Disparos no corredor

Rene Spoladore
Escritas
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4 min readSep 14, 2019

Os três homens voltaram ao corredor, estava escuro novamente. Um clarão repentino iluminou as paredes estreitas por alguns segundos, projetando sombras aterrorizantes em sua superfície. Vincent apertou o revólver com mais força em seu punho enquanto Harry atirava a luz do lampião em direção a porta da sala principal. Ali na frente, embaixo do umbral, então, surgiu mais uma vez a forma bioluminescente. A luz fez o corredor parecer ter seu próprio sol, tornando a noite em dia. A forma era amorfa, mudava sua silhueta de modo fluído como ondas de um líquido espesso.

Larry ficou pasmo com o que via, ele apontava com o dedo como uma criança impressionada, balbuciava alguma coisa inteligível enquanto sacudia o ombro de Vincent. O repórter tinha convicção de que agora o alienista não poderia negar aquela aparição.

- Está vendo? Está vendo? — finalmente conseguiu dizer antes de ficar catatônico mais uma vez, com os olhos arregalados e a boca aberta em uma expressão de incredulidade.

Em um movimento desesperado Vincent Cunningham apontou o revólver e atirou uma única vez. O estampido alto deixou os três homens um pouco atordoados e o projétil acertou o teto não muito longe da forma iluminada que foi desaparecendo lentamente, tornando-se translúcida até sumir completamente como se nunca estivesse estado ali, exceto pela gosma que ficou no chão, bem no ponto onde a forma estava.

Os olhos demoraram a se acostumar com o breu. Vincent esfregava-os com força, conseguindo apenas distinguir a respiração rápida e pesada dos dois homens. Aos poucos ele viu a silhueta do repórter, de cócoras e com as mãos nos ouvidos, ele chorava e repetia apenas uma palavra em um sussurro como que para ninguém.

- Barulho, barulho, barulho…

Ao se virar ele pôde ver o cientista na mesma posição, mas ele parecia mais lúcido, embora bastante perturbado também. Ele balançava a cabeça até que olhou para o próprio pulso, o tic tac do relógio parecia enlouquecedor. Harry King arrancou o relógio de seu pulso e o jogou no chão, próximo aos pés de Vincent.

- Faz o relógio parar! — sua voz tinha um som gutural, quase que demoniaco.

O alienista olhou para o objeto no chão e pisou no visor de vidro, estilhaçando-o. Os ponteiros tortos e o vidro quebrado finalmente ficaram em silêncio. Aos poucos o cientista foi se recuperando, levantou-se lentamente, apoiando-se nas paredes. Ele tomou ar, inspirou profundamente e então esvaziou os pulmões em uma demonstração de alívio.

Mas ainda havia Larry. O repórter ainda repetia aquela palavra, apertando as mãos nas orelhas. Vincent foi até o banheiro no fim do corredor e abriu o pequeno gabinete próximo a pia, mas não havia nada que ele pudesse usar para tampar os ouvidos do homem atormentado. Harry iluminava o caminho até Vincent e ele notou uma expressão soturna no rosto do médico. Cunningham sacou os dois revólveres e encarou as peças como se fossem monstruosidades. Ele andou pesado, mas rápido até Larry e se ajoelhou ao lado dele. King não se moveu, apenas ficou ali observando.

Vincent conseguiu ver o rosto de pânico do homem. Era uma manifestação pura de medo, em seu modo mais primal. Era um medo mortal. Os olhos injetados penetraram sua mente e ele apenas disse:

- Faz o barulho parar.

Vincent afastou as mão dele e estendeu os dois revólveres quase que tocando as orelhas. Os canos apontando para a porta do banheiro traziam uma imagem que atormentaria o médico pelo resto de sua vida. Ele engoliu seco e focou os olhos no rosto de Larry. Ele puxou os dois cães ao mesmo tempo, eles pareciam pesados. Os indicadores, então, pressionaram o gatilho muito lentamente, Vincent podia jurar que ouviu um ranger metálico enquanto fazia aquilo. Fechou os olhos puxou uma grande golfada de ar para os pulmões e soltou de uma vez e então um estampido muito maior que o anterior. Dois tiros dados simultâneos como se fossem apenas um. O clarão alaranjado. O rugido das armas. Os projéteis atingindo a madeira. Estava feito. Ele largou as armas no chão em total descrença no que tinha feito.

Larry demorou alguns segundos para entender o que havia acontecido. Ele tocou os orifícios das orelhas enquanto sentia algo quente escorrendo de dentro delas. Olhou para a ponta dos dedos e viu o sangue. Pequenas gotas escarlate gotejavam de seus lóbulos, como pingentes, então o repórter percebeu o silêncio, mas não era qualquer silêncio. Era a total ausência de som que não fosse o zumbido agudo causado pelo disparo.

Mais alto que o som dos tiros foi o grito de dor de Larry. Um grito vindo da alma, um grito rouco que parecia arranhar toda a garganta do homem. Vincent colocou a mão em sua boca, e ainda assim conseguia sentir a vibração. Larry o empurrou e o alienista se ergueu e apenas ficou parado observando o homem. O repórter olhou para o chão e apanhou um dos revólveres, fez mira e disparou sem nem ao menos pensar no que estava fazendo. O tiro não acertou Vincent e Larry começou a rir como um maníaco. Ele não havia ouvido o estouro da arma e agora não ouvia a própria risada.

Vincent se virou e esperou pelo julgamento do cientista, mas Harry não disse uma única palavra por segundos. Apenas ficaram se encarando. A risada de Larry dava um ar sinistro à situação.

- Vamos continuar investigando a casa — disse Harry apontando para a porta fechada.

Esse é um trecho de uma partida de Call of Cthulhu que transformei em uma narrativa.

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