Review — Prehistory

Desenvolva sua tribo e domine os segredos de Stonehenge em um euro bastante temático

Anderson Butilheiro
The Meeple Kingdom
9 min readFeb 18, 2019

--

Mesmo tendo campanhas expressivas de financiamento coletivo (não uma, mas duas), Prehistory não foi um jogo que gerou um hype muito grande nos meses seguintes e ficou até de certa maneira esquecido até seu lançamento oficial em Essen, em outubro do ano passado. No entanto, logo depois, voltou a ter foco e inclusive garantiu vaga em diversas listas de melhores do ano — inclusive na minha. Com um apelo visual fantástico e diversas mecânicas interessantes, o jogo revisita a era pré-histórica, famosa pelo excelente Stone Age, mas dá nova abordagem ao tema.

Bonitão desde a caixa.

O jogo arrecadou cerca de 115 mil Euros e ficou no radar de muitos jogadores. Mas com a avalanche de anúncios para a feira do ano passado, Prehistory acabou abafado e, mesmo seu lançamento na feira, não teve tanto buzz. Eu mesmo consegui minha cópia sem disputar fila com ninguém, diferente do que aconteceu com Teotihuacan.

Mas não demorou muito para o jogo de designer Attila Szogyi começar a receber elogios e despontar como um dos preferidos entre os lançamentos da SPIEL. E não à toa, Prehistory realmente inova em elementos simples e adiciona uma rejogabilidade incrível com poucos elementos bem combinados. A começar por suas mecânicas, o jogo é elegante, fácil de ver mesa e é um euro médio com bastante estratégia e tem uma aleatoriedade que não incomoda.

O jogo ocupa um espaço considerável.

O jogo é jogado ao longo de 5 rodadas, cada uma dividida em 4 estações. Cada uma delas, inclusive, é um pequeno jogo em que os jogadores irão interagir com os recursos que tem à disposição, com os diversos mecanismos do tabuleiro principal, com o mapa e com seus vários marcadores (o que não falta é meeple, token, discos e etc de cada jogador). Mas tudo muito bem amarrado ao tema.

O principal elemento do jogo é um conjunto de tiles hexagonais que giram para mostrar diferentes combinações de ações e recursos, além da quantidade desses recursos ou seus valores, conforme o local aonde estão. Eles estão presentes no tabuleiro principal, em cada uma das ações e também na área principal, Stonehenge, bem como no tabuleiro do jogador. Ao longo do jogo esses tiles são girados para mudar os custos ou os recursos disponíveis. No tabuleiro do jogador, ele mostra o que cada um irá receber na primeira fase do jogo, o inverno.

Disco de incoming dos jogadores.

No tabuleiro principal exitem 6 áreas diferentes, cada uma associada a um dos recursos do jogo, nas quais os jogadores irão realizar suas ações. Acontece que essas ações podem ser realizadas de duas maneiras bem distintas, conforme a fase do jogo. As áreas de ações são: migração, pintura rupestre, colheita, cerimonia e caça/pesca (que são uma mesma área, mas com acessos diferentes). Cada uma dessas áreas tem uma cor de recurso associada a ela, mas funcionam de maneiras diferentes, como será explicado a seguir.

Na primavera, os jogadores utilizam seus recursos recebidos na fase anterior para associar com o custo de um item conforme mostrado no tile hexagonal da área. Ou seja, nessa fase todos os recursos acessam qualquer uma das ações, mas o recurso só pode ser utilizado para adquirir o item associado a ele. Como esses tiles são girados, a cada rodada os itens podem ser adquiridos com diferentes recursos. Ao realizar a ação, então, o jogador descarta os recursos utilizados — que podem ser de 1 a 3 recursos diferentes, conforme cada local — colocando um deles no respectivo espaço da ação na parte central do tabuleiro do jogo, Stonehenge, que será fundamental na fase seguinte, o verão.

“Qual é o segredo de Stonehenge?” (https://www.youtube.com/watch?v=mbyzgeee2mg)

No começo da fase de verão os jogadores terão acesso, em ordem contrária a de turno, aos cubos colocados no Stonehenge, em um dos espaços de ações realizadas. O jogador pode escolher um dos locais e pegar todos os cubos desse local, colocando na área do seu tabuleiro de jogador que indique que agora eles são cubos de ação, e não mais recursos. Como toda rodada os recursos estão garantidos — o incoming deles é certo, mesmo que em quantidades diferentes — o jogador deve otimizar como e quais cubos ele terá para realizar as ações do verão.

Área do cerimonial: os meeples aqui dançam ao redor da fogueira.

Durante o verão, então, diferente de como ocorre na primavera, os jogadores devem gastar seus cubos de ação conforme a ação que escolherem fazer, e não mais conforme custo em recursos. Ou seja, agora o que vale é a cor da ação em si. Cada local de ação será resolvido um por vez, começando pela área de migração, e os jogadores poderão decidir se irão gastar de 1 a 3 recursos daquela cor para realizar a ação. Os custos variam conforme a área escolhida e o que se deseja obter naquela região.

Disco da área de pesca/caça. Os três recursos na água são para a pesca e os 3 acima para a caça.

Para usar a ação de caça/pesca, por exemplo, na fase de primavera, o jogador pode pagar com um recurso de cada tipo associado à área, uma vez que o mesmo tile serve às duas áreas. Para pescar, ele deve usar os 3 tipos indicados na parte de baixo do tile, área de água, e para caçar, ele deve utilizar os 3 tipos na parte de cima. A quantidade a ser paga equivale ao peixe/animal que ele deseja adquirir. Já na fase do verão, o jogador deve sempre pagar a pesca com cubos azuis, enquanto a caça deve ser paga com cubos marrons. Essa regra vale para todos os espaços de ação.

Cada local de ação irá permitir o jogador a pontuar de uma maneira distinta. Os peixes permitem ao jogador avançar numa trilha de pesca que dá pontos todo final de rodada. Os animais caçados valem pontos por si só, mas também podem ser combinados com suas pegadas, encontradas no mesmo espaço de ação, e multiplicadas um tipo pelo outro. As frutas/sementes colhidas formam um set collection em que vale ter muitas do mesmo tipo. As cerimonias dão acesso à cartas de objetivos que irão pontuar no fim do jogo conforme o jogador cumprir o que a carta pede.

Mural de pintura rupestre. Bônus durante o jogo e pontuação no final.

As pinturas rupestres permitem ao jogador montar um mural/mosaico de diferentes tipos de pintura que darão acesso à cubos de ação extras conforme forem combinadas. Essa grade das pinturas é formada no próprio tabuleiro do jogador. E há ainda a ação de migração que permite ao jogador enviar os membros de sua tribo para o mapa do jogo (uma ação que parece simples, mas que é poderosa). Esse mapa é utilizado somente na última das fases da rodada: o outono. Durante essa fase, os jogadores poderão utilizar tanto os seus recursos que sobraram da primavera quanto os cubos de ação restantes do verão, para poder movimentar sua tribo pelo mapa, encontrando valiosos itens como animais, peixes e frutas que podem ser combinados com os que são adquiridos nas outras fases do jogo, e também os monólitos — grandes agrupamentos de pedras — que garantem pontuação ao final do jogo, geralmente por controle de área (mas nem sempre). Mas, por mais que só apareça nessa última fase, o mapa é sem dúvida alguma um elemento importantíssimo no jogo que dá acesso à muitas oportunidades de pontuação.

O mapa de exploração do jogo é composto por diversas peças que são montadas para dar variabilidade.

Há ainda no jogo uma trilha chamada de trilha de desenvolvimento, na qual os jogadores vão subindo ao longo do jogo, de diferentes maneiras, e podem gastar esses pontos para trocar por recursos, cubos de ação, movimentação no mapa ou outros tipos de bônus. Uma das maneiras mais interessantes de utilizar esses pontos de desenvolvimento, no entanto, é girando seu tile para garantir um determinado recurso no começo da fase de primavera. Por mais que essa trilha dê pontos ao final da partida, às vezes a troca na hora certa compense ainda mais.

Trilha do desenvolvimento.

Quem garantiu a versão do Kickstarter, a segunda campanha do jogo, teve ainda acesso à personagens com poderes assimétricos que ajudam os jogadores a focar numa de estratégia (mas mesmo se não focar no poder do seu personagem ainda dá pra ir bem) e que aumentam a rejogabilidade, que já não era pouca face à quantidade enorme de marcadores, tokens e tiles do jogo. Também estava disponível um modo solo, que ainda não consegui testar.

À esquerda cartas de objetivos e à direita as cartas de animais para caça.

Prehistory é sim um jogo feito pra ser um conjunto de mini jogos que se conversam, com vários elementos dentro de um mesmo visual e tema. Mas um dos principais sucessos do jogo está exatamente em criar um mecanismo em que todos esse mini jogos fazem sentido e se completam, tornando as decisões de onde investir a cada momento uma difícil tarefa. Ao mesmo tempo em que o jogador pode focar numa estratégia em detrimento de outras, ele pode estar deixando de ganhar um bônus que servirá para a sua própria pontuação.

Diversos elementos brilham na mesa durante a partida. A arte, o tema, as mecânicas bem boladas, e mesmo as engenhocas super bem sacadas dos tiles hexagonais que giram para dar movimento ao jogo. Mas o que mais me chama a atenção foi o fato de que o jogo é consistente, elegante e funciona muito bem com o que é proposto na mesa. Há uma sensação de cobertor curto, por mais que ter recursos seja uma tarefa fácil. Mas ao mesmo tempo, há uma sensação de crescimento enquanto você cria meios de ter mais pontos de ação pra gastar. E quando gasta, sempre fica aquele pensamento de se fez a melhor jogada com o que tinha em mãos.

Área de colheita.

Esse tipo de jogo sempre me deixa com um sentimento de recompensa muito gostoso ao final da partida, mesmo quando perco. É satisfatório ver uma mecânica pensada pra funcionar de uma maneira funcionando exatamente daquela maneira e essa é a sensação que tenho com Prehistory. Não falta nada no jogo. Não tem nada nele em excesso também. O jogo é redondinho, bastante bacana de por na mesa e super agradável de jogar. É um euro médio, com muitos elementos fáceis de assimilar, mas ainda assim inovador o suficiente pra causar no jogador aquele sentimento de querer jogar de novo, e de novo e de novo. Sempre tentando fazer melhor.

Prehistory é top 3 do ano pra mim. Quer saber quem são os outros dois? Fique ligados nas próximas resenhas.

--

--