Poluição pandêmica: como o descarte irregular das máscaras afeta o meio ambiente

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal
7 min readNov 1, 2021

Além de estimular a proliferação do vírus da Covid-19, comportamento mostra a falta de responsabilidade com a qual a sociedade lida com os recursos naturais

Foto por: Guito Moreto

SÃO PAULO, BRASIL — Existente há um ano e 10 meses, a pandemia do Coronavírus coleciona, desde sua eclosão, em janeiro de 2020, mais de 50 milhões de contaminados, um número superior a 3 milhões de mortes e uma taxa acima de 66 milhões de curados. Os dados são da Johns Hopkins University, dos Estados Unidos.

Para se proteger da contaminação da Covid-19, a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu a orientação para que a população global passasse a usar máscaras. Dessa forma, o vírus, que se propagada por meio de secreções, teria sua disseminação controlada.

Agora, um novo cenário é proporcionado. Com o programa de vacinação globalmente em andamento, 47,3% da população global recebeu, ao menos, uma dose do antídoto, de acordo com a publicação digital especializada na exposição de dados e pesquisas sobre a mudança na qualidade de vida ao redor do mundo, Our World In Data.

Porém, existe outro lado da evolução do programa de vacinação, que é o crescente desuso das máscaras. Muitas delas, inclusive, acabam sendo rejeitadas inadequadamente no meio ambiente. É o que aponta o Instituto Akatu.

Sediado em São Paulo e trabalhando na conscientização e mobilização social em prol de um consumo responsável, o instituto relatou que, só no Brasil, 12 milhões de máscaras para proteção contra a Covid-19 foram descartadas irregularmente. Para cada unidade rejeitada, dependendo da matéria-prima, o tempo de decomposição pode chegar a 500 anos.

As máscaras usadas para proteção pessoal contra o Coronavírus, sejam elas a n95 ou a ffp2, têm normalmente na sua composição o polipropileno, que é um tipo de resina, ou seja, um plástico. Esse material acaba afetando não somente o meio ambiente terrestre, mas tendo em vista os sistemas de saneamento adotados, acaba chegando no mar e danificando também o ecossistema marinho.

Foto por: Ricardo Gomes

De acordo com o professor do Instituto Oceanográfico da USP Alexander Turra, coordenador da Cátedra UNESCO para sustentabilidade do oceano, uma máscara, por ser feita à base de plástico, possui determinada interação com a biodiversidade marinha. “O impacto do descarte irregular das máscaras no oceano se percebe na ingestão, por parte dos organismos de maior tamanho, do objeto tal como ele é e na consequente morte ou inanição desses indivíduos”, aponta. No entanto, este não é o único complicador do acúmulo das máscaras nos oceanos.

Turra aponta que, quando a máscara se degenera e assume um tamanho inferior a 5 milímetros, ela se torna um microplástico e acaba ocasionando maiores danos à fauna marinha. “Na medida em que o polipropileno vai se degradando e se quebrando em partículas cada vez menores, esse material passa a ser ingerido por um número maior de organismos e atingindo, inclusive, aqueles de menor tamanho”, salienta.

Não por acaso, a Ocean Conservancy, organização sediada em Washington (EUA), identificou que mais de 8 milhões de toneladas de plástico são descartadas em oceanos a cada ano e estima-se que, no fundo do mar, exista um total de 150 mil toneladas de lixo plástico. E as máscaras passaram a integrar esse número.

Foto por: Caroline Power (A Grande Mancha do Pacífico tem 1,6 milhões de quilômetros quadrados e é três vezes maior que a França)

Por mais que toda a fauna marinha seja atingida pelo acúmulo de lixo plástico, existem espécies, aquelas capazes de ingerir a máscara integralmente, que são influenciadas mais diretamente por esse cenário. Algumas delas são peixes, golfinhos, tartarugas e pinguins.

Segundo Turra, esse cenário foi vivido no litoral norte de São Paulo, quando pinguins foram avistados. Capturadas pelo instituto Argonauta de Ubatuba, as aves possuíam uma máscara inteira em seus tubos digestivos. “Além de levarem à morte, as máscaras promovem o processo de inanição, dificultando ou reduzindo a percepção de fome desses organismos e os levando a uma condição de fragilidade”, destaca.

Além dessas consequências, as máscaras, por possuírem elásticos, podem acabar aprisionando os indivíduos e criar certa dificuldade de locomoção, de natação ou mesmo de alimentação. “Embora seja menos comum, esse fenômeno também pode acontecer e ocasionar, no longo prazo, efeitos crônicos que levem à perda da qualidade de vida”, lamenta o professor do Instituto Oceanográfico da USP Alexander Turra, coordenador da Cátedra UNESCO para sustentabilidade do oceano.

Foto Por: Nicholas Samaras

Sabendo que o descarte irregular de máscaras é algo global e, mesmo com o futuro decreto do fim da pandemia, longe de acabar, a atenção deve se basear no material de composição deste que é o EPI (Equipamento de Proteção Individual) mais utilizado da atualidade.

Nesse caminho, diversas empresas ao redor do mundo começaram a planejar e produzir máscaras de matérias-primas que não agridem o meio ambiente. Enquanto a brasileira Suzano desenvolveu máscaras à base de papel cartão, a startup suíça EPFL (École Polytechnique Fédérale de Lausanne) elaborou peças à base de biomassa e, no Canadá, pesquisadores desenvolveram um protetor feito de fibras de madeira.

No entanto, o material biodegradável é o mais aconselhado para ser usado na elaboração de máscaras. Ele é uma alternativa para os itens que possuem maior chance de serem perdidos no ambiente, mas não deixam de representar uma solução para um problema crônico e, talvez, insolúvel, de gestão de resíduos sólidos.

Para Turra, os materiais biodegradáveis acabam funcionando como um seguro para a falta de educação sanitária da população, pois quando chegam ao mar eles são degradados de uma maneira muito rápida. “A questão que deve ser considerada nessa discussão é que um produto biodegradável precisa ser biodegradável em ambiente natural e não só em situações especiais de compostagem como aquelas encontradas em aterros sanitários”, contesta. “Esses produtos conseguem, sim, contribuir para um menor impacto desse tipo de item e desse tipo de falha do comportamento social”, enfatiza.

Mesmo se materiais menos poluentes forem adotados como matéria-prima das máscaras, elas ainda estarão inseridas em um alerta do crescente nível de poluição no mar. Feito pela ONU (Organização das Nações Unidas) ele indica que, se nada for feito para conter o descarte irregular de lixo, até 2050 os oceanos terão mais plásticos do que vida marinha.

No Brasil, porém, o descarte irregular de lixo já é uma pauta recorrente desde 2019. Naquele ano, um estudo feito pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), o lixo que o país lançava em suas águas daria para encher 30 estádios do Maracanã. Com capacidade para mais de 78 mil pessoas, o nomeado Estádio Jornalista Mário Filho é o 25º maior campo de futebol do mundo e o maior do Brasil.

Foto: Reprodução (O Estádio do Maracanã é o 25º maior campo de futebol do mundo e o maior do Brasil)

Hoje, embora as máscaras sejam um produto bastante marcante e visivelmente identificado, elas representam uma parte muito pequena dos resíduos que chegam ao mar. Ainda assim, são capazes, de uma forma proporcionalmente menor, de acelerar a estimativa anunciada pela ONU. “Elas não teriam a capacidade de mudar a realidade do que a gente tem de previsão pra 2050, embora elas representem a falta de responsabilidade com a qual a gente lida com os recursos naturais e com os resíduos que geramos”, critica o professor do Instituto Oceanográfico da USP Alexander Turra, coordenador da Cátedra UNESCO para sustentabilidade do oceano.

Isso acaba por indicar a urgência da melhoria da qualidade do saneamento básico, algo que, de acordo com a ONU, falta para 4,2 bilhões de pessoas ao redor do mundo. No entanto, países como Japão, Suíça, Coréia do Sul, Espanha e Bélgica possuem os melhores sistemas sanitários do mundo, com um índice que indica que mais de 90% da população desses locais possui tratamento de esgoto.

No Brasil, de acordo com dados divulgados em 2020 pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 47% da população não possui acesso a esgotamento sanitário. O sistema ainda indica que 16% dos brasileiros não possui água potável e que somente 46% do esgoto gerado no país é tratado.

Foto por: Agência Brasil

Para melhorar esse cenário, o presidente Jair Bolsonaro aprovou o novo Marco Legal de Saneamento Básico. Sancionada em julho de 2020, a legislação prevê que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto.

Segundo a bióloga Simone Benedetti, inclusive, o tratamento de efluentes já é uma realidade em diversas cidades. “Os municípios do interior paulista Tremembé e Taubaté, por exemplo, têm 100% do esgoto tratado antes de ser despejado no Rio Paraíba”, cita.

Porém, de nada adianta o aporte para tornar o saneamento básico nacional mais eficiente se o governo federal orienta para que o descarte das máscaras protetoras contra a Covid-19 seja feito em lixo comum. Afinal, essa prática além de ser pouco higiênica, promove uma proliferação mais eficiente do vírus.

Segundo a infectologista do hospital Sírio-Libanês Keilla Mara de Freitas, diretora da clínica Regenerati, o norteamento oferecido pelo governo federal se deve ao fato de ser a forma mais fácil de descarte. “Estamos em uma situação na qual muitas pessoas acabam descartando estas matérias de forma imprópria, assim como já o fazem com outros materiais não biodegradáveis”, lamenta. “Essas atitudes são de enorme risco ao meio ambiente, pois acabam sujando os lençóis freáticos e mares, entupindo canais e causando alagamentos”, pontua.

A maneira indicada pelo governo federal brasileiro não é, portanto, a forma mais apropriada de descarte das máscaras. De acordo com a Vigilância Sanitária, as máscaras devem, com as alças entrelaçadas na parte interna, ser embaladas em dois sacos plásticos diferentes dos utilizados para os outros resíduos. Esses invólucros devem ser fechados e desinfetados com álcool. “Esta é, sem dúvida, a forma mais segura de descarte, tanto do ponto de vista biológico quanto ambiental”, certifica Keilla.

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Diego Pinheiro
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I’m a brazilian journalist who writes for an indepepent online newspaper from São Paulo city called Jornal O Prefácio.