Ainda é possível confiar no jornalismo?

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal
9 min readFeb 2, 2023

O jornalismo como instrumento da divulgação da verdade no contexto pós-Covid, apesar de ter fôlego, sofre uma crise de identidade incentivada pela internet e pelas Fake News

Foto: Brotin Biswas

Ele se informa diariamente principalmente pelo meio digital por conta da praticidade. Política, sociologia e economia são seus principais temas de leitura que não são buscados somente no oligopólio jornalístico formado por nomes como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo ou O Globo. Desses, somente a Folha integra seu apetite por informação, sanado também com auxílio de nomes como BBC, CNN e G1. Em sua opinião, ainda, Fundação Padre Anchieta, BBC e Deutsche Welle são marcas que inspiram confiança por serem de financiamento público, terem administração independente do governo e oferecerem contextos distintos.

Ela, por outro lado, se informa a cada três dias pela internet e rádio também motivada pela praticidade. A Folha de S. Paulo é o nome que surge no seu apetite por informação por já consumi-lo há um tempo. Porém, ele não é o único veículo que lhe gera confiança quando o assunto é se manter informada. Rede Globo e CBN são marcas que também lhe conferem confiança pelo tempo que possuem de mercado.

Níkolas Schildberg e Ana Luiza Baylão são apenas dois exemplos do público da informação, uma área que está sofrendo perigo em sintonia com o jornalismo, a profissão responsável por entregá-la da forma mais objetiva, transparente e imparcial possível às massas e que, hoje, passa por uma crise de identidade. E o contexto da pandemia trouxe um cenário que enfraqueceu ainda mais a relação público-mídia: as Fake News.

Foto: Matheus Bertelli

Elas evidenciaram a fragilidade já existente, mas até então ofuscada, da confiabilidade do trabalho jornalístico na propagação dos fatos e da verdade dos eventos. Não a toa que hoje, de acordo com o estudo Trust Barometer 2022, a 22ª enquete sobre confiança e credibilidade feita em novembro de 2021 pela empresa de comunicação global Edelman, as preocupações acerca das Fake News como arma da desinformação atingem 76% dos 36 mil entrevistados espalhados por 28 países. Ainda assim, uma pesquisa do Instituto Datafolha, feita pelo jornal Folha de S. Paulo e divulgada em março de 2020, indica que, para 56% dos 1.558 ouvidos, o jornal impresso é confiável nas informações que traz. Para 61%, essa confiança recai sobre os programas jornalísticos e, para 38%, os sites de notícias têm credibilidade.

No período pandêmico, o jornalismo mostrou sua importância ao fazer uma cobertura séria, com dados e informações de especialistas. Colaborou, ainda, com a sociedade na prevenção e consciência acerca dos perigos do vírus. Mas isso não exclui o crescimento da desinformação.

Para a coordenadora do curso de jornalismo da ESPM Maria Elisabete Antonioli, o fenômeno da desinformação, que se espalhou pelo mundo a partir de 2016, contribui fortemente para que uma parcela da população tenha inclusive perdido a confiança no jornalismo. “Esse evento é tão forte, que muitas pessoas nele acreditam mesmo quando há provas em contrário”, observa.

Por isso, o combate à desinformação deve ser defendido com ações por diversos setores da sociedade e pelo próprio jornalismo, pois é um caminho para a tomada de consciência das pessoas. Segundo Maria, os programas de educação midiática, que devem ser oferecidos nos ensinos fundamental e médio, e já estão previstos na Base Curricular Nacional, são relevantes e podem colaborar para que as pessoas identifiquem as Fake News. “Além disso, eles podem conscientizá-las a respeito do prejuízo que essas desinformações trazem à sociedade e, mais ainda, sobre a importância das notícias qualificadas do jornalismo”, defende.

No entanto, de acordo com o estudo Trust Barometer, da Edelman, somente 46% dos 36 mil entrevistados ainda deposita confiança no jornalismo. Nesse sentido, ainda, as mídias tradicionais estão com índice de confiabilidade em 57%, atrás dos 59% depositados nos motores de busca.

Foto: Cottonbro Studio

Outra pesquisa, a Digital News Report, anunciada pela Reuters em junho de 2022, indica que, no caso específico do Brasil, o país teve uma queda no seu índice de confiabilidade em informações trazidas pela imprensa. De 2015, quando a taxa era de 62% de confiança, a 2022, cujo índice foi de 48%, o território vivenciou um descrédito popular com a imprensa através de uma diminuição, entre as 2.022 pessoas ouvidas, de 14% no índice de aprovação do setor.

Pela pesquisa, o Brasil apresentou a segunda maior queda de interesse em notícias entre os 46 países sondados no estudo. Entre 2015 e 2022, o índice de atração caiu de 82% para 57%. O país fica atrás somente da Argentina, cuja queda foi, no mesmo período, de 77% para 48% entre as 2.012 pessoas ouvidas.

O público estar perdendo a confiança no jornalismo e nas mídias tradicionais não é um fenômeno recente, mas é um evento muito característico desse século. Para o escritor Jorge Tarquini, jornalista e professor de jornalismo da ESPM, no mundo ocidental, fossem governos de direita, de esquerda ou de centro, houve uma cantilena de que tudo era culpa da imprensa. Segundo ele, então, o papel da imprensa, que é o de apontar problemas e de investigar coisas que precisam ser investigadas, começou a ser atacado pelos governos e colocando, a credibilidade e a motivação da imprensa, em xeque e alvo de questionamentos.

Foto: Pedro Ladeira (Em coletiva em frente ao Palácio do Planalto em 05/05/20, o presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) distrata jornalistas após questionamentos sobre seu pedido em relação à superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro)

No Brasil, isso não foi diferente. O país experimentou, tanto no governo Lula, quanto do Dilma, do Temer e também do Bolsonaro, principalmente, uma aversão à imprensa crítica. Isso, porém, não teria o mesmo efeito se não ocorresse em contemporaneidade com a revolução da informação.

Nesse sentido, Twitter, WhatsApp, Telegram e Instagram passaram a ser importantes ferramentas de busca por informação, o que, de certa maneira, pegou carona na questão de criticar a mídia. “A imprensa não está acima do bem e do mal; por isso, precisa ser criticada!”, enaltece Tarquini. “Mas, quando, seja qual for a ideologia do governo, esse mesmo órgão critica a imprensa pelo trabalho que ela faz, chega um momento em que se tem um alcance no qual essa atitude contagia as massas”, pondera. “E a infelicidade foi isso acontecer concomitantemente ao desenvolvimento de ferramentas de busca de informação, como as redes sociais”, lamenta.

Tirando os governos, o maior problema na contraposição ao jornalismo e às mídias tradicionais recai sobre a questão geracional. As informações não são mais buscadas por pessoas entre 15 e 20 anos porque a liberdade que a internet providencia oferece a possibilidade de consumir o que se quer, quando quer e como quer. Por outro lado, isso cria nas pessoas uma espécie de preguiça porque tudo a elas chega, principalmente pela postagem e compartilhamentos feitos por amigos. Se não dessa forma, a notícia não é vista

Essa realidade, de acordo com Tarquini, evidencia a questão do consumo da informação e, por outro lado, também a existência paralela criada pelas bolhas das redes sociais e da internet, em que cada vez mais a pessoa só consome e só se relaciona com coisas que vêm ao encontro do que pensa. “E nisso, o problema é nosso, dos jornalistas, das empresas de jornalismo, das empresas de mídia”, alerta. “Nós não soubemos nos adaptar a essa nova realidade”, lamenta.

Além do descrédito governamental no jornalismo, a transição ao ambiente virtual é um elemento que, também para a jornalista Helen Garcia, diretora de comunicação integrada do Grupo Trama Reputale, é um fator que anima o menosprezo à profissão. Afinal, segundo ela, as empresas jornalísticas não fizeram uma boa adaptação no que diz respeito à publicidade e à forma de rentabilizar.

Com a ascensão das empresas de tecnologia que dominam o mercado, ou Big Techs, com nomes como Alphabet, Microsoft, Meta, Amazon e Apple, por exemplo, tanto a audiência quanto o dinheiro que circulava em publicidade mudaram de sentido. “Então todo esse contexto prejudicou a mídia, pois com menos dinheiro, os veículos também começaram a produzir materiais com menos qualidade”, explica Helen. “Essa crise gera até mesmo um desinteresse de fazer o jornalismo por parte dos profissionais da mídia”, observa

Ainda assim, a indústria da informação continua em exercício e, a cada dia, recebendo materiais com credibilidade vindos de diversos veículos. E nesse sentido, a objetividade e o máximo de imparcialidade continuam sendo buscados para melhor informar o público. Essas qualidades foram propagandeadas principalmente pela Teoria do Espelho.

Remontando ao século XIX do movimento positivista defendido pelo filósofo francês Auguste Comte, a teoria parte do pressuposto de uma total objetividade no jornalismo, mas a realidade é diferente. “Nós, jornalistas, buscamos a imparcialidade, a objetividade, a neutralidade, mas não podemos afirmar que somos totalmente imparciais, objetivos e neutros, pois além da nossa visão podem haver interferências no processo de apuração”, explica a coordenadora do curso de jornalismo da ESPM Maria Elisabete Antonioli. “Esse processo é complexo e mostra elementos que se opõem à Teoria do Espelho, no entanto, ela não deve ser desprezada”, salienta.

Foto: Reprodução

Não sendo desprezada, a Teoria do Espelho, e principalmente suas diretrizes de imparcialidade e objetividade, continua norteando o trabalho jornalístico. Porém, ele caiu em uma armadilha. A opinião, permitida em textos como editoriais, colunas e artigos, acabou contaminando também o noticiário.

Para o escritor, jornalista e professor do curso de jornalismo da ESPM, quando o jornalismo se afastar dessa quantidade de opinião nas notícias, estará no caminho da retomada de uma maior atração do público. O segundo caminho, é parar a produção de manchetes apenas em busca de cliques. “Temos que, primeiro, se descontaminar da opinião no noticiário, se livrar da armadilha dos cliques e repensar como tornar uma notícia interessante, relevante e desejável pelas pessoas”, observa.

Essa atitude auxiliaria na retomada do interesse das pessoas em consumir jornalismo, mas isso não garante uma maior valorização nem da profissão quanto do jornalista. Não à toa que o relatório The College Payoff, um estudo divulgado em novembro de 2022 pela Georgetown University (EUA), informa que jornalismo é a atividade mais indesejada entre os 10 cursos superiores avaliados.

No Brasil, entre idas e vindas da necessidade de diploma para exercer a profissão, atualmente pela lei, não há a necessidade de diploma para se declarar jornalista. Além disso, em todo o território nacional, as empresas não são obrigadas a contratar jornalistas com diploma de ensino superior, o que acaba menosprezando a profissão.

O Brasil é um país jovem que saiu do analfabetismo em grande escala muito recentemente, além de ser um território em que a formação de ensino superior não alcança toda a população e onde o acesso universal à educação ainda não acontece. “Então, qual o problema de termos profissões que demandam formação universitária?”, questiona o escritor Jorge Tarquini, jornalista e professor de jornalismo da ESPM. “Nós somos um país que precisa de formação universitária!”, destaca.

Já quanto ao profissional jornalista, a ideia de que o que ele faz pode ser feito por qualquer pessoa é perigosa no sentido das responsabilidades que o exercício jornalístico demanda. “Eu concordo que o não exigir diploma empobrece a função, porque assim as empresas pagam o que querem, atitude que vai depreciando o salário e a categoria, acaba empobrecendo a profissão e ajudando a empurrar a maneira como opinião pública desconsidera o jornalismo e os jornalistas”, opina Tarquini. “E a questão principal é essa: a da responsabilização”, observa. “Porque se um jornal instituído, uma tv ou um portal de notícias produz algo errado, ou divulga algo errado, é responsabilizado, e os que apenas se dizem jornalistas, não” destaca.

Melhorar a credibilidade, a atração e, principalmente, a imagem do jornalismo, é uma medida necessária e pode ser iniciada a partir da regulamentação dos meios de comunicação. A mídia brasileira, especificamente, está com a regulação desatualizada, pois suas últimas grandes mudanças foram feitas em 1988.

Naquela época, ainda não havia internet, o que, para o sociólogo Marcos Brey, quer dizer que grande parte dos problemas que exite hoje na comunicação não possui soluções prescritas justamente por serem advindas da própria rede de conexão. “Então a questão é: qual regulação queremos?”, reflete.

--

--

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal

I’m a brazilian journalist who writes for an indepepent online newspaper from São Paulo city called Jornal O Prefácio.