Review — Cooper Island

Um dos jogos mais aguardados de 2019 justifica sua hype com um jogo sólido, mas difícil de dominar

Anderson Butilheiro
The Meeple Kingdom
9 min readMay 18, 2020

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Andreas Odendahl não é dos designers mais prolíficos. Antes de 2019 havia lançado apenas 2 jogos: o aclamado La Granja e o bem pouco conhecido Solarius Mission, ambos pela Spielworxx, editora conhecida por fazer poucas cópias de jogos focados em heavy gamers. O designer alemão é um ávido jogador desse estilo de jogos e nos últimos anos se dedicou bastante para criar um jogo que superasse seus lançamentos anteriores. Desde meados de 2017 eu acompanhava pelo perfil no Instagram do designer os detalhes daquele que viria a ser um dos maiores hypes do ano na feira internacional de jogos de Essen em 2019 — a SPIEL.

Bonitão e com tabuleiro completamente fora do usual.

A questão é que nos dois jogos anteriores, ode. (como o designer gosta de ser chamado) havia trabalhado com Michael Keller, designer de Agra, mas agora estaria sozinho. Nada que afastasse a Frosted Games (e, posteriormente, a Capstone Games) e todos os fãs do designer. Anunciado como um dos grandes lançamentos de 2019, o jogo foi lançado na feira e virou um sucesso instantâneo, com excelentes críticas ao redor do globo. Porém, Cooper Island é um jogo com grande complexidade e difícil de jogar e dominar. Algo que já era esperado, tendo em vista os nomes envolvidos.

O plot do jogo: Depois de anos de aventuras, você encontra uma ilha que parece pacata suficiente para o seu merecido descanso. Essa ilha já foi lar de uma civilização no passado, mas hoje está desabitada e é cheia de recursos naturais, prontos para serem explorados. Porém, além de você, os demais jogadores também chegarão na mesma ilha com os mesmos objetivos, cada um em uma diferente península. Você não está sozinho e precisará ser o mais eficiente possível para construir ali o berço de uma colônia na ilha.

Referência ao Cooper — marcador de primeiro jogador do jogo.

Cooper é o nome de um dos cachorros de Andreas, adotado depois de ser visitado pelo designer num abrigo de animais na Itália. A história do jogo narra que o cachorro estava no barco e foi o primeiro a ver a ilha, latindo para os demais tripulantes, avisando da terra avistada. Assim, o capitão decidiu nomear a ilha com o nome de seu cachorro.

Espaços de alocação são o centro da ilha que forma o tabuleiro de jogo.

Num jogo que praticamente depende da alocação de trabalhadores, mas que funciona de forma orgânica com uma série de elementos de seu próprio tabuleiro e o tabuleiro da ilha, os jogadores irão procurar otimizar seus itens, sejam eles trabalhadores, recursos, dinheiro, cartografia, barcos e etc, para ter a melhor pontuação possível nas curtas 5 rodadas de jogo. Mas, apesar das curtas rodadas, há muito o que se fazer e aí mora a dificuldade do jogo.

A sequência de jogo é na verdade muito simples: cada jogador tem 2 trabalhadores e, ao longo das 5 rodadas, terá 8 espaços de ação à sua disposição, cada qual com uma ou duas opções de ação. Mas há duas questões a se preocupar. Primeiro que quem faz a ação primeiro, faz de graça, mas os demais precisam pagar ao jogador anterior 1 recurso qualquer. Segundo que todos os espaços de ação tem uma área para seu trabalhador “comum”, e um área para seu trabalhador “especial”. A área especial, além de permitir realizar a ação, te concede fazer uma ação bônus (que pode ser fazer as duas ações daquele espaço ou fazer algo com custo menor).

Tabuleiro de jogador.

Entre as demais fases do jogo, além da fase de alocação e realização das ações, existem fases de pagar comida aos trabalhadores, verificar se você avança seu barco gratuitamente, ou ainda se pode guardar para depois alguns recursos no seu limitado espaço de armazenamento. Mas existe também uma fase de rendimento, em que você recebe tudo aquilo que preparou para receber na rodada — e Cooper Island é definitivamente um jogo de preparação, de planejamento.

Área de jogo do jogador.

Já no setup do jogo você sabe que tem pouco disponível: 1 moeda, 2 trabalhadores e um tile já explorado que te dá acesso a apenas 1 comida. Cabe a você escolher os demais recursos iniciais, escolhendo dentre as possibilidades 2 tiles que irão te dar novos recursos. Em toda fase de rendimento você poderá colocar um novo tile (na verdade 2) e isso será importante para como você monta seu caminho.

Níveis das peças representam quantidade de recursos.

A primeira ideia original do jogo já surge aqui: a colocação das suas peças de exploração indica duas coisas: a quantidade de recursos que você tem acesso e quais bônus seus barcos terão à disposição. A quantidade de recursos é definida pela altura dos tiles de exploração, ou seja, quanto mais alto, ou quanto mais você empilhar tiles do mesmo tipo de recurso, mais daquele recurso terá aceso. Já os bônus são sempre colocados na água, nos espaços por onde seus barcos podem passar e, ao serem colocados, já garantem imediatamente o bônus ao jogador, mas também permitem que o bônus seja ganho novamente quando seu barco se mover e passar por aquele tile — algo que irei explicar com detalhes a seguir.

Praias ao redor do tabuleiro: o jogador recebe um bônus ao chegar a este espaço.

As praias ao redor do tabuleiro de Cooper Island são a sua trilha de pontos. Uma ideia bem original e bastante bem implementada. Há diversas ações e bônus que, durante o jogo, te permitirão escolher entre seu barco da esquerda (que navega no sentido horário) ou seu barco da direita (que navega no sentido inverso). Toda vez que seu barco alcançar ou passar por um tile de bonificação, você recebe esse bônus (seja um tile seu ou do adversário). Além disso, a cada 5 casas existe uma espécie de porto, onde seu barco para e recebe uma peça de mapa, que vale 5 pontos ao final do jogo — referente aos 5 espaços que você avançou. Ao final do jogo, você ainda irá somar pontos igual ao quanto avançou desde o último porto. Mas não é só daí que seus pontos virão.

Ainda no setup do jogo serão reveladas cartas de objetivos chamadas de “decretos reais”. Essas cartas darão um norte aos jogadores naquela partida, recompensando com pontuações entre 3 e 8 pontos ao focar numa determinada estratégia. A questão é que cada carta só poderá ser completada por 1 jogador na partida, tornando esses objetivos alvos de competição. E fica pior: para poder ter acesso ao objetivo, o jogador precisa sacrificar um de seus trabalhadores. Isso é feito através do cumprimento de milestones, objetivos menores que os jogadores devem atingir que o permitem adquirir um novo trabalhador — e enviar o antigo para a carta de decreto real.

As cartas de decreto real pontuam ao final da partida, mas custam um de seus trabalhadores.

O jogo corre à medida em que os jogadores exploram suas penínsulas, aumentam os recursos disponíveis, trocam os recursos por construções e avançam seus barcos. As construções desencadeiam a conquista de cartas com habilidades especiais, ou avançam ainda mais seu barco em pontos. Eventualmente os jogadores cumprem as milestones, liberando novos trabalhadores, o que permite realizar mais ações, mas também custam caro pois os trabalhadores novos podem exigir mais comida.

Enquanto evoluem suas colônias, os jogadores percebem que precisam de mais e mais recursos para conseguir cumprir tudo o que planejaram e que esses recursos não vêm fácil e podem exigir que você abra mão de outra ação. Cumprir as cartas de decretos reais também não é tarefa fácil e, por mais que elas pontuem de forma generosa se cumpridas em sua totalidade, fazer isso 2 vezes é um desafio e tanto.

Grosso modo, sua pontuação maior virá à medida em que avançar seu barco durante o jogo, e não tanto no final. A ideia é que cada construção, estátua, milestone conquistada, entre diversas outras ações, pontuem, ou seja, avancem seu barco na trilha de navegação, a todo instante. Assim, somente as cartas de decretos é que realmente pontuam no final.

Situação da ilha explorada ao final do jogo.

Diferente do que senti com Gugong, por exemplo, Cooper Island é um jogo apertado (ou “cobertor curto”, como alguns jogadores gostam de chamar) que não incomoda pelo fato de que você não conseguiu fazer nada. Pelo contrário, você se vê evoluindo, mas percebe que não dá pra atirar pra todos os lados. Você precisa mirar um alvo e tentar otimizar o máximo possível nele. Os escassos 2 trabalhadores no começo do jogo podem virar 4, seus barcos podem se mover quase que automaticamente se você planejar bem algumas ações, você pode eventualmente ter diversas construções no tabuleiro e uma península repleta de recursos. Visualmente, você tem um jogo farto. Mas, ainda assim, sente que precisava de mais pontos e se pergunta de onde poderia tirar mais.

Cumprindo objetivos você libera mais trabalhadores.

Então o jogo se torna um desafio por si só. Não pela dificuldade das regras, ou pela alta curva de aprendizado, mas porque o jogo não te pune, não te sentencia à frustração de não fazer nada — diferente de outros jogos que fazem sucesso por aí — mas te desafia a fazer melhor do que fez antes.

Cartas de bônus por construções: elas podem dar pontuação de final de jogo ou uma ajuda imediata muito útil.

A profundidade de Cooper Island está na combinação das suas escolhas com o setup inicial das cartas de decretos reais que saíram no jogo. Depende de como e onde você focou seu jogo e de quanto os demais jogadores te deixaram com oportunidade de fazer as ações que queria com um baixo custo. Mas não se pode ter medo de gastar no jogo. Na verdade, o jogo é sobre gastar dinheiro e recursos o tempo todo, mas sempre tendo excedente. Não se pode ter medo de pagar para o adversário para repetir uma ação, ou de trocar valiosos 4 recursos por 1 moeda que você precisa muito.

Peças de bônus de exploração valem 5 pontos ao final do jogo.

Faço aqui um adendo de aprovação para a excelente escolha do artista, Javier González Cava, que deu uma identidade muito única ao jogo com uma ilustração lindíssima, e também a todo o design gráfico, a começar pelo encaixe das peças (que eu imagino que tenha vindo em boa parte do próprio ode. uma vez que seus protótipos já tinham essa preocupação). Meu único senão vai pra escolha das cores dos cubinhos — terríveis para daltônicos.

Sim, Cooper Island é um jogo pesado e difícil, mas é prazeroso, é desafiador e sempre que olho pra ele já tenho vontade de jogar de volta. Num 2019 recheado de excelentes euros, o jogo se credencia a brigar por um lugar no topo dos melhores do ano. Seja por suas mecânicas, por seu apelo aos heavy gamers, pela excelente produção da dupla de editoras ou ainda pela beleza da sua arte. Anote esse nome na sua lista de desejos e vamos torcer para que o jogo possa dar as caras no Brasil um dia, algo difícil levando em conta o histórico da Capstone Games, mas que um dia pode acontecer.

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