvimento profissional, para as empresas e para a sociedade, sim; mas devemos retornar ao básico se queremos ser produtivos.

Aqui vai minha oferta: Vamos buscar produtividade como um caminho para vivermos melhor. E, por viver melhor, entenda: aproveitar todo o capital intelectual que possuímos e estabelecer uma rotina saudável que ofereça tempo de descanso à sua máquina produtiva interior.

Parece simplista e até romântico. Mas não existe alternativa. Pesquisas e mais pesquisas comprovam que quando estamos mais tranquilos, senhores de nós mesmos, nós não só raciocinamos melhor ou somos mais criativos — nós encontramos soluções mais eficientes (sinto que estou falando o óbvio neste ponto, mas ele precisa ser dito).

Você vs. Contexto

Somos propagadores e vítimas (ao mesmo tempo) de um sistema ruim. Aceitar essa premissa é essencial. Empresas sem processos, chefes sem planejamento, grupos sem uma visão clara de futuro. Sim. Isso existe aos montes. No fim do dia todo mundo quer sentir que está fazendo a sua parte, que está contribuindo e que faz parte de algo maior. Mas correr feito um louco e sacrificar o seu intelecto e a sua saúde com stress não vai ajudar nisso. Saber onde estamos e para onde estamos indo vai. Esse desconforto que você sente quanto à rotina pode ser o desconforto de quem trabalha ao lado de você…mas ninguém realmente puxa uma conversa sincera à respeito.

Se você quer realmente ser uma pessoa mais produtiva, não comece por métodos. Comece apertando o botão de “pare” e entenda onde você está e onde precisa chegar.

Entender onde estamos e para onde vamos é o primeiro passo para avaliar, entre todas as urgência na sua caixa de email, o que é mais importante e portanto devem ter prioridade. E aqui entra a questão de entender o poder do contexto sobre o indivíduo. É praticamente impossível controlar todo o curso das ações, mas é possível estabelecer o mínimo de alinhamento de percurso. Para isso não precisa de método, não precisa de guru. Precisa de diálogo e sensatez com seu time ou seu chefe. Nunca vi pessoas/empresas realmente produtivas que não soubessem exatamente para onde estão indo e porquê estão indo para lá.

Dito isso, listo a seguir alguns pontos que ajudam ou atrapalham o nosso dia a dia. São pontos que conheci primeiro em literatura e na teoria, depois na prática dolorida do dia a dia.

O paradoxo da escolha — aprendendo a priorizar.

Tópico dolorido. A gente não sabe dizer não. Dentro das empresas o não, muitas vezes, é encarado como uma afronta, uma insubordinação. Em tempos de crise onde o medo de ficar desempregado se instala, mais ainda. Aceitamos tudo sem raciocinar que no médio prazo o problema só irá crescer para o nosso lado — pois, efetivamente — podemos acabar fazendo muito pouco ou nada do que nos comprometemos.

Precisamos rever isso. Nem sempre o não precisa ser definitivo. Ele pode ser temporário e libertador. O não pode ser “em breve”. Você não consegue estar no mesmo horário no cinema e no jogo de futebol. Mas talvez você consiga ir ao cinema no dia seguinte. E assim por diante. Priorização adiciona qualidade ao que se produz.

Definir a qualidade aceitável

Geralmente não temos combinado o que chamamos de “pronto”. Isto é, quando algo está em uma qualidade mínima aceitável para ser “entregue”. Definir a qualidade mínima, ou estabelecer um conceito de pronto para o seu trabalho normalmente está diretamente ligado à capacidade que temos de avaliar o quanto aquilo contribui para o objetivo final. E se você não sabe o porque você está fazendo aquilo ou para onde está indo…bom, já sabe… Definir a qualidade aceitável é essencial para que seu trabalho surta algum efeito no todo e, também, para que você não se sobrecarregue imprimindo horas e horas de trabalho em coisas que não necessitam ser entregues no estado da arte, que não tem tanto valor de negócio. Entenda a cultura da sua organização, de seu chefe, de seus colegas de trabalho, como eles costumam entregar, em que nível suas entregas se tornam “usáveis” para eles. Cruze tudo isso com seu próprio código de conduta e seu próprio padrão de qualidade. Assim você será capaz de estimar melhor o esforço para cada projeto ou tarefa e poderá se planejar com mais assertividade.

Rotinas estruturais fazem falta

Falando assim parece algo estranho, mas é exatamente o que está escrito: precisamos de rotinas (datas e horários fixos) para cumprir tarefas determinadas tarefas. Geralmente tudo aqui que se encaixa entre você e sua real atividade produtiva. As tarefas mudam em cada profissão, mas aqui vão alguns exemplos:

  • Responder e-mails
  • Lidar com terceiros
  • Reuniões de alinhamento
  • Planejamento de tarefas

Muita gente não possui momentos claros para lidar com essas tarefas e as tratam como mais uma demanda entre tantas outras. Mas acontece que elas, em geral, são cíclicas (temos emails para responder todos os dias, por exemplo). Sendo assim, elas, frequentemente se posicionam como interrupções em nossa rotina. Avalie tudo aquilo que é cíclico em seu trabalho e estabeleça momentos específicos.

Cuidado com os métodos

Todo mundo adora um método. Regras simples, felicidade em poucos passos. Mas a verdade é que é preciso cuidado. De uma maneira simples: Métodos podem ser eficientes dependendo de sua posição e da sua rotina.

Na minha rotina, onde lidero equipes em diferentes projetos simultanemente, sim, os métodos ajudam muito a domar as inferências do cotidiano sobre o meu trabalho. Talvez em uma posição mais linear os métodos sejam simples guias, sem grandes alardes.

Pensando assim a dica é: comece simples. Um novo processo eficiente é como um jogo: vai complicando por etapas. No início sempre deve ser algo descomplicado e de fácil adesão. A medida que você testa, vai evoluindo em regras, critérios, etc. Vigie-se para não passar mais tempo tentando aplicar um método do que trabalhando de fato.

Não existe fórmula mágica quando o assunto é produtividade. Cada um tem questões exteriores e interiores que interferem de maneiras diferentes na nossa relação com o trabalho. Saiba disso. Encare tudo isso com uma olhar mais leve e entenda o seu valor no meio do processo. Para finalizar esse texto, reafirmo minha oferta inicial: vamos buscar a produtividade para vivermos melhor. No médio e longo prazo, não existe melhor maneira de fazermos a diferença nas organizações que trabalhamos, na vida de quem amamos e, claro, para nós mesmos.

Se você quer ir um pouco mais fundo, abaixo, compartilho 3 hacks de produtividade que uso no meu dia a dia que me ajudam nessa busca. Espero que faça sentido ; )

Bônus track: Hacks de Produtividade

Após alguns anos lidando com o dilema da produtividade, eu passei por várias fases de carreira e apliquei diferentes métodos. Tanto pra mim quanto para minhas equipes. Hoje eu aboli essa palavra e considero que uso três hacks de produtividade (que eu listo abaixo em ordem de complexidade). São práticas simples que tem me ajudado a ter uma relação mais saudável com meu trabalho. Ou seja: 1) sentir estima com a jornada, não somente com a entrega; 2) criar soluções mais eficientes e; 3) delimitar o território do meu trabalho e da minha vida pessoal;

Vamos lá:

Hack #01 — Estar onde estou.

Estranho, né? Mas isso é basicamente não atender ligação no meio de uma conversa , não responder mensagens enquanto converso com alguém, desligar notificações quando estou executando um trabalho. Isso permite foco e toda atenção pra atividade que estou envolvido. Simples assim. Eu poderia falar que essa é raíz do tal mindfulness e que os ensinamentos zen falam muito sobre isso. Mas não fique preocupado com significados profundos sobre isso. Apenas veja como é simples e teste ;)

Hack #02 – Email tem horário

Esse talvez seja um dos grandes desafios. Eu vi essa dica na Fast Company uma vez e funciona bem. Basicamente a ideia é que vc tenha horários pre-definidos para lidar com seus emails. Para isso você deve trabalhar com 4 pastas apenas.

  • 01_Today (tudo que precisa ser respondido no mesmo dia);
  • 02_This_Week (tudo que precisa ser respondido na mesma semana);
  • 03_This_Month (tudo que precisa ser respondido no mesmo mês);
  • 04_FYI (tudo que vc não precisa responder, aqueles emails “apenas para seu conhecimento);

Então tudo o que chegar na caixa de entrada vc manda pra uma dessas pastas. Quando os emails acumulam na entrada, eu primeiro saio deletando os convites de reuniões, emails automáticos de notificações e depois classifico todos aqueles FYI (for your information). Vc vai ficar espantado com a poluição que eles geram. Os demais emails eu tenho horários e dias definidos.

Today: sempre no outro dia pela manhã — 24h do recebimento :P

Week: sempre no domingo a noite

Month: último domingo do mês

Essa coisa de que emails precisam ser respondidos imediatamente é inatingível. Normalmente, apenas uma minúscula parcela demanda ação imediata (basta responder esses furando todas as regras acima).

Hack #03 - Utilize o GTD

Getting Things Done é uma metodologia de produtividade criada por David Allen. Um cara bacana que criou um jeito simples de deixar a sua mente livre de ruídos e preocupações sobre projetos, emails e etc. Quem me apresentou isso foi uma amiga. Ela veio me pedir ajuda com um Keynote sobre o tema e eu fiquei encantado com o método pela flexibilidade e pela efetividade. Eu recomendo o GTD para você se: 1) Você é uma pessoa que está envolvida em vários projetos pessoais e profissionais ao mesmo tempo; 2) Se o seu trabalho depende de retornos de terceiros constantemente; 3) Se o seu trabalho influencia a rotina de outras pessoas/equipes. Atualmente utilizo o GTD dentro do programa Omni Focus (muito bom no desktop), mas ele é versátil suficiente para ser feito até numa folha de papel.

Se vc respondeu sim para as perguntas. Clique aqui e aqui para ler sobre o GTD.

Boa sorte ;)

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Fabricio Gimenes
The Fablab

Autodidata, nexialista, cozinheiro de final de semana. Sócio da WHF e observador nas horas vagas.