Como os Warriors formaram o ambiente perfeito para Stephen Curry

The GOAT
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10 min readNov 4, 2015
curry 2015 2

Atenção, a seguir, uma frase que analisa profunda e detalhadamente uma das principais estrelas da NBA atualmente: Stephen Curry é um excelente jogador de basquetebol.

Depois de ser o líder do Golden State Warriors na temporada 2014–2015, o atual Jogador Mais Valioso (MVP) da liga começou 2015–2016 voando. Não há dúvidas de que Curry é um talento daqueles que aparecem poucas vezes em uma geração, mas, se o jogador tem seu potencial explorado tão bem, boa parte disso se deve ao trabalho dos Warriors na montagem do elenco, no sistema do técnico Steve Kerr e no próprio Curry. Como? Tentaremos explicar alguns aspectos abaixo.

O sistema de Golden State

Os Warriors já eram um time interessante sob o comando de Mark Jackson. Curry já era um grande jogador. Mas o sistema desenvolvido pelo técnico Steve Kerr, com ajuda de assistentes como Alvin Gentry e Luke Walton, foi o grande catalisador para a ascensão do armador. Os Warriors de Kerr são o resultado mais complexo e desenvolvido do que costuma ser chamado de basquete moderno. É possível achar características das principais equipes recentes com inovações táticas em Golden State.

- O ritmo alucinante (100,7 posses por jogo na última temporada-ESPN) sob o comando de um grande armador lembra o Phoenix Suns de Steve Nash e Mike D’Antoni, que era baseado em ataques de sete segundos ou menos. O uso pesado de pick and rolls para iniciar posses de meia-quadra também é uma característica comum aos dois times.

- Golden State liderou a liga com 20,6 pontos em contra-ataques em 2014–2015. O jogo de transição é uma marca desse sistema de ritmo acelerado e se deu a partir de uma defesa extremamente eficiente (a melhor da liga, rendimento de 101,4 pontos cedidos por 100 posses).

Por conta da oposição a um sistema de jogo mais lento, com uso de pivôs grandes e pesados, os Warriors são encarados como um time de arremessadores. Quando Charles Barkley disse que eles não teriam chance de vencer o título porque “times que têm o jumper como base não vencem”, o lendário ex-jogador cometeu alguns equívocos. Primeiro, os Warriors não seriam os primeiros a vencer com jumpshots. Os Mavericks de 2011 e os Spurs não nos deixam mentir, principalmente. Segundo, porque ele não poderia se mostrar mais enganado quando meses depois Golden State o contrariou.

Foram 30% de pontos oriundos de bolas de 3 ao longo de 2014–2015 para os Warriors. E, quando falamos de Stephen Curry, estamos falando de um dos melhores arremessadores da história do esporte. Um time que priorize esse tipo de arremesso e dê a liberdade a ele para chutar dificilmente estará tomando uma decisão errada.

Além dessas características, o sistema de Golden State consegue, assim como costumam fazer técnicos como Rick Carlisle e Gregg Popovich, retirar o melhor de cada jogador, fazendo com que rendam no estilo de jogo que mais os adequa. Assim, os jogadores se sentem à vontade para jogar com naturalidade e o jogo chega até eles.

Mais do que isso, Steve Kerr conseguiu, em um curtíssimo intervalo de tempo, mesmo como técnico calouro, adquirir a confiança dos jogadores. E grande parte disso se deve justamente à confiança que depositou neles. Difícil não entender porque Curry chuta quando bem entende. Tem a liberdade e a confiança de Kerr para isso. Difícil não entender como Andre Iguodala, no começo de 2014–2015, aceitou ser reserva da equipe. Trata-se de assimilar e confiar no sistema.

O elenco multifacetado e a defesa dos Warriors

O sistema defensivo dos Warriors não fica atrás. Graças a um elenco versátil, Golden State tem muitas opções para agir e reagir defensivamente. Curry não é conhecido por ser um grande defensor. É medíocre nesse lado da quadra, para ser franco. Mas com tantos defensores capazes no elenco, ele pode ser facilmente escondido nesse setor.

A agilidade de Draymond Green permite que o ala-pivô acompanhe o homem grande na descida do pick-and-roll, rapidamente mude para frear o homem da bola e dê combate aos principais pivôs do adversário. O físico e a intelgência de Andre Iguodala fazem dele um cão de caça para qualquer ala da liga. Seu trabalho defensivo em LeBron James nas Finais foi fundamental para o título dos Warriors. Andrew Bogut é um protetor de aro como poucos na liga. Seu trabalho no seu próprio aro reduz o rendimento do adversário em cerca de 6 pontos a cada 100 posses.

Já Klay Thompson, Harrison Barnes e Shaun Livingston são defensores de um nível bom para aceitável, com vantagens físicas sobre a maioria dos jogadores de suas posições. A defesa é, muitas vezes, uma das melhores fontes de jogadas para o ataque, principalmente contra adversários encardidos, que tentam diminuir a velocidade dos Warriors (re: Grizzlies, Cavs quando usou Mozgov e Thompson nas finais).

Exemplo:

Draymond Green fecha a passagem para evitar que Kyle Lowry ataque a cesta após o pick-and-roll com Patrick Patterson. Sua agilidade, porém, permite que ele não deixe o ala-pivô completamente livre e evite o passe de Lowry, que é obrigado a recomeçar o lance.

Analise Green 1

O armador chama mais uma parede de Patterson para tentar reiniciar o lance. Livingston fica preso no bloqueio do ala-pivô. Como Green é agil o suficiente para marcar um armador e Livingston é alto o suficiente para marcar Patterson, há uma troca simples na marcação.

Analise Green 2
Analise Green 3

Exemplo 2:

Curry fica perdido no bloqueio de Jason Smith. Louis Amundson solta a bola para José Calderón, que teoricamente se encontra livre de marcação. Draymond Green lê a jogada rapidamente e desvia o arremesso do espanhol.

Analise Green 4
Analise Green 5

Green dispara para o contra-ataque após o toco. Thompson fica com o rebote e aciona o ala-pivô, que lança Harrison Barnes. Pontos fáceis gerados pela boa defesa. Transição perfeitamente executada.

Analise Green 6
Analise Green 7
Analise Green 8

Não se pode dobrar Stephen Curry

Há um fator que difere Stephen Curry de alguns dos últimos grandes líderes ofensivos da NBA: ele não é a única opção ofensiva de seu time. Carmelo Anthony, LeBron James e Kobe Bryant entendem muito mais sobre carregar um ataque nas costas sem muita ajuda do que Curry. Porque não se pode dobrar a marcação nele. Os Cavaliers adotaram essa estratégia em momentos das Finais e falharam miseravelmente. Por que? Primeiro, porque Curry tem uma capacidade incomum de driblar e passar a bola, o que lhe faz sair dessas armadilhas com facilidade. Além disso, há outros dois fatores:

1) praticamente todo jogador dos Warriors é uma ameaça do perímetro e infiltrando. Dobrar significa dar espaço para Curry, um excelente passador e controlador de bola, achar o cara certo no momento certo.

Exemplo:

LeBron fecha o caminho para Curry bater bola pelo meio da quadra e evitar a infiltração. A chave está na movimentação dos jogadores dos Warriors, que não assistem à jogada parados.

Analise Curry 1

Iguodala percebe o espaço deixado por LeBron e ocupa a zona morta do lado da bola. Ninguém o acompanha e ele mata o arremesso sem ser incomodado por LeBron. Se Kyrie Irving fizesse a troca e acompanhasse Iguodala, o passe para Bogut, dentro do garrafão, ficaria livre. O mesmo para Klay Thompson no lado oposto se quem seguisse Andre fosse JR Smith. Você gostaria de deixar o homem que fez 37 pontos em um só quarto livre?

Analise Curry 2

2) Além de Curry, os Warriors têm grandes criadores de jogadas em Iguodala, Green e Thompson. O que isso quer dizer? Que uma dobra pode significar dar vantagem numérica a Golden State, facilitando a vida do ataque.

Exemplo:

LeBron ocupa o espaço para evitar que Curry bata James Jones na velocidade e infiltre pela lateral. O resultado? Deixa Iguodala livre para receber a bola na cabeça do garrafão.

Analise Curry 3

Se Curry fosse o único jogador realmente perigoso, os Cavaliers poderiam viver o dia inteiro com Iguodala recebendo esse passe. Mas não é o caso. Andre sabe muito bem criar as jogadas e, num quatro contra três, enxerga Barnes sozinho na zona morta. Bingo.

Analise Curry 4

Dentro do garrafão, Draymond Green “sela” o marcador, impedindo que se aproxime de Barnes a tempo. Seja qual for a opção escolhida por Iguodala, os Cavs ficam em maus lençóis.

Analise Curry 5

A qualidade da imagem é baixa, mas observe como Kobe, nesse lance, atrai a marcação de três marcadores. Ele tem um ala livre na zona morta e Luke Walton, que nem aparece no vídeo, livre logo atrás. Mas ele prefere o arremesso, pois não confia em seus companheiros (que não eram muito confiáveis mesmo). A defesa claramente prefere que Kobe toque do que ele finalize, mesmo marcado por dois ou três e, por isso, o induz ao passe. Uma defesa sobrevive com Smush Parker e Kwame Brown arremessando a maioria dos chutes que eram para ser de Kobe Bryant. Uma defesa não sobrevive com Klay Thompson, Draymond Green, Barnes e Iguodala recebendo a bola livre em toda posse.

Analise Kobe

Apesar de todos os fatores listados, o que mais importa é que…

Steph Curry é muito bom

A capacidade técnica do jogador é algo que beira o inacreditável e ameaça redefinir as gerações que entrarão na liga. O gatilho rápido faz com que qualquer movimento mais brusco seja encarado pela defesa como uma possibilidade de arremesso. A técnica para controlar a bola faz com que o jogador possa atravessar a quadra, buscar os locais mais vulneráveis da defesa e achar espaços que poucos conseguem visualizar. Sua capacidade de, repentinamente, emplacar períodos de 20 ou 30 pontos é uma constante esperança para alternar qualquer partida para os Warriors.

Em 2014–2015, Curry acumulou um aproveitamento de 48,7% nos arremessos de quadra. Nos chutes de 3, converteu 45,6% das tentativas. Nas 20 derrotas dos Warriors incluindo temporada regular e playoffs, Steph converteu somente 34,1% dos chutes de três. Parar Golden State, portanto, significa parar Curry da linha de três. Mas a tarefa parece cada vez mais ingrata.

mapa curry

Os arremessos de Curry em 14–15 (quanto mais “quente”, maior a conversão)

Graças a esse aproveitamento, Curry teve um índice de eficiência de 28,0 na última temporada, cerca de 8 pontos a mais do que o segundo melhor do time no quesito: Klay Thompson.

2015–2016

(ALERTA DE AMOSTRA PEQUENA: os números apresentados a seguir tratam de somente quatro jogos e, portanto, devem ser analisados sempre com essa consideração)

Não satisfeito com a grande temporada de 2014–2015, Curry começou 2015–2016 pegando fogo. Nas quatro primeiras partidas da temporada,o armador anotou 118 pontos, uma média de 37 por jogo. Seu volume de chutes aumentou de menos de 17 para cerca de 21 por jogo esse ano. O que também cresceu foi seu aproveitamento: foram convertidos 59,5% dos arremessos de quadra, com acerto em 48,8% em bolas de 3. De maneira lógica, seu número de assistências caiu: foi de 7,7 por partida para 6,3. Curry está mais “fominha”. Não que isso prejudique seu time. Nos quatro jogos, o armador alcançou um índice de eficiência de 50,4, um nível absurdo de atuação (o recorde histórico para uma temporada com pelo menos 60 jogos é de 31,8 de Wilt Chamberlain).

Contemplem Curry usar o drible para achar os lugares mais cruciais da quadra. Como, com uma mecânica quase instantânea de arremesso, mantém os marcadores em alerta o tempo todo, e facilita o drible. Um segundo, um passo atrás em falso e pronto. Como ele, mesmo aparentemente perdendo a bola, consegue manter a posse e achar passes incríveis para companheiros desmarcados. Como Curry fatia a defesa e reconhece caminhos que as mentes comuns teimam em ignorar. Steph é o Homem Sem Nome do basquete moderno. Não há como descansar com ele em quadra. Relaxe por alguns instantes e o jogo já era.

Curry e os Warriors alimentam um ao outro. É difícil pensar que Curry seria tão bom se não fosse pelo sistema em que está incluído e os jogadores que o cercam. E isso não é demérito algum. Afinal, é improvável pensar que os Warriors pudessem chegar onde chegaram sem um jogador com o talento e a performance de Curry nos últimos anos.

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