Vivemos em uma simulação?
“A probabilidade de que tudo seja real é de uma em bilhões”, disse o excêntrico bilionário Elon Musk, diretor executivo da SpaceX e da Tesla.
Mas o que é “real”? O que é existir? Até que ponto a evolução e novos limites das simulações computacionais podem influenciar nossa concepção de realidade?
Para além da busca por respostas, te convido para uma breve discussão mais abrangente e menos assustadora (será?) sobre simulação e sobre a ideia de vivermos em um mundo simulado.
SIMULISMO
A hipótese de vivermos em uma realidade computacionalmente simulada (posteriormente chamada de simulismo) surgiu a partir de uma publicação do filósofo sueco da universidade de Oxford, Nick Bostrom, em 2003 - mesmo ano em que estrearam os filmes Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, da trilogia iniciada com o filme Matrix (1999), das irmãs Wachovsky.
O tema estava em alta com a virada do milênio e os rápidos avanços tecnológicos observados até então, mas voltou a ganhar destaque e viralizou nas redes sociais digitais em 2016 após uma entrevista concedida por Elon Musk, que tem grande influência no mundo da tecnologia.
Nessa entrevista o bilionário argumentou que provavelmente todos nós fazemos parte de uma simulação produzida por uma civilização mais avançada. Como base argumentativa, se utilizou dos jogos digitais que éramos capazes de produzir na década de 1980, como o Pong, composto por uma interface com dois retângulos e um ponto, e comparou com os jogos triple A que são produzidos na última geração de videogames. Observando esse ritmo de evolução, segundo Musk, em pouco tempo será impossível percebermos a diferença entre um jogo (simulação) e a realidade em que vivemos.
Isso embasa a seguinte questão: Se podemos criar uma simulação (jogo) indistinguível da realidade, como ter certeza que não vivemos também em uma simulação desse tipo? Daí seu argumento de que a probabilidade de que estejamos na realidade “verdadeira” é de uma em bilhões.
MUNDO(S) SIMULADO(S)
Mesmo deixando um pouco de lado a ideia de que literalmente somos parte de uma simulação computacional, e apenas levando em consideração a nossa relação contemporânea com as tecnologias da informação e comunicação em um mundo cada vez mais digitalizado, tal como concebemos (a maior parte de nós) como a realidade “real” mais provável (esta que estamos vivendo agora), podemos pensar ainda em outro tipo de simulação, que se dá pela nossa inserção no meio de um processo de dataficação da vida (data-driven life), no qual a “realidade” e a subjetividade são algoritimicamente convertidas em uma quantidade massiva de dados que são minerados (dataminig), codificados e estatisticamente correlacionados na elaboração de perfis (modelos matemáticos) que têm como finalidade simular comportamentos individuais diante dos mais diversos contextos.
Pois é… Nós estamos sendo simulados!
Mas calma, que nem tudo é um roteiro de distopia do Philip K. Dick’s: As simulações sempre estiveram presentes nas nossas vidas, mesmo antes dos computadores.
Esse tipo de questionamento sobre a “verdadeira” realidade e sobre distinguir a realidade de uma simulação (ou algo simulado) é bastante antigo e passa por diversos pensadores e correntes filosóficas, tais como Alan Turing (teste de Turing), Descartes (ceticismo metodológico), Kant (criticismo), Platão (plano das ideias), os filósofos céticos da Grécia antiga (questionamento sobre todos os fenômenos que rodeiam o ser humano), além das antigas escrituras hindus (ilusão Maya), entre outros.
Mas certamente um ponto alto dessa reflexão se dá com Zhuangzi, filósofo chinês do século III a.C, que disse ter sonhado que era uma borboleta, e depois que acordou não sabia se era um homem que sonhou ser uma borboleta ou uma borboleta sonhando que era um homem.
A SIMULAÇÃO NOSSA DE CADA DIA
A palavra “simulação” vem do latim simulatĭo, e se refere à ação de representar algo, imitando ou fingindo aquilo que não é. Essa definição, porém, pode passar a impressão de algo menos verdadeiro. Mas, se pensarmos de uma forma mais abrangente, estamos simulando o tempo todo.
Quando lemos um romance, assistimos a um filme ou série, não estamos tendo acesso a representações (portanto simulações) de histórias que podem nunca ter existido?
Quando interagimos com outras pessoas por redes sociais digitais, na verdade não estaríamos interagindo com representações virtuais (simulações)?
Indo além do óbvio, o neurocientista Sidarta Ribeiro, em seu livro “O Oráculo da Noite: a história e a ciência do sonho”, contribui com essa perspectiva quando nos afirma que o sonho é uma simulação de um futuro possível com base nas probabilidades do passado. Logo, nós vivemos em um mundo totalmente simulado todas as noites.
No sentido mais amplo do termo, podemos até considerar que a nossa fala e demais linguagens são simulações do nosso pensamento! (que nem sempre conseguem corresponder àquilo que queremos representar) — Você alguma vez já vivenciou um momento no qual se tenta buscar palavras para expressar o que está sentindo ou pensando mas não as encontra? Então… Sua Matrix bugou e não conseguiu encontrar referência na “realidade”.
Poderia citar várias outras simulações humanas, como jogos, brincadeiras e ambientes como academias; poderíamos falar sobre arte, moedas digitais, capitalismo semiótico, mas o questionamento que talvez seja mais libertador diante do que foi aqui exposto é: Mesmo que seja tudo simulação, vivenciar essas experiências com tamanha intensidade tornaria o que sentimos menos real?
Já dizia Pierre Lévy: O virtual é real. E como é!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com todas essas perspectivas, mesmo que não façamos parte de um software de simulação (tal como afirma Elon Musk), é possível dizer que a simulação é uma parte integrante e importante da experiência humana: Simulamos o mundo, os nossos pensamentos, emoções, sentimentos e as mais diversas tarefas desde que nos entendemos como humanos.
Então eu pergunto: Será que podemos pensar em algo que não pode ser simulado? Existe algo que foge desse conceito de simulação enquanto representação de uma realidade humana?
Bem… Tem uma coisinha que vai além dessa ideia que entende simulação como representação de algo que é exterior a ela. O sociólogo francês Jean Baudrillard (que influenciou diretamente o roteiro da trilogia de filmes Matrix) nomeou de hiper-realidade, e assim, a partir desse conceito, podemos passar a entender a simulação também como uma “realidade real” em si mesma. Mas essa é uma conversa que vou deixar para simular com você em outra oportunidade. Hahaha.