Jogos financiados pelo Kickstarter que fizeram surgir grandes editoras

Financiamento coletivo é responsável, em partes, pelo boom recente dos board games e também por firmar editoras no mercado

Anderson Butilheiro
The Meeple Kingdom
9 min readDec 18, 2019

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Esses dias, organizando minha coleção — algo que faço tanto fisicamente, quanto numa planilha que tenho aqui — percebi que tenho mais de 50 jogos foram financiados via Kickstarter. Não que eu tenha financiado todos eles pelo site, mas alguns saíram em versão de varejo nas lojas estrangeiras, outros foram trazidos por editoras brasileiras, e outros ainda acabei pegando de segunda mão. Mas o mais interessante foi que percebi que muitos desses jogos não existiriam sem a plataforma de financiamento coletivo que, sozinha, já arrecadou mais de 35 milhões de dólares só em 2018 com jogos de tabuleiro.

E não seria muito também dizer que boa parte desse revival dos board games que nós vivemos desde 2013, por aí, também é devido à popularidade dos mesmos na plataforma. Há pesquisas que mostram o quanto os financiamentos coletivos foram responsáveis pelo crescimento do número de jogos lançados por ano, pela arrecadação do mercado e ainda pela quantidade de usuários, por exemplo, no BoardGameGeek.

É claro que temos que dizer que só a CMON, editora americana por trás de jogos como Arcadia Quest, Rising Sun e, mais recentemente, Bloodborne, é responsável por muito desse sucesso, com jogos que frequentemente ultrapassam 1 milhão de dólares em arrecadação. Porém, não dá pra gente dizer que, hoje, todos esses jogos não existiriam sem o Kickstarter. Pelo contrário, eles seriam sucesso facilmente mesmo se lançados diretamente no varejo, mas a empresa opta por lançar suas campanhas na plataforma para garantir aos jogadores acesso aos milhares de extras que seus jogos costumam carregar. Mas, acredito eu, que não seria assim se a editora não tivesse começado de algum lugar, no caso, de seu primeiro grande sucesso: Zombicide.

ZOMBICIDE

Segunda edição do “clássico” Zombicide acaba de ser financiada com mais de 3 milhões de dólares.

Se os demais jogos da empresa, financiados nos últimos anos, poderiam ter sido lançados por outro meio, é à Zombicide que a CMON deve seu sucesso. O primeiro financiamento coletivo da empresa a transformou na gigante que é hoje e trouxe a confiança dos consumidores para o que a empresa promete e entrega. Só nas campanhas relacionadas à franquia Zombicide, a editora já arrecadou mais de 18 milhões de dólares na plataforma de financiamento coletivo.

E não acho que seria exagero dizer que a própria CMON não existiria hoje se não fosse pelo sucesso do jogo. Acredito que mesmo que depois outros jogos tenham superado o valor arrecadado pelo primeiro Zombicide, a editora só ganhou forças para ir atrás de tantas licenças diferentes devido à sua já conhecida projeção. Hoje, a editora não só lança jogos autorais como usa diversas IPs conhecidas como Narcos, O Poderoso Chefão e de jogos famosos nos vídeo-games como Bloodborne e God of War.

TINY EPIC KINGDOMS

Uma série que promete grande jogos em pequenas caixas.

Outra franquia de bastante sucesso que deve seu começo ao Kickstarter é a série Tiny Epic. Iniciada com Tiny Epic Kingdoms, a série de pequenos jogos (mas com preço de jogo grande) já arrecadou cerca de 5 milhões de dólares com suas sequências Tatics, Mechs, Zombies, Defenders, Quest, Galaxies e Western. E não para por aí, vários desses jogos já têm expansões lançadas e outros jogos da série são esperados.

Depois do sucesso da série, a Gamelyn Games, editora americana, emendou Heroes of Air, Land & Sea, jogo que deu um pouco mais de trabalho — teve duas campanhas canceladas, antes de finalmente emplacar na terceira tentativa — mas fechou arrecadando meio milhão de dólares. O último jogo da franquia, Tiny Epic Dinosaurs, financiou com pouco mais de 400 mil dólares no último mês de novembro.

GLOOMHAVEN

Gloomhaven é hoje o top 1 do ranking do BGG.

Atual primeiro lugar no ranking mais prestigiado do mundo dos board games, Gloomhaven só viu a luz do dia após o estrondoso sucesso de sua primeira campanha de financiamento coletivo — seguida por uma segunda campanha que arrecadou ainda mais que a primeira (10 vezes mais, para ser exato). Mas somente os sedentos apoiadores seriam capaz mesmo de trazer à vida o ambicioso projeto de mais de 90 horas de campanha idealizado por Isaac Childres.

É verdade que o autor já havia lançado um projeto anterior pela plataforma, o bastante desconhecido Forge War, mas foi com as campanhas do seu grande sucesso que ele chegou a cerca de 4,4 milhões de dólares arrecadados e ao topo do BGG. Gloomhaven já tem duas continuações previstas para os próximos anos: a expansão Jaws of the Lion e seu sucessor Frosthaven (uma espécie de jogo 2 da série), além do já lançado Founders of Gloomhaven — um jogo estratégico/econômico ambientado no mesmo universo, e uma versão original do jogo que está em fase beta na Steam.

THE 7TH CONTINENT

O ambicioso projeto de The 7th Continent.

Um dos maiores hypes dos últimos anos, The 7th Continent conseguiu unir a sensação de aventura e exploração ao tradicional jogo de tabuleiro e isso por si só valeu os mais de US$ 8 milhões arrecadados nas duas campanhas de financiamento do jogo — a primeira em 2015 e a segunda em 2017. Mas o sucesso do jogo também passa pela ótima campanha, pela relação com os consumidores e pelo fato de que o jogo justificou o investimento, tanto que voltou 2 anos depois e obteve um sucesso ainda maior do que o da primeira campanha.

Ambientado num mundo de fantasia, no jogo os jogadores são exploradores atrás de relíquias e tesouros que devem explorar os mapas e enfrentar perigos enquanto vasculham centenas de cartas com detalhes escondidos e um clima de aventura sem igual. O jogo foi extremamente bem recebido pela crítica, concorreu a vários prêmios e recebeu uma enxurrada de pedidos para uma nova edição — que foi atendido parcialmente, já que a Serious Poulp decidiu lançar uma versão retail do jogo sem os extras que estavam disponíveis na versão do Kickstarter.

DINOSAUR ISLAND

O psicodélico visual de Dinosaur Island.

Crie e administre seu próprio parque de dinossauros, trazendo à vida diferentes espécies através da combinação de DNAs e encare os desafios de ter feras enjauladas atraindo milhares de visitantes. A premissa de um livro que virou filme e também invadiu os jogos digitais já estava demorando para das as caras nos tabuleiros e foi com Dinosaur Island, essa fantástico e psicodélico jogo que finalmente aconteceu.

Com mais de meio milhão de dólares arrecadados na sua primeira campanha e outros 2 milhões na segunda, o jogo chamou a atenção pelo seu tema e também pelo visual inusitado, remetendo aos anos 1990. Mas o jogo brilhou também com sua jogabilidade divertida e bem simpática, com seus dinomeeples e com mecânicas sólidas, concorrendo à diversos prêmios. O jogo inclusive já está disponível no Brasil.

SCYTHE

As belas e temáticas miniaturas de líderes foi um dos chamariz da campanha de financiamento.

Scythe arrecadou 1,8 milhões em sua campanha de financiamento coletivo ainda em 2015, valor que, para aquela época, era um fenômeno de arrecadação. Não era a primeira campanha da Stonemaier Games, é verdade, que já havia feito campanhas de sucesso com os jogos Viticulture e Euphoria, mas foi o jogo que projetou a empresa à um novo patamar no mercado. Claro que muito disso tem relação direta com Jamey Steigmaier, um dos sócios da empresa, designer do jogo e relações públicas que faz um papel de enorme importância do mercado sendo um cara transparente e super receptivo e participativo com a comunidade.

Construído em cima de m universo criado por Jakub Rozalski, Scythe emula uma Europa alternativa pós-Primeira Guerra num jogo estratégico/econômico de controle territorial e administração de recursos. Mais do que isso, Scythe se tornou rapidamente um dos jogos mais conhecidos fora do nicho, chamou atenção para o mercado até então dominado por jogos temáticos — principalmente porque a maioria das campanhas de destaque anteriormente no Kickstarter eram de jogos de miniaturas.

Hoje, a Stonemaier Games ostenta o título de uma das melhores empresas do setor, com diversos jogos e expansões lançadas e campanhas de ainda maior sucesso — dessa vez fora da plataforma do Kickstarter. Sctyhe já conta com 3 expansões maiores, 2 menores, uma infinidade de promos e acessórios e ainda uma versão digital do jogo disponível na Steam. Recentemente o site Meeple Mountain o colocou em primeiro no lugar em sua lista de 100 jogos mais importantes da década (que você pode acessar aqui).

ROOT

É uma cilada: bichinhos fofinhos enganam na capa do jogo.

Talvez Root não seja o jogo de maior arrecadação dessa lista, mas é com certeza um de maiores sucessos no mercado e na crítica. Vencedor de diversos prêmios, inclusive o cobiçado Golden Geek, do BGG. A primeira campanha levantou cerca de 600 mil dólares em 2017 e a segunda, este ano, arrecadou cerca de 1,7 milhão. Isso para um jogo que foi vendido como um wargame, um gênero que tem menor aceitação de mercado e mais restrições para vendas do que a maioria dos jogos de tabuleiro.

Talvez o grande trunfo de Root seja seu visual, bastante apelativo e que dá ao jogo uma cara de um jogo bem mais leve do que realmente é. Mas onde ele se garante mesmo é na jogabilidade: um jogo baseado na série COIN — uma popular série de wargames de contra-insurgência — com assimetria da cabeça aos pés. E não só isso, Root tem uma enorme comunidade que discute os equilíbrios do jogo e que foi capaz até mesmo de mudar regras antes do lançamento da expansão. O jogo já conta com 2 expansões e ainda um RPG baseado em seu universo.

THIS WAR OF MINE

A adaptação de um vídeo-game para o tabuleiro.

Conhecida pelos sucessos estrondosos de jogos como Lords of Hellas, Tainted Grail e Nemesis, a Aweken Realms começou sua jornada com o financiamento de um jogo bem conhecido dos consoles, This War of Mine. Somente com esses 4 jogos a empresa fez cerca de 15 milhões de dólares através do financiamento coletivo.

Mas, se This War of Mine já era um conhecido jogo conhecido, porque a empresa precisava do Kickstarter? Nem todos os jogos oriundos de uma franquia conhecida são sucesso de vendas, algo que é comprovado pela falha do financiamento de um jogo baseado em Planeta dos Macacos. Há outros casos de jogos bastante ruins que usavam a IP (propriedade intelectual) de uma conhecida franquia e falharam. This War of Mine teve sucesso e garantiu o nome da editora num hall destinado a poucos, o que possibilitou à Aweken Realms investir em seus sucessos seguintes.

TRICKERION: LEGENDS OF ILLUSION

Sem dúvida alguma a Mindclash Games tem despontado como uma das editoras mais interessantes dos últimos anos para os eurogamers. Jogos como Anachrony e Cerebria são sucesso de venda e crítica e muito se fala dos aguardadíssimos Transhumanity e Perseverance. Mas tudo começou com Trickerion: Legends of Illusion. Num jogo bastante criativo e original os jogadores assumem o papel de mestres do ilusionismo e devem atrair o público para suas apresentações, desejando se tornar o maior de todos os ilusionistas.

Arrecadando cerca de 800 mil dólares nas suas duas campanhas — do jogo base e, recentemente, de sua segunda expansão — o jogo colocou no radar a pequena empresa sediada na Hungria, bem como seus designers Viktor Peter e Richard Amann.

EMPIRES OF THE VOID

A segunda edição de Empires of the Void é de tirar o fôlego.

Relançado em 2018, Empires of the Void teve sua primeira campanha ainda em 2011, nos primórdio das campanhas de jogos de tabuleiro no Kickstarter, arrecadando singelos 35 mil dólares. O suficiente pra colocar no mercado a Red Raven Games, a editora do designer americano Ryan Laukat. O que se seguiu foi uma série de ótimos lançamentos com jogos autorais do designer — que além de criar os jogos, ilustra e desenvolve suas criações.

A editora também é responsável por jogos como City of Iron, Eight-Minute Empire, The Ancient World, Above and Below, Islebound, Near and Far e Roam. Recentemente, Laukat começou a revisitar alguns de seus títulos, dando um ajuste em mecânicas e criando novas artes, o que aconteceu com o próprio Empires of the Void e com The Ancient World. São mais de 4 milhões de dólares arrecadadas pela empresa.

E aí, quais jogos do Kickstarter estão na sua coleção? Quais você acredita que não existiriam sem uma campanha de financiamento coletivo? E no Brasil, quais os jogos só viram a luz do dia por causa do crowdfunding?

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