Promessa da tecnologia, metaverso pode transformar o conceito de empatia

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal
8 min readAug 31, 2022

Ambiente virtual teve popularidade impulsionada pelo aumento do uso de tecnologia durante a pandemia

Imagem: reprodução

SÃO PAULO, BRASIL — O consumo tecnológico global apresentou aumento em virtude da pandemia do Coronavírus. Na Europa, região em que o isolamento foi aplicado de maneira mais intensa durante a primeira onda da Covid-19, houve ampliação de 40% no consumo de banda larga, de acordo com levantamento da empresa de telecomunicação Nova DC. Países como Alemanha, França, Reino Unido e Itália foram os principais responsáveis para esse cenário.

No Brasil, o volume de domicílios com acesso à internet passou de 71% em 2019 para 81% em 2020, o que corresponde a 61,8 milhões de lares com conexão à rede virtual. Os dados foram indicados pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) em sua Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros (TIC Domicílios) divulgada em novembro de 2021.

É nesse momento que entra o metaverso, um mundo virtual e coletivo cujo foco é replicar a realidade. Propagandeado e popularizado pelo anúncio feito por Mark Zuckerberg ano passado, quando o empresário informou que o Facebook mudaria de nome e passaria a focar nesse novo ambiente tecnológico, esse ecossistema ainda é desconhecido para algumas pessoas. “O metaverso é um mundo paralelo que, para muitas pessoas, ainda é algo estranho e de difícil entendimento, mas não podemos negar que, a cada dia, esse assunto deixa de ser místico e vai se tornando mais popular”, comenta o analista de sucesso do cliente da Signa, Daniel Martins. “O novo é sempre mais interessante, ainda mais para a nova geração, público que Mark Zuckerberg mais quer atingir”, destaca.

Foto: reprodução

Prova disso é o aumento da procura pelos serviços da Ozone-X, uma spin-off da Nexus VR. A empresa sofreu uma elevação de 25% no número de clientes e, desses, 85%, apesar de iniciarem sua entrada no mundo de interatividade virtual através de ações pontuais com realidade aumentada, tem interesse em desenvolver algo relacionado com o metaverso no futuro.

Para atender a essa crescente demanda, a empresa se apoia, hoje, em um processo de construção que parte da digitalização de espaços com personalização de experiências pontuais utilizando imersão 360°, avatares customizados e ativações de realidade aumentada.

No que se refere ao futuro, a Ozone-X compartilha visões de que o metaverso será ainda mais interativo. “No futuro, temos a utilização de aprendizagem de máquina, deep learning e PLN unidas formando um novo ecossistema digital que será alcançado quando tivermos uma interoperabilidade entre plataformas em que o mesmo avatar possa ser utilizados em diversas experiências”, vislumbra o fundador da Ozone-X Felipe Coimbra.

Imagem: reprodução

Nesse aspecto, ainda, a empresa prevê que a maneira de navegação nos sites passará a ser de forma imersiva, as compras não mais serão feitas em sites chapados e, sim, em um ambiente interativo e imersivo. “Isso já se aplica à educação, pois na nossa plataforma já existe um grupo educacional de EAD em que o aluno aprende de uma forma totalmente interativa e imersiva”, comenta a fundadora da Ozone-X Patrícia Novo. “Por isso, acreditamos que o metaverso tem muito a contribuir, afinal, usar a tecnologia de imersão gamificada pode trazer ótimos resultados em qualquer área”, conclui.

Sua contribuição é primeiramente notada no campo da interação social. Afinal, ao ver os avatares que se movem e que, de certa forma, têm um comportamento que arremata sua contrapartida real, gera mais empatia e mais vontade de entrosamento.

Para o professor do Instituto da Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Esteban Clua, o metaverso influenciará, de fato, no aumento da empatia, um aumento de querer estar e poder conversar com as pessoas que estão por detrás dos avatares. “É isso o que torna os jogos multiplayers tão interessantes: a interação com muitas pessoas”, destaca. “No entanto, um grande problema é que você não tem os avatares como sendo a forma real que as pessoas por detrás têm, assim como acontece com os perfis das redes sociais”, contrapõe.

Foto: Jessica Lewis

O alerta casa com a contrapartida do psicanalista Edson De Paula, escritor e palestrante. Para ele, a construção da empatia é mais desafiadora no ambiente virtual porque ela é um esforço consciente da compreensão do mundo do outro. “O que tenho percebido nas relações virtuais é que as pessoas tendem a ser mais autênticas e, com isso, tornam-se mais contundentes em suas opiniões”, comenta. “Isto não aproxima e, se não aproxima, não conduz à empatia”, afirma.

No que tange os obstáculos a serem enfrentados pelo metaverso está também a proteção de dados. Afinal, apenas 20 minutos usando um óculos de realidade aumentada pode fazer com que sejam captados mais de 20 milhões de informações pessoais, como reações do indivíduo, sua biometria e seu comportamento. Por isso, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) existe e se aplica a qualquer área que esteja dentro da internet, inclusive o metaverso.

Para assegurar seu devido funcionamento, ela tem uma pauta base que cabe a cada país usufruí-la e adequá-la conforme suas crenças e entendimento do uso de dados. Exemplo disso é o que aconteceu com a Holanda. Em julho, o país anunciou que iria limitar quase ao extremo o uso do navegador Chrome e do sistema operacional Chrome OS nas escolas por não entender como o Google usa os dados coletados dos alunos. “Assim, cabe a cada país decidir como implementar a LGPD, seja criando mais itens de entendimento de segurança ou não”, explica Martins.

Sendo pela coleta de dados ou não, o uso do metaverso acabou por destacar algumas fraquezas sociais graças à aceleração do uso da tecnologia estimulado pela pandemia. E foi justamente esse movimento que fez com que se descobrisse que algumas pessoas ainda têm insegurança com relação ao uso de tecnologias, como videochamadas, por exemplo.

Essa insegurança é motivada e evidenciada pelo uso tecnológico porque, na opinião do psicólogo João Carlos Maciel, as pessoas são inseguras com relação às próprias autoimagens e são tímidas. Para ele, esse é o motivo de o metaverso se tornar um convite para uma imersão virtual que faz com que, através dela, se treine as relações interpessoais.

Apesar disso, é importante salientar que a relação social se dá entre pessoas do mundo real. “Se for ver, emocionalmente aquilo que a gente treina nas interações sociais deixa de acontecer no ambiente digital porque, nele, as pessoas se vendem da forma como lhe convém e não de forma fiel à realidade”, observa Maciel.

Ainda que possa ser observado um aumento de interação social no ambiente virtual, essa experiência imersiva das pessoas poderem participar de um mundo digital com realidade ampliada usando um avatar personalizado traz em si a possibilidade da geração de uma falsa consciência. “Nela, as pessoas poderiam se sentir cada vez mais seguras e protegidas participando de eventos que, no mundo real, nem sequer participariam”, explica De Paula.

No entanto, apesar de a LGPD agir em relação à segurança de dados e as telas dos smartphones e notebooks funcionarem também como uma espécie de escudo protetor contra ações prejudiciais no mundo virtual, é importante lembrar que esses ambientes são criados por humanos e preenchidos por algoritmos que acabam absorvendo uma série de preconceitos sociais.

É por isso que, enquanto houver preconceito e racismo no mundo real, o mesmo acontecerá no ambiente virtual. “Sempre que os seres humanos estiverem pensando e produzindo pensamentos de ódio, é quase inevitável que isso também acabe sendo refletido nesses mundos virtuais”, lamenta Clua.

Nesse aspecto, seria preciso que uma monitoria rígida fosse executada no mundo virtual para evitar que situações não apenas de preconceito, mas também de injúria e difamação, ocorram nesse ecossistema. “Gosto de pensar num mundo ideal em que teríamos regularização dessas mídias”, imagina a psicóloga Juliana Yume. “Que bom seria se utilizássemos nossos conhecimentos de psicologia, biologia e sociologia na criação de universos virtuais mais seguros e saudáveis”, idealiza.

Até que esse cenário se concretize, o metaverso continuará sujeito aos mesmos conflitos do mundo real. Comprovando essa máxima, o diretor de operações da Microsoft Regis Soares informou que já houve, inclusive, o primeiro caso de abuso sexual no metaverso e não se sabe quem é o autor.

Não por acaso, o cientista da computação Louis Rosenberg, responsável por desenvolver o primeiro sistema funcional de realidade aumentada, informou em um artigo publicado no site Big Think que a sociedade não está preparada para passar tanto tempo em um ambiente totalmente digital porque essa prática pode distorcer a noção de realidade.

Foto: reprodução

Isso reforça a máxima de que o uso excessivo de qualquer substância e objeto pode acarretar malefícios à saúde. E com o metaverso não é diferente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), já são oito doenças catalogadas que se manifestam pelo ambiente digital.

Uma delas é chamada de Nomofobia, que é quando as pessoas não conseguem ficar longe de seu celular sem bateria tendo, assim, várias reações fisiológicas. “Nesse sentido, saúde física e mental devem sofrer bastante nesse novo ambiente e é possível que as pessoas, sobretudo as das novas gerações, tenham que reaprender a viver no mundo real, já que a maior parte das experiências humanas estará condicionada ao ambiente virtual”, projeta a especialista em comportamento humano Tânia Zambon.

Tal ilustração evidencia que, assim como foi com o tabaco e o petróleo, existe uma negligência informacional em torno do metaverso em que só se abordam seus benefícios. É por isso que falar de seus pontos negativos também é importante, afinal, o ambiente digital está relacionado à ocorrência de doenças dos olhos e articulações, distúrbios do sono e casos de depressão, ansiedade e alucinação. Aumento de problemas cardíacos resultantes do sedentarismo provocado pelas horas em frente às telas também pode ser observado.

Na tentativa de garantir saudabilidade no convívio com o ambiente digital, a possibilidade de desconexão é um importante artifício. É justamente na prática do desligamento do mundo virtual que mora um dos principais diferenciais entre metaverso e redes sociais.

Diferente das redes sociais, em que há a possibilidade de desconexão, o metaverso, com seus óculos de realidade aumentada, pode tirar o retorno à realidade. “Porém, se você pode estar em um universo onde se pode viajar o mundo, se vestir como quiser, estar com quem quiser, como e onde desejar, por que viver a vida real sem graça?”, questiona Tânia. “Essa é outra questão que vai precisar ser respondida conforme as pessoas forem usando o metaverso, até porque, nem todas vão querer voltar à realidade”, reflete a especialista em comportamento humano.

--

--

Diego Pinheiro
The Pandemic Journal

I’m a brazilian journalist who writes for an indepepent online newspaper from São Paulo city called Jornal O Prefácio.