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A vida nos tira pra mostrar que não tínhamos.

Thomas Freud
thomasfreud
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4 min readSep 12, 2020

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Já no início de O Naufrago, encontramos um Chuck Noland forte, apressado e super focado, ciente de que está no controle da sua vida e de que o tempo, ainda que sendo o seu verdadeiro e inexorável senhor, é algo administrável, em absoluto. Afinal, “a gente vive e morre pelo relógio”, certo? Tempos depois, Chuck está preso em uma ilha, vítima de um acidente aéreo. Ele não tem roupas, telefone, comida ou água. Seu mundo caiu junto consigo naquele pedaço esquecido do mundo.

Lá ele precisa se adaptar para sobreviver, emagrece, coleciona hematomas e aprende a se virar como pode, tirando da natureza tudo o que consegue, ele precisa respirar, dia após dia, se manter vivo. Na solidão da ilha, encontra em uma bola de vôlei o seu confessor, com quem conversa o que o filme mostra e o que o filme não mostra, além disso, na lembrança da mulher que ama ele encontra forças pra lidar com sua condição presente.

Mais de três anos depois de sua chegada, a maré traz um pedaço de alumínio e Chuck percebe que pode usar isso à guisa de vela, construir uma jangada e tentar sair da ilha.

Chuck é derrubado de toda a ilusão de certeza que ele guardava sobre sua vida. A forma como planejava seus compromissos em uma agenda, tudo dado como certo. Chuck vive naquela certeza inconsciente que experimentamos quando, ao deitar para dormir, programamos o despertador sem nem pensar se vamos acordar. É como se estivéssemos no controle de tudo, temos o trabalho, uma casa, contas pra pagar — os ditos boletos, como gostam de falar os paulistas — compromissos e mais certezas. “Mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá”.

Mas sobreviver está no DNA humano, somos bons nisso. O problema é que temos a tendência de alongar o que antes era provisório. Chuck sabe que se permanecer na ilha, seu tempo será abreviado em algum momento. O problema é que deixar a ilha significa enfrentar o mar aberto, mergulhado numa grande incerteza, com alta probabilidade de fracasso e, como resultado, morte. Chuck está diante de um dilema crítico, ficar na ilha e morrer ou encarar a incerteza do mar aberto em uma balsa miúda.

Se Chuck sai da ilha, ele foge àquela condição presente que mistura a incerteza de sua morte com a certeza de uma vida miserável, sofrida e sem sentido, em troca da possibilidade de ser resgatado no mar. “Se eu for para o mar pode ser que eu morra ou pode ser que não morra, se ficar na ilha, vou morrer em algum momento, pior, posso até viver por alguns anos, mas a que preço?” Chuck se apega a possibilidade de sair da ilha com ajuda da vela, constrói a balsa e lança ao mar. Esse é um momento marcante para Chuck, afinal, a ilha ofereceu-lhe algum abrigo, foi seu lar por anos e naquele momento, vista de longe, representava uma segurança da qual abdicara.

No mar, Chuck perde sua vela em uma tempestade, sua balsa fica praticamente destruída e seu amigo Wilson (a bola de vôlei) se perde no oceano.

Chuck está destruído, não enxerga uma saída daquela situação e abandona os remos de sua balsa, se entrega ao seu destino, naquele momento, pensa ele, a morte. Mas eis que passa um grande navio e o resgata.

Quando volta para seu mundo, descobre que havia sido declarado morto, com funeral e tudo mais. A mulher que amava, casou-se, seguiu em frente.

A primeira e mais importante lição que podemos tirar do filme é aquela que nos faz perguntar até que ponto estamos no controle de nossas vidas? Não que devemos ficar paranoicos com tudo isso, afinal, programar o despertador é um conforto para nosso coração, lidar com a incerteza é sempre angustiante, as certezas, ainda que muitas vezes ilusórias, aquecem a alma, mesmo que nos turve a visão, aqui e ali.

Outra questão importante é até quando deve durar o estágio provisório? Não podemos nos condenar a ficar em uma ilha, vivendo como mortos-vivos, em troca do peixe e de um buraco em uma pedra para chamar de lar. A ilha é aquele momento da nossa vida onde nos propomos a tentar entender o que nos aconteceu, como a vida nos derrubou; é um lugar onde reunimos forças, calculamos riscos e tomamos nossa decisão. É o tempo do preparo.

Sair da ilha é difícil, quase sempre porque se trata de encarar grandes incertezas. E se perdermos isso que conseguimos juntar aqui, não será pior? Pior vai ser ficar nela, preso. Se reerguer é sempre difícil, doloroso, angustiante. E o pior, como a ilha foi nosso lugar de queda, não dispomos, nela, de muitos recursos, pra garantir uma saída segura. Vamos encarar um titã em uma balsa precária, tendo como único amigo, uma bola de vôlei. A decisão é um ato solitário, qualquer apoio que pudéssemos receber seria bom, mas a relação com o cair e levantar ao longo da vida é pessoalíssima. Além disso, sair dessa situação requer planejamento e conhecimento da situação atual. Chuck precisou aprender sobre a direção dos ventos ao longo do ano e sobre quando as condições de maré seriam favoráveis pra sua saída.

Quando decidimos sair da ilha, muitas possibilidades se abrem, a partir daí o acaso também trabalha, tanto para o sucesso como para o fracasso, afinal o acaso não escolhe lados, é como o Papa Meia-Noite. Assumindo que tenhamos sobrevivido à travessia, muitas vezes nos perdendo de nós mesmos, deixando grandes pedaços de si pelo caminho, ainda teremos que aceitar o fato de que o antes não existe mais. Quem éramos está morto, e a vida seguiu. É difícil retomar a vida tal como era antes, isso não existe, e quando percebemos isso, é quase como uma segunda queda. Mas isso não significa que as coisas serão piores, pelo contrário, podem ser melhores, mas como juntar o que sobrou e continuar respirando?

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Thomas Freud
thomasfreud

PhD Student, Actuary and master in statistics and probability | Accounting bachelor's degree.