Review — Crown of Emara

Com um misto de ação programada e movimento em rondel, euro leve conquista na primeira partida

Anderson Butilheiro
The Meeple Kingdom
9 min readJan 27, 2020

--

Lançado pela Pegasus Spiele em 2018, Crown of Emara é um euro de complexidade leve pra média, de entrada, com mecânicas bastante interessantes. O designer, Benjamin Schwer, já tinha alguns jogos lançados, mas sem nenhum grande sucesso e é bastante desconhecido da maioria do público — algo que deve mudar em breve pois ele já tem outro hit engatilhado pela HUCH!, chamado Hadara e que deve chegar no Brasil pela Devir.

Se você curtiu jogos como Merlin, Rajas of the Ganges, Newton e Santa Maria, se prepare para gostar também de Crown of Emara. A ideia central do jogo é muito similar à esses outros jogos leve/médio em que o jogador precisar fazer uma boa máquina de combos para ter ações fortes e pontuar bastante. Claro que o apelo visual, uma vez que a arte é do já bastante conhecido Dennis Lohausen, ajuda bastante a criar uma similaridade com outros jogos do gênero que conhecemos bem — Lohausen é ilustrador de jogos como Village, Terra Mystica, Gaia Project, Marco Polo, entre outros.

No tema, nada de novo. Cada jogador é um nobre buscando ganhar cada vez mais status para galgar posições até se tornar o novo soberano de Emara, assumindo o posto do atual rei que irá resignar. O reino de Emara passa por um ótimo período de paz após períodos de guerras e conquistas e agora o rei deseja descansar, dando oportunidade à um sucessor de continuar a trazer prosperidade. Pra isso, os jogadores devem construir para aumentar a estrutura do reino (e também para ter casas para os cidadãos) e trazer mais gente — imigrantes mesmo, no jogo, dando um tom bem político pra coisa toda. No final do jogo, os jogadores irão observar duas trilhas: a das casas e a da população/cidadãos. Ganha o jogador que pontuar melhor na sua trilha mais baixa, ou seja, sua pior pontuação entre as duas tem que ser melhor do que a dos outros jogadores.

Em Crown of Emara existem dois tabuleiros que funcionam como rondéis das ações dos jogadores, um da cidade e outro do campo. No campo o jogador vai poder ganhar um dos 4 recursos (pedra, madeira, tecido e trigo) e colocar seus artesãos para poder ter um bônus de recurso toda vez que se mover por lá. Na cidade, basicamente os jogadores poderão usar os recursos para ativar um dos 4 locais e trocar por pontos, moedas, selos e outras coisas. Na sua vez, o jogador escolhe qual dos rondéis ele irá ativar e executar a ação correspondente.

No começo do jogo, uma carta de evento é revelada e ela dá aso jogadores uma opção de setup inicial, como onde colocar seu ajudante no começo do jogo e com quantos pontos de casa os jogadores começam. Quanto menor for o valor, mais difícil o jogo será pois o marcador de população sempre começará no zero, mas é bem mais fácil de subir do que o de casas. Assim, começar com este marcador entre 30 e 35 torna a missão um pouco menor árdua. Então, no começo da rodada, uma segunda carta de evento é revelada para indicar um benefício ou desvantagem para aquela rodada.

A cada rodada os jogadores compram 3 cartas de um baralho de 9 cartas que são iguais para todos. Dessas 3 cartas ele deve escolher uma por turno e então, com a carta escolhida, o jogador escolhe 1 das 3 posições em que ele pode mover um dos seus ajudantes nos rondéis do jogo. Por exemplo, se ele jogar sua carta no espaço 1, irá mover seu ajudante por um espaço no rondel de sua escolha. Se colocar no 2, pode se mover 2 espaços. Mesma coisa no terceiro espaço. A questão é que ele só pode escolher um espaço por vez e uma única vez por rodada. Como são 3 cartas, cada jogador irá ativar uma vez cada espaço e andar 1, 2 ou 3 espaços por vez no rondel escolhido.

Depois de jogar suas 3 cartas e realizar as ações, os jogadores então compram 3 novas cartas e repetem isso mais uma vez até ter jogado todas as 9 cartas. Então, recolhem as cartas para a mão e jogam as 9 cartas novamente, num total de 18 turnos.

A questão é que o jogador executa também a ação da carta jogada, além do local para onde ele se mover. Das nove cartas, 4 pegam recursos como se estivessem no local da ação no campo, 2 permitem realizar alguma ação com desconto, 1 permite andar um espaço extra num rondel à sua escolha e realizar a ação do local, 1 permite realizar qualquer ação da cidade e 1 permite ganhar um selo real. O selo real serve basicamente para permitir o jogador avançar nos títulos de nobreza, que vão do barão ao duque e precisam de uma combinação de selos e moedas. As moedas podem ser obtidas no mercado, uma das ações da cidade, e servem também como um coringa para qualquer um dos 4 recursos básicos.

Na cidade, existem 4 locais com ações associadas: no mercado é possível vender recursos em troco de moedas. Lá também o jogador poderá gastar seus livros para ganhar pontos de cidadãos. Os livros, por sua vez, são obtidos na catedral, também em troca de recursos, mas com valores variáveis. Na catedral o jogador recebe também um token bônus toda vez que realiza a troca e poderá gastar esse bônus num outro momento ao realizar a ação do local indicado na peça. Na ferramentaria o jogador pode trocar madeira, pedras ou pães por pontos de cidadãos ou casas. Tematicamente, é onde ele faz a troca de recursos de construção pelas construções em si, o que atrai os imigrantes. Por fim, existe o castelo, onde fica o rei e onde os jogadores poderão trocar qualquer um dos recursos por selos reais, conforme os custos.

Tanto no castelo quanto no mercado os valores são ditados por tokens que aumentam o custo da troca toda vez que um jogador a realizar. Ou seja, vale a pena ser o primeiro para pagar mais barato/menos recursos para obter moedas e selo real. Já na ferramentaria, o custo é sempre o mesmo em pedras e pães, mas os tokens indicam a quantidade de pontos a ser ganha.

Além da ação da carta e da posição em que parar em um dos dois tabuleiros, o jogador ainda pode realizar 3 ações bônus no seu turno. E aqui, acredito eu, é quando o jogo ganha profundidade estratégica. As 3 ações são simples, mas vão desencadear os combos possíveis no jogo. A primeira delas é comprar seu título de nobreza, o que pode ser feito com uma combinação de selos reais e moedas. Cada título tem um preço, que vai crescendo também conforme o título obtido, e dá aos jogadores pontos de cidadãos. Ser o primeiro a obter o título garante uma recompensa de pontos maior. São 6 títulos ao todo e cada vez que sobre, o jogador ganha imediatamente a pontuação, garantido que ao chegar no título máximo, ele possa obter vários pontos.

A segunda ação bônus possível é a de colocar um artesão no campo, em alguma das casas livres, o que irá garantir uma entrada extra de recursos. Ou seja, toda vez que o jogador parar no campo para obter um recurso, se ele tiver ali um artesão, ele receberá um a mais. Colocar o artesão também garante uma pontuação imediata, geralmente pequena, na trilha de cidadãos.

A última ação bônus é a de contratar conselheiros. Os conselheiros são cartas dispostas na cidade, duas por local. Eles são contratados através do pagamento de recursos e podem dar um bônus imediato de pontos (em uma das duas trilhas), uma vantagem para realizar alguma ação do jogo com desconto, um benefício de troca de recursos, etc. Os conselheiros são a principal forma de criar combos fortes no jogo ou fazer uma pontuação espichada nas trilhas (algumas dessas cartas dão 8 a 15 pontos, o que é bastante).

Ao final, somam os pontos restantes de recursos não utilizados, moedas e etc. O jogadores comparam então suas pontuações na trilha e contam seu pior marcador. Isso faz com que seja interessante o tempo todo no jogo acompanhar as duas trilhas, subindo conforme possível para que ambas estejam numa boa posição.

Ao longo do jogo, os jogadores vão perceber no que precisam investir mais, se estão mais pra trás na trilha da população ou das casas. Também pode acontecer do jogador acabar criando uma máquina de pontos muito forte em umas das trilhas, mas não conseguir ir tão bem na outra. É preciso saber equilibrar e a hora certa de subir em cada uma. Ou ainda, quando deixar de investir em um e investir na outra. Pra isso, os conselheiros são muito importantes pois vão te permitir se preparar para rodadas futuras.

Uma ótima maneira de garantir os pontos de população é avançar nos títulos de nobreza, principalmente se for sempre o primeiro ou segundo a fazer isso, recebendo uma bonificação melhor. Trocas livros por esse pontos também é bastante útil, mas só vale a pena se conseguir trocar vários livros de uma só vez. Já para subir nas casas, a melhor opção é a ferramentaria, trocando pedra e madeira. Mas também é possível criar uma boa produção de recursos com os artesãos e fazer trocas não muito custosas ao longo do jogo.

Uma das grandes vantagens de Crown of Emara é que tudo isso acontece em 45 minutos, ou um pouco mais. O jogo é muito tranquilo de explicar, passa muito rápido e dá vontade de jogar de volta logo em seguida. Pra quem acompanha as resenhas do canal, o jogo se assemelha bastante ao feeling de Valletta, mas também de Merlin. Ambos com essa coisa de programar ações, o primeiro com cartas e o segundo com o movimento em rondel usando dados. Arrisco dizer que Crown of Emara pegou o melhor dos dois jogos e juntou em um, mais curto, mas igualmente gostoso de jogar.

A sensação de crescimento é aparente, você perceber o que precisa fazer e onde investir, sabe que deveria ter colocado mais artesãos ou contratado mais conselheiros quando seu jogo fica lento, mas ainda assim consegue se desdobrar pra fazer um selo real e uma moeda e conseguir galgar mais uma posição de nobreza. O jogo não te pune, até mesmo porque as ações estão sempre disponíveis. Mas se engana quem acha que o jogo é um multiplayer solitaire. Por mais que você foque no seu jogo, você precisa observar o tempo todo o que os adversários estão fazendo e, principalmente, se eles estão elevando o custo de algumas ações ou tornando seus pontos de bônus menores em outras.

Me espanta que o jogo não tenha sido anunciado por nenhuma editora nacional até agora, uma vez que teve ótima aceitação lá fora, mantém o burburinho mesmo meses após seu lançamento e ainda colocou o autor em destaque. Se Crown of Emara não vem, nos resta aguardar Hadara e esperar que o jogo mais recente coloque o designer no radar de jogadores e editoras brasileiras pra que, quem sabe, o irmão mais velho também dê as caras por aqui.

--

--