A Sociedade do Medo

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal
6 min readApr 25, 2022

A pandemia do Coronavírus proliferou uma série de sentimentos na sociedade. Os mais notáveis foram insegurança, impotência e desproteção. Mas outra emoção tem se tornado o mote da nova rotina social: o medo

Foto: Reprodução

SÃO PAULO, BRASIL — Ao completar dois anos e quatro meses, a pandemia do Coronavírus atinge um estágio em que está prestes a entrar na primeira infância. Nesse tempo, a Covid-19 chegou a acometer, no mundo, um total de 485.324.712 pessoas, de acordo com dados de março de 2022 da Universidade Johns Hopkins. No recorte brasileiro, o Sistema Único de Saúde (SUS) contabiliza, no período, um montante de 659.241óbitos.

Mesmo com uma totalidade superior a 10 bilhões de doses aplicadas da vacina contra a Covid-19, um número maior até mesmo do que a população mundial, que hoje está em 7,9 bilhões de indivíduos, a pandemia segue transformando o dia a dia das pessoas. Uma dessas mudanças é percebida no sentimento de medo.

Seja o medo de assumir uma normalidade a partir da vacina ou o medo do contágio da doença, essa emoção está presente em todas as esferas da sociedade global. No que tange a psicologia comportamental, o medo é uma sensação desagradável que será desencadeada por uma percepção de perigo real ou imaginário.

Foto: Reprodução

Por essa razão, ao mesmo tempo em que diante do isolamento social propagado pelas políticas públicas para bloquear o avanço da Covid-19 algumas pessoas tentaram conciliar e repor a carência afetiva de outras maneiras que não pelo contato físico, outras acabaram se distanciando mais.

De acordo com a psicóloga comportamental Carolina Montanieri, existem pessoas que optam por prolongar o distanciamento porque o medo acaba afetando suas ações de tal forma que as impede de lidar com a realidade. “Isso pode acontecer por falta de habilidade social, pela ausência de rede de apoio ou, ainda, por elas já terem uma postura mais frágil”, explica.

Não por acaso, a pandemia evidenciou distintas posturas que foram adotadas pelos indivíduos. Uma delas consiste no isolamento social movido pelo excesso de medo sentido ainda hoje por um grupo restrito de pessoas. Ele é caracterizado por não querer mais frequentar locais públicos e, principalmente, onde haja aglomeração.

Foto: Reprodução / Medo de aglomeração, ou agorafobia, é um sintoma deixado como legado da pandemia do Coronavírus

Outro comportamento notado é aquele em que se consegue assumir a normalidade da vida, mas respeitando todos os protocolos de segurança e proteção contra o vírus e a proliferação do mesmo. Contudo, existe uma atitude tomada por outra parcela social que é ainda mais desprendida.

Esse terceiro grupo pode até ter certa consciência da realidade, mas vive sem medo e age como se o vírus não existisse. “Ainda bem que existem pessoas mais conscientes e que sentem empatia e respeito pelo outro, tendo responsabilidade e se unindo em benefício de todos”, pondera a personal friend Renata Cruz.

Esses laços sociais, que são estreitados por tais sentimentos de respeito e empatia, são tidos pelo sociólogo francês Émile Durkheim como a cola que nos une em sociedade. Segundo ele, se essa união estiver muito enfraquecida, a sociedade pode ruir. Em circunstâncias como a pandemia, portanto, os riscos de fragilização dos elos sociais são grandes e podem resultar no que o sociólogo definiu como um estado de anomia, de quebra das normas que regem a vida social.

Porém, Durkheim também apontou que são justamente em situações extremas, como guerras, que os vínculos sociais são reforçados. Nesse contexto, é imprescindível a diferenciação do que é comunidade e o que é sociedade, conceitos que, no campo da sociologia, possuem conotações diferentes.

Foto por: Sultan Kitaz / Soldados resgatando crianças durante guerra na Síria

Como o sociólogo alemão Ferdinand Tönnies ressaltou, a comunidade se constitui num grupo de pessoas que possuem relações de proximidade, podendo compartilhar uma religião, um território, atividades econômicas ou, ainda, laços de parentesco.

A sociedade, por sua vez, diz respeito a um agrupamento social mais amplo que envolve indivíduos dispersos, ainda que ligados por sistemas de leis e valores. “Como as ciências sociais enxergam hoje a sociedade como algo menos homogêneo do que supunha Durkheim, como marcada não apenas pela coesão, mas também por conflitos, penso que riscos de anomia coexistem, em situações como a pandemia, com o reforço dos laços de solidariedade”, reflete o sociólogo Pedro Jaime, professor de sociologia do Centro Universitário FEI e ESPM. “Mas lembrando, com Karl Marx, outro autor clássico da sociologia, que a pandemia também evidenciou, e até mesmo aprofundou, as desigualdades de classe que marcam as sociedades”, contrapõe.

Mesmo sendo dividida entre desigualdades de classe e a coexistência da anomia com a solidariedade, o fato é que a sociedade como um todo foi atingida pela pandemia. Contudo, é inegável que as crianças formam a parcela populacional mais afetada, principalmente em virtude da restrição do contato físico.

Foto por: Pollyana Ventura

Para a psicóloga clínica Patrícia Rivoli Rossi, é importante conversar constantemente com as crianças a respeito disso e informá-las de que a proximidade física e a conexão com as pessoas, incluindo os familiares e os amigos, fazem bem para a saúde, mas que o presente momento pede que cuidados sejam tomados para promover a proteção contra a Covid-19. “A geração mais nova está vivendo a restrição da proximidade em sua fase de desenvolvimento, ou seja, durante o período em que ela está aprendendo como o mundo é”, explica. “Deixar de conversar pode fazer com que os pequenos entendam que a proximidade física é dispensável”, ressalta.

Para que a população, em um cenário hipotético de outra pandemia, não sofra da mesma forma que durante o conflito contra a Covid-19, os governantes das nações terão de se mostrar interessados em cuidar do seu povo, passar as informações corretas e seguir aquilo que for solicitado pelos órgãos oficiais.

Se assim for, a biomédica Ana Almeida acredita que as pessoas terão mais acesso e visão de quais os cuidados são necessários e do quão grave é certa doença. “O ideal seria que, além de toda essa preocupação em passar as informações corretas, fossem realizadas mais ações na televisão e na internet, principalmente por parte do governo e pessoas da mídia, com o intuito de passar as informações corretas vindas de apenas um único local”, idealiza. “Assim não teríamos tantos desencontros de dados”, conclui.

No que tange o Brasil, portanto, para que a população atinja uma boa preparação para o enfrentamento de uma nova pandemia, será preciso, primeiro, que os representantes políticos defendam o projeto de sistema integral igualitário e universal de saúde ao mesmo tempo em que se comprometam com a melhoria do mesmo.

Segundo o psicólogo Bruno Henrique Cardoso, também serão necessários profissionais e pesquisadores críticos, comprometidos com a veracidade da informação e com um modelo interdisciplinar de formação que auxilie tanto na produção e divulgação científica quanto no combate às informações falsas. “Por hora, não sinto que atendemos a esses requisitos e tampouco que estamos preparados para uma nova pandemia”, observa.

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Diego Pinheiro
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I’m a brazilian journalist who writes for an indepepent online newspaper from São Paulo city called Jornal O Prefácio.