Ah, o Triângulo. Aquele complicado sistema ofensivo que enlouquece os que se dizem especialistas em basquete. “Eu não entendo o Triângulo, mas ele é ruim e antiquado”, dizem alguns. “Só funciona com talento”, dizem outros. “Você precisa ter os jogadores certos para ele”, afirma outra turma.
O basquete atual é predicado em movimentação, tanto da bola como dos jogadores, e o Triângulo tem isso. Nos ensinamentos de Tex Winter, o Triângulo tem uma grande diferença de outros sistemas ofensivos. Em outros sistemas, você tenta forçar a defesa a fazer o que você quer, até encontrar um espaço. No Triângulo, a ideia é ler e reagir ao que a defesa apresenta. Quando feito corretamente, o Triângulo tende a ser imprevisível.
Ora, talento… cite um time que ganhou sem ter talento? Todo time campeão teve talento extraordinário em seu elenco. Os mais citados como “sem talento”, são o Detroit Pistons de 2004 e o Dallas Mavericks de 2011. E, depois de olhar o elenco dos Pistons e Mavs… bom, sem talento é o que não eram.
Como alguém que não entende algo e já classifica como algo ruim não merece mais tempo da nossa atenção, vamos ao próximo tópico: jogadores certos para o sistema.
Todo sistema ofensivo necessita de um certo tipo de jogador para que funcione. Alguns, como o SSOL de Mike D’Antoni, são mais engessados em suas necessidades. O Triângulo não. Tex Winter idealizou um sistema que cabe em diferentes elencos. Como o Chicago Bulls do início dos anos 90 e final dos anos 90, Los Angeles Lakers de Shaquille O’Neal e os Lakers de Kobe Bryant e o atual New York Knicks mostram, se você tem jogadores que conseguem ler a defesa e reagir de maneira rápida, existem diferentes maneiras de usar o talento que está em quadra.
Antes de mais nada, o básico
O Triângulo busca manter o espaço entre os jogadores ofensivos para que a defesa tenha o máximo de distância para cobrir entre uma rotação e outra. Como a bola se move mais rápido que o jogador, mantendo algo entre 4m e 6m de distância entre os atletas, fará com que a defesa acabe por dar espaços.
Não importa quantos passes, cortes um time faça, a base sempre será essa. Três jogadores no lado forte, dois no lado fraco.
Chicago Bulls, 1991 — Jordan no perímetro
No início dos anos 90, Phil Jackson e Winter gostavam de usar Michael Jordan longe da bola. A ideia era que Jordan recebesse a bola em movimento, tentando decidir rápido, evitando, assim, que defesas adversárias tivessem tempo de reagir.
Quando a bola chegava em Horace Grant, BJ Armstrong (aqui em cima) corria para o corta-luz em MJ. Ao mesmo tempo, Scottie Pippen (lá embaixo) livrava a zona morta.
MJ usava o corta-luz para atacar a cesta, mesmo sem a bola. Quando recebesse o passe, teria oportunidade de arremessar de onde recebeu, infiltrar ou seguir movimentando o ataque.
Chicago Bulls, 1991 — Jordan no pivô
Mesmo que menos do que após sua primeira aposentadoria, Jackson começou, aos poucos, a usar Jordan no post up. Era uma maneira de usar a força, altura, agilidade, visão de quadra e inteligencia de Jordan ao favor do time.
Mais uma vez, Jordan começava do lado fraco do triângulo. Enquanto isso, o armador dos Bulls (BJ ou John Paxson) levava a bola para a zona morta do lado forte.
Assim que o armador chega ao seu lugar, Grant parte para o corta-luz no outro pivô, Jordan dessa vez, e Bill Cartwright, o veterano pivô no perímetro, atravessa a quadra. Grant, Cartwright e Pippen formam o Triângulo no lado fraco da quadra.
Do lado forte, o arremesso de 3 pontos de Armstrong é ameaça suficiente para que a defesa não possa prestar atenção apenas em Jordan. Pelas regras de defesa ilegal da época, caso o marcador de Armstrong resolvesse dobrar em Jordan, poderia não ter tempo de retornar ao temido arremessador.
Sem demora, BJ tem espaço para encontrar Jordan no post up.
Uma vez com a bola, Jordan tem espaço para agir. Pippen e Grant, do lado fraco, e BJ, do lado forte, buscam deixar a defesa atenta em seus movimentos. A palavra-chave do jogo é espaço.
Chicago Bulls, 1998 — Jordan no “segundo contra-ataque”
Quando o contra-ataque falha, mas a defesa ainda não se arrumou e o jogo ainda está em transição, de certa maneira, temos o “segundo contra-ataque”. Com Pippen já funcionando basicamente como o armador de ofício do time, os Bulls usavam o longo ala para iniciar o jogo.
Dessa vez, as coisas mudam um pouco. Jordan, Toni Kukoc e Ron Harper tentam dar espaço para que Pippen e Dennis Rodman usem a quadra com mais eficiência.
O primeiro movimento é simples. Rodman tenta fazer o corta-luz para que Pippen ataque a cesta. Se funcionar, Pip faz para o aro, esperando a reação da defesa com três competentes arremessadores do lado fraco como opções.
Caso dê errado, Scottie retorna para o perímetro enquanto Kukoc vai para o lado forte da quadra, formando o Triângulo novamente.
Rodman, por sua vez, parte para o pick em MJ. O camisa 23 toma o lugar que era do ala-pivô no Triângulo do lado forte.
Pippen tem Jordan como opção em um local no qual o Melhor de Todos os Tempos é garantia de sucesso.
Com a bola, Jordan tem Pippen e Kukoc deixando a defesa honesta da linha de 3 pontos e Harper cortando para a cesta. São três excelentes opções. Além, claro, de MJ mesmo finalizar.
Los Angeles Lakers, 2001 — Shaq no post up
Com o luxo de ter Robert Horry ou Horace Grant, os Lakers de Shaquille O’Neal mudou um pouco a formação do Triângulo. No lado fraco, Shaq ficava mais perto do garrafão do que de costume. Por isso, Kobe subia para o pinch post no lado forte. Horry, ou Grant, ficavam mais no meio da quadra, já que sabiam a hora certa de cortar para o aro.
O que Horry trouxe ao Triângulo era essencial. Ele era perigoso de 3 pontos, mas tinha sabedoria e capacidade ofensiva para atacar o aro com ou sem a bola. Com um pivô que passava a bola como Shaq, Horry abriu o jogo para seu time.
Assim que Shaq recebia a bola, lá ia Horry, como uma locomotiva, para cima do aro. Não tinha como a defesa não reagir.
Rick Fox e Kobe apareciam como opção de fora e Horry seguia sendo uma ameaça, dependendo de onde a dobra viria. E, se o time adversário resolvesse não dobrar a defesa em Shaq, bom… BBQ CHICKEN!
Los Angeles Lakers, 2001 — ShawShaq Redemption
Essa é quase exclusiva dos Lakers, talvez — muito TALVEZ — os Knicks consigam repetir com Carmelo Anthony. O ShawShaq Redemption dos tempos de Orlando Magic se adaptou ao Triângulo.
Dessa vez, Fox começa no meio, Horry no post up, Kobe na zona morta do lado fraco e Shaq no pinch post. A razão do Triângulo ficar um pouco torto é para dar mais ângulo ao passe de Brian Shaw.
Horry faz um corta-luz para Shaq e sai como isca para a defesa.
O pivô adversário tem duas opções: ou deixa Shaq chegar no post up e receber a bola, virando… BBQ CHICKEN!, ou coloca toda sua força, tentando impedir o caminho de Shaq. Bem o que Shaw e Shaq queriam.
Sentindo todo o peso do pivô tentando parar seu progresso, Shaq para no lugar, gira rapidamente e vai receber o passe no aro. BOOM!
Los Angeles Lakers, 2010 — deixem Kobe trabalhar
Muito do que os Lakers de 2010 faziam lembravam os Bulls de 98. Com jogadores de estilo parecidos, Phil e Tex repetiram muito das táticas. A grande diferença é que os treinadores resolveram usar a rebeldia e vontade de quebrar o Triângulo de Kobe. De certa maneira, domaram o ala-armador sem acabar com sua agressividade.
Tudo começa com Ron ArtestMetta World Peace tentando passar para Pau Gasol no post. A defesa pode impedir o passe, o que inicia a opção no pinch post do lado fraco com Lamar Odom.
Após Fisher receber a bola, MWP e Gasol fazem o pick duplo para Kobe, que esperava na zona morta. Fisher entrega para Odom.
Odom pode atacar do pinch post ou passar para Kobe. Se escolher Bryant, corre atrás da bola para fazer o corta-luz no ala-armador. MWP abra para a zona morta e.. OLHA O QUE TEMOS NA PRÓXIMA FOTO, de novo.
O Triângulo do lado fraco e Kobe com bastante quadra para trabalhar no um contra um.
New York Knicks, 2016 — o quê os Knicks podem fazer com Melo, KP, Rose e Noah
Finalmente chegamos nos dias de hoje. Em um mundo pós-apocalíptico, onde o chute de 3 pontos virou a regra, um time de homens desvalorizados pela história lutam para manter o belo Triângulo vivo e salvar o basquetebol. Apesar de não serem ideais uns com os outros, os Knicks podem usar Carmelo Anthony, Kristaps Porzingis, Derrick Rose, Joakim Noah e Courtney Lee no sistema de Tex. Aqui algumas opções.
Todas opções começam do mesmo jeito. KP, Noah e Lee formam o Triângulo do lado forte, Rose e Melo ficam do lado fraco.
Em uma movimentação simples, Melo sobe para o pinch post, onde tem um dos melhores jogos da NBA e espera a bola de KP. Com sua altura, deve ser um passe fácil para o jovem ala-pivô.
Quando Melo recebe a bola, Rose corta para a cesta na ação do porco cego. Se Melo não passar para Rose, tem KP de 3 como opção ou pode atacar o pinch post.
Melo ainda pode fazer o corta-luz para Rose, aparecendo como opção no perímetro, caso marcado por um jogador mais pesado, e Rose no post.
Noah pode fazer o pick-n-roll com KP, Melo, Rose e Lee são opções.
Porzingis ainda pode passar para Rose.
Daqui, Rose pode atacar o aro, pode passar para Melo, pode esperar Noah, Lee ou KP cortando para a cesta.
Ou partir para o pnr com Porzingis.
O Knicks já teve opções parecidas, mas…
… fica mais difícil com pouca qualidade em quadra.
São apenas algumas das opções do Triângulo. Ainda tem muito mais. Seria bom alguém que jura que é ruim, apesar de não entender nada, dar uma lida. Espero ajudar.