Educação corporativa alternativa Made in Brazil

Redação The Funnel
The Funnel
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8 min readJan 10, 2020

Kaospilot, Singularity e Hyper Island são referência em novas metodologias de ensino lá fora. Mas há no país opções para quem busca algo semelhante sem precisar fazer as malas

Por Dubes Sônego

A ascensão das startups e da economia digital trouxe consigo novas formas de gestão e de educação corporativa. Escolas tradicionais de negócios, como a suíça IMD Business School, a francesa HEC, a americana Stanford, a britânica London Business School e a brasileira Fundação Dom Cabral, continuam a ter papel fundamental na formação de executivos de ponta. Mas, a elas, juntam-se aos poucos, e ganham prestígio, instituições baseadas em novas metodologias de ensino, com programas com duração mais flexível e foco em inovação. São, em geral, voltadas não apenas a temas técnicos, mas também ao ensino de habilidades sociais, emocionais e comportamentais, como a capacidade de se adaptar facilmente, motivar funcionários, aprender a aprender e se comunicar bem. Lá fora, alguns dos nomes mais conhecidos são os da dinamarquesa Kaospilot, da americana Singularity University, e o da sueca Hyper Island. No Brasil, contudo, também há opções para quem quer seguir por esta trilha, sem precisar viajar. Além de Singularity e Hyper Island, que já têm unidades do país, algumas alternativas Made in Brasil são:

Sputnik

A Sputnik é o braço de educação corporativa da Perestroika, outra escola baseada em metodologias alternativas de ensino, mais calcadas em inovação e experiências práticas. Surgiu na virada de 2011 para 2012, em São Paulo, depois de uma malfadada experiência de sua CEO e co-fundadora, Mari Achutti. Mari já havia trabalhado e estudado na Perestroika, em Porto Alegre, e resolveu contratar a empresa para ajudá-la a montar uma universidade corporativa em um grupo do ramo de moda onde trabalhava. “Só que, no início, deu muito errado. Porque a metodologia havia sido criada para vender cursos no varejo, não para as especificidades do mundo corporativo”, conta. Ajustes feitos, lições absorvidas, Mari conta que procurou os sócios da Perestroika e propôs o novo negócio.

Mari Achutti, CEO e cofundadora da Sputnik / Foto: Rodrigo Paiva

Hoje, a Sputnik trabalha em um modelo que segue, em essência, o que foi desenvolvido pela empresa mãe, mas parte de um diagnóstico individualizado de cada corporação, afirma Mari. Basicamente, diz a empresária, a metodologia usada é calcada no princípio de que é preciso gerar vivências episódicas para se alcançar aprendizado efetivo. “Não adianta simplesmente ter um professor lá na frente falando e partir do pressuposto de que todas as pessoas estão prestando atenção. Se aquilo não for interessante para elas, elas não vão absorver assim”, diz. “Uma sala de aula nossa é preparada como se fosse para um show. Como vou despertar o lado cognitivo que tem a ver com o dia a dia do cara do call center, que é massante? Quero competir com um Cirque du Soleil, não com ESPM ou a FGV”, diz.

A partir do diagnóstico das necessidades de cada empresa, é feito um programa de ensino sob medida para a empresa, turma a turma, de acordo com o perfil dos participantes. Isso significa que o conteúdo de um mesmo curso pode variar de acordo com o grau de conhecimento de cada equipe sobre um assunto, dentro da mesma empresa. Em alguns casos, conteúdos comportamentais podem ser dispensados. Em outros, é preciso trabalhar primeiro habilidades sócio-emocionais e comportamentais. É o que acontece com frequências em cursos de metodologia ágil, diz Mari. “Não adianta querer ensinar Scrum e Kanban se as pessoas não sabem conversar”, diz. “É preciso atacar primeiro comunicação não violenta, inteligência emocional e até alguma coisa de autoconhecimento, nesse caso”.

“Uma sala de aula nossa é preparada como se fosse para um show. Como vou despertar o lado cognitivo que tem a ver com o dia a dia do cara do call center, que é massante?”

Uma vez definidos os conteúdos, a Sputnik busca no mercado pessoas com experiência e capacidade didática para atender à demanda. A ideia, de modo geral, diz Mari, é levar os conteúdos para os alunos de forma prática, para que possam ser “protagonistas da história”, em módulos relativamente curtos. Segundo ela, um dos cursos que hoje mais sai na Sputnik é o voltado à preparação de apresentações, chamado Chora PPT, dura quatro encontros. Mas há também cursos de alguns meses, voltados à liderança, envolvendo vários temas. “Eu vou sempre procurar o profissional que está fazendo diferença no mercado e ajudar ele a ser um bom palestrante”, diz Mari. “Esse é o meu negócio. A gente é um grande radar”.

Afferolab

Há cerca de quatro anos, a Afferolab era uma empresa de RH e de treinamento, muito demandada, como outras no mercado, para o desenvolvimento de workshops e programas de e-learning. Se o cliente queria um tema, a empresa empacotava e entregava nos formatos tradicionais, de forma massificada. “Notamos que o oceano em que estávamos navegando começava a ficar meio vermelho”, diz Bárbara Olivier, diretora de inovação da empresa, em referência a um tipo de mercado no qual há forte concorrência e baixa diferenciação. “Começamos, então, a nos provocar em relação a transformação digital”.

Bárbara Olivier, diretora de inovação da Afferolab / Foto: Rodrigo Paiva

Os primeiros passos foram dados internamente: adoção de novas tecnologias, metodologia ágil, scrum, equipes autogeridas. “Foi um ano suado. A gente testou isso com alguns times”, conta. “Hoje, temos três ou quatro equipes grandes, que se resolvem, até para discutir os méritos. E funciona. Tecnologia, a mesma coisa. Quando a gente faz alguma coisa aqui que o pessoal não adere, já estudamos para ver por que não está funcionando. Porque não dá para recomendar lá fora o que não conseguimos fazer aqui dentro”, afirma a executiva.

As transformações internas levaram a mudanças na forma de atuação. Hoje, a empresa é quase inteiramente dedicada à educação corporativa e “se plataformizou”, afirma Bárbara. Na prática, afirma, isso quer dizer que funciona como um “Lego de possibilidade”, onde as peças são escolhidas de acordo com o momento, o contexto, as pessoas e os objetivos de aprendizado da empresa cliente, que estão ligados a objetivos estratégicos de fundo.

O trabalho começa, de modo geral, com um serviço de consultoria. Após um período de análise e diagnóstico, a empresa faz recomendações que podem incluir desde melhores práticas de uso dos sistemas internos de LMS (Learning Management System), de gestão de aprendizado, até a identificação de influenciadores internos, com potencial para se tornarem professores, e a curadoria e a produção de novos conteúdos, por equipes próprias ou de terceiros. “E a gente tem ainda uma área de programas tecnológicos para aprendizagem: plataformas, apps, soluções de tecnologia para sala de aula”, diz Bárbara.

[…] um “Lego de possibilidade”, onde as peças são escolhidas de acordo com o momento, o contexto, as pessoas e os objetivos de aprendizado da empresa cliente, que estão ligados a objetivos estratégicos de fundo.

Entre os conteúdos mais demandados, afirma a executiva, estão principalmente aqueles relacionados às habilidades sócio-emocionais e comportamentais. Mentalidade digital, “por ser o mais difícil” e “abstrato” dos temas, é um dos carros chefes, ao lado de assuntos menos óbvios, como “coragem”, o que mais vende há cerca de um anos, diz Bárbara. “É um tema muito voltado à tomada de decisão, mas com um trisco de resiliência, um trisco de antifragilidade, um trisco de trabalho de confiança no grupo”, afirma a executiva.

Para um futuro próximo, Bárbara diz que a empresa trabalha em uma nova plataforma, chamada LXP (Learning Experience Plataform). Segundo ela, será uma uma espécie de interface, que ficará na frente de outros sistemas ou plataformas que o cliente já tenha para aprendizagem. A ferramenta permitirá a coleta de dados e, com base em tecnologia de aprendizado de máquina, recomendações mais precisas e personalizadas de conteúdos.

Skep

A Skep nasceu há cerca de três anos com a proposta de ser uma startup de educação personalizada. Mas depois de um período de validação do modelo de negócio, os sócios perceberam que a demanda maior vinha de pessoas em processo de transição e evolução de carreira. “Todo mundo que entrava saia empreendendo, e com uma carreira nova”, diz Aziz Camali, um dos fundadores, ao lado de Andrea Gomes e David Frenkel.

Aziz Camali, um dos fundadores da Skep, ao lado de Andrea Gomes / Foto: Rodrigo Paiva

O programa tem oferecido pela Skep duração média de sete meses. A primeira fase é de avaliação e planejamento. Durante um mês e meio, a startup entrevista o cliente e pessoas de sua rede para identificar medos, comportamentos, capacidades técnicas e prazeres. A partir daí, monta uma grade de aprendizado específica, que inclui habilidades técnicas, sócio-emocionais e comportamentais. Com base nela, é feita a curadoria de cursos, no Brasil e lá fora, que atendam às demandas identificadas e que se encaixem no orçamento. Nem sempre a Skep encontra o que procura. Nesses casos, diz Camali, cria algo com especialistas. Ao longo do caminho, vão sendo feitos ajustes na grade, de acordo com o desenvolvimento do aluno cliente e a afinidade que demonstra com os conteúdos.

“Se o cara precisa entender de mercado imobiliário em São Paulo de retrofit, por exemplo, vamos atrás de alguém que conheça profundamente o assunto e pedimos que bole algo para que o cliente possa passar três dias com ele e entender tudo o que precisa”, diz o empresário. Em outros casos, afirma Camali, é preciso negociar com a instituição de ensino para que o cliente da empresa possa fazer apenas uma disciplina em um curso de pós-graduação. Ou visitar uma empresa estrangeira referência em determinado setor.

“Se o cara precisa entender de mercado imobiliário em São Paulo de retrofit, por exemplo, vamos atrás de alguém que conheça profundamente o assunto e pedimos que bole algo para que o cliente possa passar três dias com ele e entender tudo o que precisa”

A amostragem de clientes da Skep ainda é pequena. Ao todo, 25 pessoas fizeram o programa. O custo também não é baixo. Varia, de acordo com o perfil do cliente aluno e sai por R$ 80 mil, em média. Mas os resultados já foram suficientes para que a startup fechasse recentemente um piloto com uma empresa de recrutamento de executivos, a Cunha e Petreche Executive Search, para dar suporte a ex-diretores e ex-CEOs de empresas interessados em se reciclar para empreender ou tentar voltar ao mercado. Outros públicos alvo principais da Skep são executivos que querem se atualizar, jovens recém formados na faculdade e sucessores de empresas familiares perdidos profissionalmente.

No médio e no longo prazo, diz Camali, a ideia é transformar o que hoje é um serviço em produto. No início, conta, o mais difícil foi mapear cursos e instituições de ensino de ponta ao redor do mundo. Hoje, a Skep já tem identificadas 150 áreas de aprendizado, em 800 instituições/profissionais, em 33 cidades, e desenvolveu ferramentas próprias que permitem automatizar 50% do trabalho. Na medida em que houver maior volume disponível de informações sobre os clientes, o empresário avalia que será possível identificar padrões, de acordo com o perfil dos alunos, e elevar esse percentual usando inteligência artificial. “Ai vamos poder ter uma versão mais simples e barata. Uma tecnologia que permita você fazer isso sozinho. Então, será possível trazer para as pessoas a ‘eu escola’. E muda o jogo”, diz.

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