Unicórnio desconhecido

Redação The Funnel
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A discreta Ascenty se tornou uma empresa de mais de US$ 1 bilhão apostando em data centers no Brasil. Agora, começa a se expandir no exterior, a espera do boom do 5G

Por Dubes Sônego

O Brasil tem poucos unicórnios. A maioria é bem conhecida. Praticamente todos atendem consumidores finais pessoa física em ao menos uma das pontas do serviço. Entre os nomes normalmente citados em listas de empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão em valor de mercado estão 99, Nubank, iFood. Bem mais raras são as referências à Ascenty. Fundada em 2010 pelo americano Chris Torto, a empresa cresceu apostando no mercado brasileiro de datacenter e se tornou, em 2018, a primeira unicórnio brasileira B2B, ao ser vendida por US$ 1,8 bilhão para a americana Digital Realty e a canadense Brookfield. Com os novos sócios, o investimentos dobraram e, agora, a empresa começa a crescer na América Latina, de olho na forte demanda que deverá ser gerada pela chegada do 5G.

“O mercado de data centers continua em rápido crescimento. As empresas estão vendo os verdadeiros benefícios da computação em nuvem e acreditamos que toda a América Latina, incluindo o Brasil, continuará a crescer em ritmo acelerado”, afirma Torto, que se manteve como acionista minoritário (2%) e CEO da Ascenty. “No futuro, o setor será bastante afetado positivamente pela chegada da tecnologia 5G e pela necessidade de os dados estarem próximos aos usuários finais. Será um grande desafio, mas também uma oportunidade de alavancar nossos negócios”, diz o empresário, que vive entre o Brasil e os Estados Unidos.

Segundo o Gartner, mesmo com a pandemia da Covid-19, as perspectivas de médio prazo são de fato positivas para o setor. A consultoria prevê que o mercado mundial de sistemas de data center vá cair 9,7% em 2020, para US$ 191,1 bilhões. Mas alguns segmentos vão crescer mais rápido. É o caso de serviços de nuvem pública (19%), telefonia e mensagens baseadas em nuvem (8,9%) e conferências baseadas em nuvem (24,3%). A Ascenty atua tanto em serviços de nuvem pública quanto privada. “Em 2020, alguns projetos de transformação a longo prazo baseados em nuvem podem ser suspensos, mas os níveis gerais de gastos no segmento que o Gartner projetava para 2023 e 2024 já estarão presentes em 2022”, afirma John-David Lovelock, vice-presidente de pesquisa do Gartner.

O relatório não especifica quanto do aumento de demanda esperado nos segmentos que serão acelerados pela pandemia ficará no Brasil. Nem traz números específicos sobre o mercado de data centers no país. Anderson Gianesini, gerente de consultoria para transformação digital na EY, diz que normalmente a contratação de espaço na nuvem em servidores lá fora custa mais barato. O que tende a ser negativo para data centers no Brasil. Mas, em muitos casos, dependendo do tipo de negócio da empresa, os dados precisam ficar armazenados no país de origem, por questões de legislação ou latência — a latência é um indicador de qualidade relacionado ao tempo de resposta às solicitações de informações feitas ao data center. “Aplicações de ERP-SAP na parte fiscal e de controladoria, por exemplo, costumam demandar baixa latência”, diz o consultor da EY.

Rede própria

A baixa latência tem sido justamente um dos pilares da estratégia da Ascenty desde o início. O Brasil foi escolhido por Torto para montar o negócio em um momento no pós-crise de 2008. Capitalizado pela venda da Vivax, operadora de TV por assinatura que fundou e vendeu para a NET em 2007, por US$ 1,3 bilhão, o empresário passou cerca de dois anos avaliando oportunidades de investimento no país e nos Estados Unidos. No mercado americano, descobriu que mesmo com a retração da economia os segmentos de data centers e de redes metropolitanas de fibra ótica continuavam “bombando”, e decidiu ver se o mesmo acontecia no Brasil. “Descobri que havia pouquíssima infraestrutura de qualidade em data centers no Brasil”, contou, em 2014, no VII Seminário TelComp, em São Paulo.

Descobriu também que, em comparação com os Estados Unidos, no Brasil havia poucos operadores de redes de fibra ótica. Ter a própria rede poderia ser um diferencial, já que a conexão afeta a latência. Com a ideia da nova empresa esboçada, Torto chamou o fundo americano Great Hill Partners, seu ex-sócio na Vivax, e montou a Ascenty, em 2010.

“A partir do primeiro data center, em Campinas, construímos uma rede de fibra ótica proprietária que conecta todos os nossos data centers aos principais pontos de troca de tráfego, infraestruturas de telecomunicações e estações de cabos submarinos em nossos três principais mercados (São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza)”, diz Torto. A empresa tem hoje cerca de 4,5 mil quilômetros de redes de fibra ótica. “Isso nos permite oferecer melhor conectividade a um custo menor do que o dos provedores de telecomunicações”, afirma.

Chris Torto, fundador da Ascenty. / Foto: divulgação.

Fator escala

Outro pilar da estratégia da empresa, principalmente nos últimos anos, quando passou a ter novos sócios e fôlego financeiro extra, têm sido ganhar escala. Com a entrada da Digital Realty e da Brookfield no negócio, os investimentos anuais dobraram, para cerca de R$ 2 bilhões. “Uma coisa que já ficou clara foi que temos que crescer em data centers de maior tamanho e potência, porque os clientes estão demandando isso”, afirma Torto.

No final do ano passado, a empresa colocou em operação a primeira fase do maior de seus 15 data centers e atividade na América Latina. O prédio, com cerca de 20 mil metros quadrados, foi entregue e será ocupado por uma só empresa. O passo seguinte do projeto é a construção de outros três prédios no terreno, localizado em Vinhedo, no interior de São Paulo. Ao todo, o complexo terá cinco edifícios e será o maior da América Latina, diz Torto.

Em junho, a empresa também anunciou o início das obras de seus dois primeiros data centers no México. Os empreendimentos, orçados em US$ 300 milhões, têm cada um 24 mil metros quadrados de área e data de entrega prevista para o próximo ano. O país é o segundo a ser explorado na região. No Chile, as obras de outras duas unidades em construção. Segundo Torto, o próximo alvo na América Latina será a Colômbia.

No Brasil, em paralelo ao processo de internacionalização, há ainda outros três data centers em construção. Com isso, a empresa deverá chegar a um total de 22 unidades, 18 no país.

“Observamos uma procura muito grande por contratar tudo o que é relacionado à tecnologia como serviço, e com infraestrutura não tem sido diferente. É um movimento que tem avançado no Brasil e na América Latina”, diz o empresário. Os próximos anos ainda serão de grandes oportunidades, avalia. “Este ano, deveremos ter mais de 500 empregados em três países. A expectativa é de crescermos mais de 40% ao ano, nos próximos três anos”.

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