Mas afinal, o que é isso do pensamento sistémico?

Pedro Portela
The HiveMind
Published in
4 min readApr 13, 2019

“You think that because you understand “one” that you must therefore understand “two” because one and one make two. But you forget that you must also understand “and.”
Donella H. Meadows, Thinking in Systems: A Primer

Primeiro, vou tentar esclarecer o que se entende por sistema. O oposto do termo “sistema” seria algo parecido como um “conjunto”. Uma caixa com ferramentas não é um sistema; é um conjunto de objectos. Um berbequim é um sistema (mecânico); os seus elementos estão organizados e ligados entre si de uma forma específica para cumprirem um propósito definido.

Da mesma forma, eu não sou uma coleção de orgãos, tecidos biológicos, músculos, sangue, água, proteínas, bactérias, etc. Estes elementos fazem parte de mim, mas é a sua disposição em hierarquias e a forma como eles estão ligados e comunicam entre si que os torna num sistema. E, ao contrário do berbequim que não nasce, não cresce, não evolui, não se adapta e não morre, eu sou um sistema que está vivo.

A forma mais elementar de explicar o que é o pensamento de sistémico é dizer que é uma forma de olhar para o mundo à nossa volta como um emaranhado sem fim de sistemas vivos que nascem, crescem, interagem entre si, evoluem, alimentam-se, cumprem um ou vários propósitos ao longa da vida, adaptam-se e morrem, dando lugar a outros.

Practicamente todos os problemas que nos dizem algo, desde a enxaqueca matinal até ao crescimento da extrema direita na Europa, são sintomas de um sistema em funcionamento. Daí a dificuldade que tenho em responder à pergunta: onde se aplica o pensamento sistémico? A resposta não ajuda muito: aplica-se a tudo: porque tudo é, ou faz parte de um sistema vivo.
Nota: mesmo os sistemas mecânicos mais bem elaborados, como um Boeing 737 Max está sujeito às vicissitudes de um sistema vivo pois foi projectado, construído, certificado e é operado por “sistemas vivos com uma licenciatura em engenharia”!

“- Porque é que é preciso estudar pensamento sistémico? Eu já sei que tudo está ligado a tudo! “

A resposta a esta pergunta parece trivial mas não é.

Intuitivamente sabemos que “estamos todos ligados” mas, na prática, o nosso cérebro esforça-se muito para simplificar omundo à nossa volta, pois não tem recursos para lidar com a complexidade e incerteza dos sistemas vivos. Por isso, preferimos tomar uma aspirina de manhã para eliminar os sintomas da enxaqueca matinal em vez de tentarmos perceber se existe algo na nossa rotina irreflectida que nos causa este sintoma crónico (algo que comemos na noite anterior, desidratação, má postura, etc.). Resolver um problema de forma sistémica implica investimento inteligente e estratégico de tempo e recursos, e o envolvimento de várias disciplinas.

Integrar essas disciplinas num todo coerente, que possa ser analisado, medido, testado e validado é a essência do pensamento e da práctica sistémica.

Estudar pensamento sistémico é estudar a ciência das relações e das redes. É estudar e praticar integração de disciplinas que normalmente não se falam. Isto implica sentar várias pessoas à mesa e saber facilitar um espaço de partilha e aprendizagem mútuo onde a humildade impere.

Estudar a práctica sistémica, significa conhecer e aplicar ferramentas digitais inovadoras que nos permitem elaborar os mapas das relações entre as variáveis dos sistemas que estamos a tentar compreender. Estas ferramentas são muito recentes, e surgiram exactamente desta crescrente consciência de que não podemos continuar a olhar para os problemas de forma isolada; é necessário mapear as redes de interdependência entre eles. Como é que as alterações climáticas estão relacionadas com o aumento da popularidade da extrema direita? Como é que o crescimento económico está ligado ao aumento do consumo de ansiolíticos?
Identificar, caracterizar e quantificar estas relações é o papel do pensamento sistémico.

O pensamento sistémico é uma meta-disciplina: isto é, é uma disciplina que está contida e que simultâneamente engloba todas as outras disciplinas que estudamos nas escolas e universidades. É a disciplina essencial para entender o Mundo em que vivemos, desde o nosso corpo até à nossa galáxia, passando pelas sociedades e pelo clima; mas é a única que, ironicamente, não é ensinada nas escolas.

Para terminar, deixo um exemplo de um mapa sistémico feito há uns anos atrás em Amarante, no âmbito de um projecto de promoção do comércio justo, biológico e local. Este mapa está incorreto, incompleto, simplificado e não validado. Mas mesmo assim, demonstra quão elaborada é a cadeia que une as nossas decisões do dia-a-dia com o futuro da nossa economia e do planeta.

Explorem este sistema:

Imagem por Luisa G Costa

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Pedro Portela
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System’s Thinking my way through a Complex life.